Folha de S. Paulo


Australiano ressurge em Kazan após vício em pílula e empurrão de Phelps

Chris Hyde/Getty Images
O nadador australiano Grant Hackett
O nadador australiano Grant Hackett

Passava das 20h em Gold Coast quando Michael Phelps avistou o ex-rival, a quem vencera e para quem perdera inúmeras vezes. Engajaram uma conversa saudosa, até que pelas tantas o americano soltou: "Você parece em boa forma física para alguém com 34 anos. Eu acho que deveria voltar para a nadar. Pense nisso."

Grant Hackett riu e prometeu considerar, para não ser deselegante. Rico, lenda olímpica e multirecordista mundial, o australiano não tinha muito mais a provar na natação -porque, fora dela, vivia o inverso.

Mas a semana em Gold Coast, cidade australiana que recebia o Pampacífico, torneio quadrienal que reúne país banhados pelo oceano, e o elogio o instigaram.

"Eu vi as provas, lembrei do que Phelps me disse e pensei: 'até que seria interessante'. Poderia redescobrir o prazer no esporte", contou o australiano em entrevista à Folha.

Em um raio de seis meses, foi de aposentado a ativo, perdeu os quilos sobressalentes e se sentiu bem na água.

Voltou a treinar com seu ex-guru, Dennis Cotterell, que o orientou nos seus sete pódios olímpicos e 18 mundiais.

Os segundos caíram tanto no cronômetro que Hackett resolveu arriscar-se na seletiva australiana, em abril. O inacreditável aconteceu: ele obteve uma vaga no revezamento 4 x 200 m da equipe de seu país, que disputa a partir deste domingo (2) as provas de natação do Mundial de Kazan.

"Estou ansioso. Tento não me pôr pressão, porque fiquei seis anos fora da natação e não esperava, de jeito algum, entrar no time de Kazan", disse.

Mas entrou. Ele disputará o revezamento 4 x 200 m na sexta (7). "Ter uma medalha agora seria comparável a ganhar um ouro no meu auge."

Não parece ser tão impossível ir ao pódio com seus colegas, cuja faixa etária é bem inferior. "Eu acho que posso melhorar meu tempo da seletiva."

Curiosamente, o veterano abdicou de disputar os 1.500 m livre, prova que o consagrou lhe deu ouros olímpicos nos Jogos de Sydney-2000 e Atenas-2004. Ele vai se dedicar aos 200 m e 400 m livre para tentar os Jogos de 2016.

"A ideia de ir para o Rio me atrai. Nunca achei que teria outra chance de competir nos Jogos Olímpicos. Com certeza está no meu radar", comentou.

PERÍODO OBSCURO

O retorno fulminante do veterano inspira, porém também esconde um período obscuro.

Hackett formava uma espécie de "casal 20" na Austrália com a cantora Candice Alley, com quem teve dois filhos, Charlize e Jagger. Há três anos, ambos se separaram de forma penosa, e o ex-nadador entrou numa espiral de degradação que envolveu bebida, brigas públicas e dependência a Stilnox, uma pílula para dormir.

"Foi um período difícil. Tudo foi muito público e envolveu julgamento, as crianças, opinião pública. Eu não conseguia dormir de nervoso, e as pílulas se tornaram a solução a curto prazo", contou à Folha.

Mesmo enquanto se afundava, Hackett negava o vício. Seu pai, Neville, chegou a contradizê-lo publicamente e assegurar que, sim, o filho dependia do medicamento.

No fogo cruzado, ele foi parar numa clínica de recuperação no Arizona, nos EUA.

"Ir para a reabilitação foi duro, mas me ajudou a conhecer eu mesmo. Tive sorte de não ter se transformado em algo ainda pior. Hoje estou livre."

O primeiro passo para voltar a ser "aquele" Grant Hackett, que amedrontava e causava admiração até em Phelps, começa neste domingo (2).


Endereço da página:

Links no texto: