Folha de S. Paulo


A um ano da Rio-2016, maior nadador do país vive encruzilhada

Cesar Cielo vive uma encruzilhada física e emocional. Para quem costumava a vê-lo sempre altivo em competições, de qualquer porte, o dia inaugural da natação em Kazan foi surpreendente.

Entregue após suas duas apresentações nos 50 m borboleta, explicou que problemas de cansaço e no ombro o limitaram. Mas parece que o golpe é psicológico.

Reinventar-se, ele sempre soube. Como quando tirou da cartola uma grande vitória nos 50 m livre no Mundial de Barcelona-2013, que lhe deu o terceiro ouro no evento.

"Em 2013, mal conseguia andar no começo do ano", contou à Folha, em junho, em alusão à cirurgia nos joelhos. Meses depois, na mesma temporada, triunfou com o melhor tempo da carreira.

Em Kazan, atrás da quarta vitória nos 50 m livre, a estrada, ou piscina, aparenta ser longa. Nunca desde que ascendeu ao patamar de campeão olímpico, em Pequim-2008, teve tanta dificuldade para registrar boas marcas em nível mundial.

Em 2015, nadou só uma vez os 50 m abaixo de 22s, coisa que se tornara corriqueira para ele. Também saiu sem nenhuma vitória individual no Troféu Maria Lenk, em abril.

Não que ganhar ouros no torneio indique qualquer tendência internacional, mas ter um desempenho desse após tantos anos de domínio liga o sinal de alerta. Em evento preparatório para o Mundial, tampouco Cielo foi bem.

Enquanto isso, pela França, seu rival, Florent Manaudou, desembestava a fazer ótimos tempos. Se isso criou ou não atmosfera de pressão, apenas Cielo pode relatar.

Na entrevista à Folha, porém, disse que as derrotas de então não o preocupavam. "É preciso saber fazer na hora certa. São os 20 segundos da final do Mundial que vão contar. Meu foco total é nisso."

É óbvio que o paulista pode ir à água nesta segunda e derrubar tudo o que se especulou neste domingo, com pódio nos 50 m borboleta.

Porém, a quase um ano da Rio-2016, a caminhada do principal nadador do país está nebulosa. Até por saber de sua competência, ele optou por uma estratégia de isolamento, há algum tempo, que por vezes se exibe correta e, em outras, equivocada.

Desde Londres-2012, já trocou de técnico uma porção de vezes, o que é lícito, mas também envolve recomeços.

Neste ano, montou um grupo multidisciplinar de especialistas. Se de um lado é inovador, de outro, ter um clã o deixou ainda mais recluso.

Abdicou de ir ao Pan de Toronto, dirigiu-se à Holanda para fazer sua aclimatação particular —enquanto a seleção foi para Portugal— e em geral não acompanhou a equipe nos treinos em Kazan.

Neste domingo, também não quis compor o revezamento 4 x 100 m livre do país – ele é o recordista mundial da prova desde 2009.

Cielo geralmente acerta ao tomar as decisões que lhe cabem, doa a quem doer. Agora, terá de tomar, talvez, a maior de todas: como voltar ao caminho certo da encruzilhada a 367 dias do maior desafio olímpico da história do Brasil.


Endereço da página:

Links no texto: