Folha de S. Paulo


Após 15 anos, ex-velocista revela que jamais ganhou medalha que merecia

Para todos os efeitos, o piauiense Cláudio Roberto de Sousa é medalhista olímpico.

Mas quando um dos cem pupilos do projeto social que comanda em Jaú (a 287 km de São Paulo) lhe pede para mostrar a láurea, ele adota a estratégia de desconversar.

Em palestras que dá Brasil afora, tem uma tática similar. Carrega uma outra medalha, a de vice-campeão com o revezamento 4 x 100 m no Mundial de Paris, em 2003, para saciar a curiosidade alheia.

É a maneira que encontrou para escapar de um assunto que o atormenta há 15 anos.

Embora tratado como herói olímpico por órgãos brasileiros e internacionais, Sousa nunca pôs o metal no peito. Em 2000, ele integrou o revezamento 4 x 100 m nacional, prata nos Jogos Olímpicos de Sydney, na Austrália.

Não correu a semifinal e a final, só as eliminatórias –Claudinei Quirino, Edson Luciano, Vicente Lenilson e André Domingos eram titulares.

O Brasil terminou na segunda posição, atrás dos EUA. Como o protocolo determinava que só quem corria a decisão deveria subir ao pódio, Sousa não saiu na foto.

Nem por isso, acredita, mereceu menos a medalha, que reivindica ainda hoje. Até porque recebeu uma promessa no dia daquela final no Estádio Olímpico em Sydney, no dia 30 de setembro de 2000.

Paulo Whitaker - 30.set.2000/Reuters
Vicente Lenílson, Edson Luciano, André Domingos e Claudinei Quirino no pódio de Sydney-2000
Vicente Lenílson, Edson Luciano, André Domingos e Claudinei Quirino no pódio de Sydney-2000

"Não entregaram logo para mim e, no dia seguinte, voltaríamos para o Brasil. Pelo que me passaram, ficou de o pessoal do COB [Comitê Olímpico do Brasil] pegá-la. Fomos embora, e a medalha nunca veio", disse o piauiense, aposentado desde 2008.

Sousa evita culpar o COB. Até porque a entidade teria lutado nos bastidores para que ele obtivesse a honraria.

"O COB julgou que o atleta tinha direito à medalha. Questionou o comitê organizador dos Jogos, que informou não disponibilizar medalhas para os atletas reservas, mesmo que tivessem disputado eliminatórias", disse o comitê à Folha, em nota.

O COB contou que, pouco após o megaevento, foi enviado ao COI (Comitê Olímpico Internacional) ofício para questionar a informação da organização. Foi reiterada a reivindicação pela medalha.

O COI, então, informou que entregá-las era de responsabilidade dos organizadores.

No meio tempo, Sousa se impacientava com a demora. Quando estava para desistir, acabou surpreendido.

"No Pan de Santo Domingo, em 2003, um dirigente do COB veio a mim e disse que o COI tinha mandado um pedido de desculpas. Havia ocorrido um erro e não tinha mais como confeccionar a medalha dos Jogos", recordou.

O comitê internacional enviou um pin de prata, de número 22493, conferido a medalhistas. "Fui educado e recebi o pin. Mas e a medalha?"

Sousa não perde a esperança de recebê-la. "Quero mandar uma carta para o COI, porque ainda não desisti. Meus filhos querem vê-la."

CONTESTAÇÃO

A informação de que não foram entregues medalhas a atletas que correram as eliminatórias de revezamentos é contestada pelo norte-americano Tim Montgomery, 40.

Montgomery teve participação idêntica à de Sousa. Disputou as eliminatórias do revezamento, mas foi preterido depois. Procurado pela Folha, disse que recebeu o ouro por defender seu país.

"Eu recebi a medalha de ouro lá mesmo, em Sydney. Cláudio deveria ter recebido a dele. Todos no revezamento têm de ganhar. Quem corre a eliminatória é a razão de levar a equipe à final", disse.

Gary Hershorn - 12.ago.2001/Reuters
Tim Montgomery participa de prova do revezamento 4 x 100 m pela equipe norte-americana
Tim Montgomery participa de prova do revezamento 4 x 100 m pela equipe norte-americana

Ele também lembrou que nos Jogos de Atlanta-1996 levou a medalha de prata na mesma condição. "O COI e as federações esportivas tratam os atletas como lixo."

Montgomery, que chegou a ser recordista mundial dos 100 m em 2002, se envolveu em um escândalo de doping e, entre outras punições, foi banido por dois anos. Seus resultados de março de 2001 em diante foram anulados, inclusive seu recorde. Apesar disso, ele disse que ainda guarda as duas medalhas.

"Elas não foram tomadas porque as conquistei antes do período de banimento."

OUTRO LADO

A Folha questionou insistentemente o COI nas últimas três semanas sobre se o brasileiro deveria ter recebido a medalha de prata em 2000. Doze dias após o pedido inicial, o comitê disse que não tinha registro do episódio.

A Iaaf (federação internacional) informou que sua regra determina que até seis atletas podem correr eliminatórias e final de revezamentos e que todos devem receber medalha. Porém, alegou que em Jogos Olímpicos a responsabilidade pela premiação é do comitê organizador.

A Folha tentou entrar em contato com John Coates, vice-presidente do COI e um dos diretores dos Jogos de Sydney, mas ele não respondeu aos e-mails enviados ao longo desta semana.


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