Folha de S. Paulo


Análise

Será que alguém ainda deseja sediar uma Olimpíada?

A Internet está repleta de sequências de fotos mostrando estádios vazios, dilapidados e inúteis construídos na euforia de uma Olimpíada ou Copa do Mundo iminente e abandonados logo depois, e tomados por ervas daninhas, roedores e outros sinais de abandono humano.

Existe um sinal melhor do colapso grego do que a montanha de instalações esportivas inúteis que vêm se deteriorando desde que a pira olímpica se apagou ao final dos jogos de 2004? Que uso Atenas poderia ter para um novo estádio de beisebol, aliás? Ele está lentamente ruindo entre as ervas daninhas, como o estádio de hóquei sobre a grama, o centro de canoagem e a piscina de treinamento tomada pelas algas.

As pessoas que queriam forçar a realização de uma Olimpíada em Boston haviam prometido que seus jogos seriam frugais, insistido em que aproveitariam instalações existentes e montariam estádios temporários, para cortar custos.

Mas mesmo os US$ 4,5 bilhões requeridos para a organização dos Jogos e os US$ 6 bilhões em novas vias e parques pareciam estimativa perigosamente baixa se considerada a escala maciça de construção necessária para aplacar o Comitê Olímpico Internacional (COI). Embora Roma e Paris devam continuar a lutar pelo direito de se colocar em perigo financeiro, uma verdade maior deveria ficar clara:

Por que é que alguém ainda desejaria sediar uma Olimpíada?

Na sexta-feira (31), o COI decidirá qual cidade servirá de sede à Olimpíada de Inverno de 2022. A disputa será entre Pequim e Almaty, no Cazaquistão. E isso bem pode representar o futuro das candidaturas olímpicas – cidades em países que gastarão qualquer que seja a quantia necessária a organizar os Jogos na esperança de difundir sua mensagem política internacionalmente.

"O que descobri é que é preciso ter apoio local", disse Jeff Ruffolo, norte-americano que participou ativamente na organização dos Jogos de Pequim em 2008, ajudou a China a organizar sua candidatura para os Jogos de 2022 e trabalhou em outras candidaturas olímpicas nos Estados Unidos, entre as quais um projeto frustrado para fazer de Honolulu a sede dos jogos de 2024.

Boston não tinha apoio local à Olimpíada de 2024. Um pequeno grupo de empresários, todos os quais com salários na casa das centenas de milhares de dólares anuais, forçou a aprovação da candidatura pelo Comitê Olímpico dos Estados Unidos, a despeito da forte oposição dos bairros da cidade ao plano.

Grupos oposicionistas de base trabalharam contra as candidaturas de Oslo, Cracóvia e Estocolmo para a Olimpíada de inverno de 2022. O custo de sediar os jogos parecia exagerado demais, e as recompensas, insuficientes.

"Toda a ideia do processo de seleção de sedes é uma piada", disse Ruffolo. "Todo mundo ri a respeito exceto o pessoal de Lausanne [a sede do COI, na Suíça]. Eles não percebem que estão montados em um cavalo morto. Houve época em que uma Olimpíada era boa –Los Angeles, em 1984, Barcelona, em 1992, e até mesmo Pequim, em 2008, para provar ao mundo que os chineses eram capazes de organizar um evento como esse–, mas depois de 2008, sediar Jogos se tornou uma pílula de veneno".

"As Olimpíadas morreram. São um conceito moribundo que ninguém mais quer tocar", ele afirmou.

Depois de Roma, Paris, Hamburgo e talvez Toronto ou Doha –todas as quais disputam a organização dos Jogos de 2024–, a lista de candidatos a sede olímpica pode minguar rapidamente até que os candidatos restantes se limitem a lugares como Pequim, Qatar ou uma das antigas repúblicas soviéticas.

São lugares que não precisam se preocupar com a oposição local ao assinar cheques em nome do orgulho nacional. O conceito de concorrência entre grandes cidades, cada qual prometendo mais e maiores extravagâncias, provavelmente está obsoleto. Poucos governos municipais terão dinheiro dessa ordem para desperdiçar.

Ruffolo viveu na China por boa parte dos últimos dez anos, trabalhando para um governo que gastaria o que fosse necessário para provar ao mundo que seu sistema é o melhor. Pequim teve poucos problemas para construir seus centros esportivos para a Olimpíada de 2008, e parece pouco se incomodar por eles estarem sem uso. O ponto jamais foi criar uma cidade eterna e reutilizável.

Como parte de sua candidatura aos Jogos de 2022, os organizadores de Pequim propõem tirar água de um lago próximo para fabricar as pilhas de neve necessárias aos esportes de montanha e construir uma gigantesca linha ferroviária de alta velocidade para conduzir atletas aos locais mais distantes de competição. Quem pode concorrer contra isso? E quem desejaria fazê-lo?

A China se candidatará a todos os eventos internacionais que surgirem, sobrepujando os rivais de países mais democráticos ao prometer construir todo o necessário para sediar os eventos.

"Os chineses não ligam a mínima para a Olimpíada de inverno", disse Ruffolo. "O que eles querem de verdade, querem muito, é uma Copa do Mundo. Apresentaram candidatura para os Jogos de inverno porque lhes pediram que o fizessem. Precisamos pensar como os chineses [nos Estados Unidos], e concentrar todos os nossos esforços em uma cidade só".

Se os Estados Unidos desejam um dia sediar uma nova Olimpíada, disse Ruffolo, precisam criar empuxo para uma só cidade e promover sua candidatura durante até dez anos. As candidaturas fracassadas de Nova York, para 2012, e Chicago, para 2016, deveriam ter demonstrado que as cidades norte-americanas estão muito despreparadas para competir por uma Olimpíada, no mundo atual.

A retirada de Boston, na segunda-feira (27), disse muito sobre o esforço requerido para despertar o interesse local em sediar esse tipo de evento.

Enquanto isso, o COI se reúne em Kuala Lumpur esta semana para selecionar a sede da Olimpíada de Inverno de 2022: Pequim ou Almaty. Provavelmente não faz diferença. A escolha poderia bem ser sobre o futuro das candidaturas olímpicas.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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