Folha de S. Paulo


Casagrande se opõe a Roberto de Andrade e exalta Democracia Corintiana

Ídolo corintiano, o ex-atacante Casagrande, 52, também se incomodou com as declarações do atual presidente do clube, Roberto de Andrade, sobre a Democracia Corintiana.

"Aquilo [Democracia Corintiana] pouco contribuiu ao clube. Foi um ato dos atletas, que não trouxe benefício algum. Chamou a atenção da mídia porque não tinha concentração e se ouvia dois, três jogadores, que mandavam no elenco. Ficou cravado como ato fora de série, mas não entendo assim. Ao clube, trouxe muito pouco benefício", afirmou Andrade em depoimento à CPI do Futebol na quarta-feira (14).

Em entrevista à Folha, Wladimir, Biro Biro e Zenon repudiaram as declarações. Nesta sexta-feira (16), Casagrande argumentou no mesmo sentido dos antigos companheiros de clube.

"A Democracia Corintiana foi um dos movimentos mais importantes, se não o mais importante, da história do futebol mundial. Teve participação ativa na redemocratização do país. Nós vivíamos em uma ditadura militar e as coisas estavam meio paradas, as pessoas estavam desgastadas. Apesar da anistia em 1979, não acontecia nada de novo, não surgia nada com força e expressivo para a gente lutar pela democracia no Brasil. E então surgiu a Democracia Corintiana", explicou.

"Em termos de futebol, a Democracia foi bicampeã paulista, em 1982 e 1983. Chegamos a duas semifinais do Brasileiro, em 1982 e 1984. O Corinthians ficou conhecido internacionalmente através da Democracia Corintiana. Há vários documentários internacionais sobre a Democracia Corintiana. Já recebi jornalista de muitos lugares do mundo para falar sobre o assunto. A Democracia Corintiana foi grande", continuou.

Gestado no processo de abertura política do país, no início dos anos 1980, a Democracia defendia a participação ampla na definição da agenda do clube, das contratações ao local da concentração.

Ao tomar decisões pelo voto, com inclusão de todos os funcionários, o movimento pretendia apresentar um modelo político democrático em período de autoritarismo no Brasil.

"Quanto ao Roberto de Andrade, ele está sem conhecimento de causa para falar. Não tem propriedade alguma para falar. Se é uma opinião dele, eu respeito. Mas posso dizer que fomos bicampeões paulistas. Para aquela época, era bastante. O Corinthians não ganhava um bicampeonato há anos. O time não tinha um artilheiro do Paulista desde 1966, e eu fui em 1982. Para o futebol do Corinthians, acho que acrescentou muito. E se você for conversar com aqueles que realmente gostam e torcem pelo Corinthians, você vai ver o tamanho e a importância da Democracia Corintiana", argumentou Casagrande, atualmente comentarista da TV Globo.

Sobre a avaliação de Andrade de que alguns jogadores comandavam a Democracia, Casagrande discordou com veemência.

"Claro que não, claro que não [risos]. Essas pessoas que ele fala que mandavam éramos eu, Wladimir, Sócrates e Adilson [Monteiro Alves, diretor de futebol à época]. As pessoas que eram contra a Democracia ou que não sabem o que é uma democracia falam isso. Aquelas pessoas que não têm poder ativo e que não têm personalidade para participar de uma decisão sempre falam que dois ou três que mandam em uma democracia. Mas são essas pessoas que são incapazes de participar. E eu acho que o senhor Roberto de Andrade é dessa maneira", argumenta.

"A Democracia Corintiana foi uma democracia como qualquer outra. Quando você vive em uma ditadura, você estranha depois que começa a ter liberdade, porque estava acostumado a viver com medo, acuado, sem dar opinião. Demora um tempo para as pessoas entenderam que elas podem, que elas têm direitos, que elas têm importância em uma decisão", diz o ex-atacante.

Questionado se ele vê heranças da Democracia no futebol brasileiro atual, ele respondeu afirmativamente.

"Os jogadores tiveram coragem de fazer um Bom Senso porque aconteceu uma Democracia lá atrás. Alguns jogadores se manifestam contra algumas coisas e escolhem os clubes nos quais querem jogar pela liberdade que a Democracia sugeriu que os atletas deveriam ter", concluiu.

Procurado pela Folha, Roberto de Andrade disse via assessoria de imprensa que não irá se manifestar sobre o assunto.

RAIO-X

Idade
52 anos

Ocupação
Comentarista da TV Globo

Carreira
Formou-se jogador no Corinthians, teve passagens por São Paulo, Torino-ITA, Ascoli-ITA e Flamengo, além de ter vencido a Liga dos Campeões pelo Porto-POR na temporada 1986-1987. Disputou a Copa do Mundo de 1986, no México


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