Folha de S. Paulo


Crítica

Giba não consegue se despir do lugar de herói

No primeiro jogo no Brasil após ter sido suspenso por uso de maconha, Giba estava receoso. Havia admitido um erro, estava tranquilo com sua atitude, mas temia que o sentimento dos torcedores diante do ídolo pudesse ter mudado. Quando foi ovacionado, enfim, acalmou-se. São momentos como esse que dão o tom de sua autobiografia, "Giba Neles!" (Editora Globo): uma oscilação entre o homem, que já provou tudo o que tinha para provar e pode relaxar e contar suas histórias, e o ídolo, com a imagem a ser preservada.

Giba é vitorioso, talentoso, escreveu seu nome na história do vôlei. Já provou ser um dos melhores esportistas da história do país. Era de se esperar que pudesse relaxar e, finalmente, se expor. Mas ele ainda não consegue se despir totalmente desse lugar de herói.

O ex-jogador abre seu livro de forma corajosa, com o caso mais polêmico de sua carreira. Revela que jogou preocupado após ter fumado maconha pois sabia que seu exame daria positivo. Perdeu a concentração quando viu a equipe do antidoping entrar no ginásio na Itália, onde morava. Conta que, ao ser flagrado com maconha, teve como primeiro impulso mentir para os dirigentes e dizer que não havia feito nada. Depois, admitiu o erro.

Fala ainda em uma conversa com o médico da equipe: "Se você tivesse me contado, eu teria tirado você do exame". Acredite, muitos jogadores de vôlei já foram salvos do flagrante por maconha graças a um corte por "lesão" às vésperas de um jogo.

A coragem aparece nos capítulos seguintes. Giba se despe da aura de herói e fala abertamente sobre questões que ficaram guardadas durante anos, como a relação ruim com o pai e o medo de ser igual a ele, um homem que arrumava brigas e era pouco afetuoso.

Divulgação
Capa do livro
Capa do livro "Giba neles!"; jogador foi seis vezes escolhido o melhor jogador do mundo

O ex-jogador revela até seus próprios envolvimentos em confusões. A busca por ser diferente do pai pautou diversas escolhas de sua vida.

Conta capítulos saborosos da infância, como a mãe colocando pintinhos para se aquecerem no forno —o final não foi feliz—, a vida na fazenda da família sem luz elétrica ou o avô alemão que teve de mudar de nome ao chegar ao Brasil —Giba diz não querer saber o porquê.

Ali, como em várias outras passagens do livro, vai só deixando pistas de assuntos espinhosos, cabe ao leitor tirar suas conclusões.

Há também os episódios trágicos, como a leucemia que enfrentou ainda pequeno, a queda da árvore que o rendeu 150 pontos no braço esquerdo e o grave acidente de carro. E cômicos, como a revelação de que sofreu uma lesão no pênis que o tirou de circulação por um mês. Todos contados com tranquilidade, sem rodeios.

O tom muda quando o assunto é a carreira profissional, os anos vitoriosos e as crises da seleção. Mesmo as grandes revelações, como a entrega do jogo no Mundial de 2010 (o Brasil perdeu de propósito para pegar um caminho mais fácil no torneio) e a dispensa de Ricardinho (cortado às vésperas do Pan-2007), são contadas em poucos detalhes, sempre ressaltando a união e o foco do time. Nada vai me abalar. Nada vai nos abalar.

Em muitos momentos, o lado palestrante do ex-jogador, ressaltado em vários pontos do livro, é que dá o tom. De cada episódio se tira uma lição.

Giba dá um passo em relação a auto-biografias recentes de ex-atletas brasileiros. Mas ainda está longe de ser como o ex-tenista norte-americano Andre Agassi, por exemplo, que em seu livro de memórias escolheu se expor por completo, sem se preocupar com julgamentos. Quem gosta de esporte termina "Giba Neles!" com vontade de saber mais sobre o homem. A imagem do ídolo já está consolidada.


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