Folha de S. Paulo


Ingressos do Pan emperram e prefeito de Toronto culpa marketing

John Tory, 61, exibe em seu escritório um óleo gigantesco que retrata a Toronto de 1854. Diferentemente da metrópole atual, a tela demonstra haver ali apenas um vilarejo, com poucas construções e atividade apenas portuária.

Apesar das mudanças nestes 161 anos decorridos, ele vê semelhanças de passado e presente. "Toronto é cidade nova e ainda busca se consolidar", afirma à reportagem da Folha.

Tory é o prefeito da cidade, que a partir de sexta-feira (10) receberá o maior evento de sua história: os Jogos Pan-Americanos de 2015.

A três dias do início oficial das competições –as disputas do polo aquático começam nesta terça (7)–, Toronto ainda tenta captar o interesse de sua população no evento. Do 1,4 milhão de ingressos postos à venda, apenas cerca de 800 mil foram vendidos.

As ruas ainda carecem de empolgação, apesar das inúmeras faixas que chama para o evento.

Tory reconhece que houve problema em estratégias de marketing para atrair o público para a competição.

"Eu faria diferente e focaria nos esportes", comenta.

Ele também diz que a cidade sofria de uma espécie de complexo de inferioridade e não tinha confiança para receber grandes celebrações esportivas –em detrimento de Montréal, Winnipeg, Calgary e Vancouver, que já receberam Jogos Olímpicos e Pan-Americanos.

Apesar dos problemas, Tory afirma que crê no legado positivo para a cidade e não descarta a ideia de se candidatar a sede dos Jogos Olímpicos em um futuro próximo.

Confira abaixo a entrevista, concedida à Folha na tarde desta segunda-feira (6).

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Folha - Qual foi a maior dificuldade encontrada para organizar este Pan?
John Tory - Eu diria que aqui no Canadá foi o desafio de fazer todos os governos atuarem em conjunto. Nós temos diferentes níveis de governo, assim como no Brasil, e aqui eles nem sempre agem com a interação que deveriam. No caso de Toronto, acredito que até funcionou melhor em relação a outros grandes eventos esportivos no Canadá porque criamos uma organização chamada Toronto2015.

Ela é, de certa forma, independente do governo e supervisionou a construção das instalações, o marketing dos Jogos, a venda de ingressos e a prospecção de patrocinadores. E, agora, a verdade é que não temos um grande problema.

As instalações estão prontas a tempo. Algumas delas já são usadas há mais de um ano pelo público em geral, foram testadas e estão prontas. Há algumas outras arenas que serão concluídas em cima da hora, mas não encaramos isso como um problema. O orçamento teve alguns problemas; certas obras subiram, outras caíram, mas no final das contas vamos terminar dentro dele [cerca de R$ 6,2 bilhões].

Mas o que mais despertou preocupação?
De certa forma, a divulgação e o marketing dos Jogos para o público. É difícil fazer as pessoas entenderem e processarem a quantidade de eventos que vão ocorrer. Eu me peguei ouvindo todos os eventos em meu carro, no final de semana, em ordem alfabética. Do tiro com arco ao boliche, do beisebol ao futebol, do futebol ao vôlei. É um desafio fazer as pessoas se interessarem por tantos esportes.

Por isso, nós decidimos espalhar as competições pelo que chamamos de Grande Toronto, para que elas não se concentrassem em um único lugar. Isso, de um lado, ajudou a propagar os Jogos. Mas, de outro, tornou as coisas um pouco mais confusas. As pessoas tinham dificuldade para saber onde as coisas vão ocorrer.

Então, se eu fosse apontar um desafio seria esse: de empolgar as pessoas e fazer o marketing corretamente. Esse problema parece estar sendo consertado e acho que o evento vai ocorrer de maneira tranquila. Queremos proporcionar um evento de qualidade para o povo das Américas e do país. Teremos legado de qualidade, principalmente onde está localizada a Vila Pan-Americana, que marcou o renascimento de um bairro. Também temos agora um trem que liga a cidade ao aeroporto, o que não aconteceria sem o Pan.

A reportagem falou com pessoas que não sabiam nem ao menos o que era o Pan.
As pessoas sabem o que são os Jogos Olímpicos porque todo o mundo participa deles. Os Jogos Pan-Americanos reúnem países do continente e aqui no Canadá, embora as pessoas saibam que países são Brasil ou México, nem todas as nações são reconhecidas instantaneamente. Quanto aos esportes do Pan, a lista é imensa, torna-se difícil até se lembrar de todos eles. Se eu pudesse voltar no tempo, teria mudado um pouco a maneira como promovemos os Jogos Pan-Americanos de Toronto.

Eu teria começado bem mais cedo a focar a propaganda nos atletas e nos esportes. De certa maneira, dizer "olhem, teremos grandes ginastas aqui" ou "atenção, grandes astros dos 100 m vão correr na cidade". Sabe, as pessoas se interessariam mais.

Então, eu começaria mais cedo a divulgar os esportes e atletas, ao contrário do que fizemos. Focamos muito em falar do quanto o evento iria custar, se ficaria pronto a tempo ou não, ou até coisas como a cor do logo dos Jogos. É a natureza humana questionar tais coisas, mas hoje acho que o interesse está nos atletas. Eu percebi desde as últimas semanas, com a chegada dos atletas à cidade, que as pessoas passaram a comentar mais e demonstrar interesse sobre quem gostaria de ver na final do futebol, por exemplo.

É possível verificar isso nos ingressos: com a proximidade do evento, os ingressos passaram a ser vendidos com mais rapidez. Há duas semanas, 400 mil ingressos haviam sido vendidos. De lá para cá, aumentou para 500 mil, 600 mil, 700 mil e agora está na casa de 800 mil.

O número de turistas ficou aquém do esperado?
Quando tudo estiver acabado, acho que veremos como positivo. Quando organizamos um evento grande como os Jogos Pan-Americanos, é preciso pensar no legado que isso vai trazer. Praticamente construímos um bairro novo, no local da Vila Pan-Americana. Temos muitas ruas novas que foram feitas e ajudarão a cidade. Toronto tinha equipamentos esportivos de baixa qualidade, agora temos de alto nível, como um grande centro aquático, um ótimo velódromo e um estádio de atletismo novíssimo.

Todas essas instalações são coisas que não tínhamos antes. E provavelmente não as teríamos se não fosse o Pan. O turismo será importante. No caso do Pan, em minha opinião, será parecido com o que aconteceu na Copa do Mundo de futebol feminino, que acabou de terminar.

Muitos turistas americanos faziam viagens de um dia para ver as partidas, porque a distância era pequena. Eu acho que, se comparado com o mesmo período do ano em toda a história, Toronto nunca recebeu tanta gente quanto agora. Os números serão bonitos e vão ajudar a pagar o investimento. Pessoas do Brasil, Chile, Venezuela, Colômbia vão conhecer Toronto e se surpreender.

Embora seja a principal cidade canadense, Toronto jamais havia recebido uma competição deste porte. Enquanto isso, Montréal, Winnipeg, Calgary e Vancouver já foram sedes. Por que demorou tanto para Toronto hospedar um megaevento?
Eu não sei exatamente a resposta para essa pergunta. Tentamos duas vezes sediar os Jogos de Olímpicos [de 1996 e 2008]. Perdemos, mas fomos bem nas duas vezes. Mas sempre houve uma percepção negativa em relação a sediar grandes eventos esportivos. 'Não devíamos fazer isso' era o que mais ouvia. Para as pessoas, deveríamos focar em outras coisas. Eu, pessoalmente, não acho que eventos esportivos são a solução para tudo, como dar moradia às pessoas. Só que eles podem dar uma contribuição positiva para a economia de uma cidade ou de um país. No curto e longo prazo.

Sempre houve um complexo de inferioridade de Toronto quanto a receber essas competições. Nunca achamos que valeria a pena ou estaríamos à altura disso. Isso desencoraja de se candidatar a eventos assim, não é mesmo? Mas eu sou otimista e acho que a coisa vai mudar. Vamos receber o All-Star Game da NBA em 2016 pela primeira vez. Vamos receber a Copa do Mundo de hóquei. Se o Pan der certo, pode ser que os habitantes de Toronto comecem a mudar essa percepção.

Quando podemos esperar uma nova candidatura olímpica de Toronto?
Ainda não dissemos nada a respeito disso. Vamos esperar saber como vai ser o Pan. É preciso esperar que ele acabe. Eu acho que eventos como o Pan põem Toronto no mapa, atraem turistas e investidores. Mas eu não sei dizer quanto a uma candidatura olímpica. Vai depender de quão bem sucedido o Pan será.

Qual seria o grande trunfo de Toronto para uma candidatura olímpica hoje? E o grande defeito?
Vários membros do Comitê Olímpico Internacional estarão aqui nesta semana. Espero que eles vejam por si que Toronto mudou dramaticamente nos últimos anos. Hoje temos instalações esportivas, serviços, inovações e poder econômico. Toronto sempre foi a capital econômica do Canadá. É como São Paulo. Ambas são muito diversificadas. Eu quero que o resto do mundo, incluindo o COI, veja isso: como Toronto é diversificada, dinâmica e poderosa.


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