Folha de S. Paulo


Combate ao doping é desafio do novo presidente da federação de atletismo

Andy Wong/Associated Press
Sebastian Coe durante entrevista após ser eleito presidente da IAAF
Sebastian Coe durante entrevista após ser eleito presidente da IAAF

Para um esporte em crise, o Campeonato Mundial de atletismo encerrado dia 30 de agosto em Pequim ofereceu alívio inesperado.

O alívio pode se provar tão temporário quanto o céu azul sobre Pequim na semana de provas –resultado de restrições ao uso de veículos e à operação das fábricas impostas por autoridades chinesas durante os preparativos para uma grande parada militar.

Mas o atletismo e seus dirigentes aceitam bom tempo onde quer que o encontrem, em dias de crise quanto ao doping como os atuais e diante da ameaça cada vez mais forte do futebol, o maior esporte do planeta.

Nos últimos 50 anos, o atletismo deixou de ser um esporte de primeira linha e passou a ocupar apenas um nicho de interesse, em países como os Estados Unidos, e perdeu o ímpeto em seus baluartes, como a Europa.

Reverter essas tendências é uma tarefa mais difícil que alongar a passada para acompanhar a do fundista Mo Farah na volta final de uma corrida, mas os nove dias de competição em Pequim foram um lembrete do valor de entretenimento que o atletismo ainda pode oferecer.

Houve muitas provas empolgantes, entre as quais os 100 m rasos masculino, na qual Usain Bolt venceu Justin Gatlin por apenas um centésimo de segundo, e os dois revezamentos 4 x 400 m, nos quais a equipe feminina jamaicana e a equipe masculina norte-americana terminaram vencendo, mas com mudanças de liderança na perna final das duas provas.

Houve vitórias espetaculares: o mais recente recorde mundial de Ashton Easton no decatlo. Houve triunfos do espírito humano: a medalha de bronze de Aries Merritt nos 110 m com barreiras, quatro dias antes de ele passar por um transplante de rim.

Também houve momentos de leveza, como o chinês que invadiu a celebração de vitória de Bolt na prova dos 200 m, pilotando um Segway, perdeu o controle de seu patinete tecnológico e atingiu o astro do atletismo pela retaguarda. Poderia ter sido um desastre caso Bolt tivesse se machucado. Mas foi pura comédia, e evidentemente conteúdo irresistível para a mídia noticiosa que o recém-eleito líder do atletismo, Sebastian Coe, tem tanto interesse em atrair.

O britânico Coe, no passado o melhor corredor de média distância do planeta, assumiu como presidente da Associação Internacional de Federações de Atletismo (Iaaf, na sigla em inglês) no dia 31 de agosto. A mudança de comando demorou até demais a acontecer: Lamine Diack, o presidente que deixou o posto, tem 82 anos.

Coe, 58, foi atleta de ponta e tem relacionamentos sólidos com muita gente no esporte. Orador talentoso, ele deve ser capaz de se comunicar de maneira mais ampla e efetiva do que Diack, que fala francês, tem problemas com o inglês e, em sua entrevista coletiva de despedida, também mostrou tê-los com a clareza, ao falar longa e confusamente sobre o eterno elefante na sala, quando o assunto é o atletismo: o doping.

Os escândalos e suspeitas não param de surgir. Coe, que no passado defendeu suspensões permanentes para os atletas envolvidos em violações sérias das normas antidoping, compreende o cenário melhor do que a maioria das pessoas, até porque o seu desempenho espantoso quando ele começou a se destacar, nos anos 70, o forçou a encarar certas questões.

Coe já falou em terceirizar alguns dos exames antidoping para uma entidade independente da Iaaf. Em entrevista em Pequim, ele afirmou que pretende criar um novo comitê com foco nos valores e em chegar aos atletas em estágio inicial de suas carreiras, a fim de educá-los.

Quanto a seus potenciais conflitos de interesse, Coe rejeitou a ideia de que deveria abandonar seu papel como consultor pago da Nike ou seu posto de presidente do conselho da CSM, uma agência de marketing esportivo e de entretenimento.

A presidência da Iaaf é um posto não remunerado. Coe acredita que deva continuar a sê-lo, mas que desejava manter a renda que obtém de outras fontes e estava convicto de que conseguiria administrar os múltiplos papéis com transparência.

"Não assumi o cargo por dinheiro", disse Coe. "Ou para promover interesses externos. Isso será ferozmente policiado. Pode acreditar".

Em um momento tão claramente importante para o esporte, a última coisa de que Coe e o atletismo precisam é que a mensagem dele seja menos que límpida.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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