Folha de S. Paulo


Empresa investigada nos EUA fez Marin ceder Copa América ao Chile

A Copa América começa nesta quinta-feira (11), no Chile, manchada pelos esquemas de corrupção desbaratados pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, mas a bola poderia mesmo é estar para rolar no Brasil.

Em março de 2012, 11 dias depois de assumir a presidência da CBF, uma das primeiras decisões de José Maria Marin foi ceder a edição de 2015 do torneio continental, que seria no Brasil, para o Chile. Os brasileiros organizarão em 2019.

O que parecia somente uma decisão política teve também participação de empresa protagonista na investigação americana sobre o pagamento de propinas para acordos comerciais das próximas quatro edições da Copa América.

A Folha apurou que a empresa argentina de marketing esportivo Full Play, que na época detinha exclusividade nos direitos comerciais desta edição 2015 da Copa América, pressionou para que houvesse a alteração na sede.

O motivo seria a preocupação que a Copa do Mundo de 2014, que se realizaria no Brasil, causasse dificuldade em conseguir patrocinadores para o torneio continental –não há indício, na investigação americana, de pagamento de propina neste caso específico.

As autoridades indicam pagamentos de R$ 20 milhões aos cartolas pelo repasse dos direitos de transmissão do torneio, negócio intermediado pela Traffic.

Diferentemente da Copa do Mundo, que tem apelo global, a Copa América depende, na maioria, de parceiros locais.

O temor da Full Play, responsável por vender contratos de patrocínio e de televisionamento, era que as empresas brasileiras, que gastariam (e gastaram) milhões de reais em patrocínios e eventos relacionados à Copa um ano antes da Copa América, não abririam o bolso um ano depois por um torneio de alcance continental.

A decisão da troca, então, foi sacramentada pela Conmebol, com aval da CBF e da federação chilena, e inicialmente anunciada como um gesto de amizade da confederação brasileira para a chilena, que também já havia feito a solicitação à entidade sul-americana, para agradar ao então presidente do Chile, Sebastián Piñera. Ele tinha entre suas promessas de campanha levar competições esportivas importantes ao país.

Em maio de 2013, no ano seguinte à troca de sede, foi criada a empresa Datisa, com sede no Uruguai, uma sociedade entre as empresas Full Play, TyC (Torneos y Competencias), esta também argentina, e a brasileira Traffic, que teria os direitos de quatro edições do torneio (2015, a edição especial de 2016, nos EUA, de 2019, no Brasil, e 2023, no Equador).

A criação da Datisa foi uma maneira encontrada de evitar uma longa e cara disputa judicial, já que a Traffic questionava seus direitos sobre o torneio.

Executivos dessas três empresas estão entre os indiciados pelo departamento de justiça americano e são suspeitos de pagar propinas para conseguir os contratos com a Conmebol –Hugo e Mariano Jinkis, da Full Play, e Alejandro Burzaco, da TyC, tiveram as prisões decretadas.

Os dois primeiros estão foragidos e o terceiro se entregou à polícia nesta terça (9), na Itália. J. Hawilla, da Traffic, colabora com as investigações e prometeu pagar US$ 151 milhões (R$ 470 milhões) de multa ao governo dos EUA.

Foi a Datisa quem vendeu os patrocínios para o evento de 2015. São 11 patrocinadores, oito deles com mercado forte no Chile. Um dos principais parceiros é a aérea LaTam, empresa formada pela fusão da chilena Lan com a brasileira TAM, mas que hoje tem como sede Santiago. A telefônica Claro, com forte presença no Chile, também é uma das patrocinadoras.

A organização da Copa América do Chile anunciou que o presidente da federação chilena, Sergio Jadue, pediu que todos os contratos da competição fossem auditados, para mostrar que não há problemas em nenhum deles.

A CBF nega qualquer pressão para mudança de sede e diz que a realização da Copa-2014 exigiria muitos esforços e que seria interessante ter mais tempo para organizar a Copa América –agora serão mais de quatro anos.

Outro argumento para a troca é que os clubes seriam prejudicados, já que para realizar o torneio no país o Campeonato Brasileiro teria que parar, como aconteceu em 2014, e encurtaria o calendário.

Nenhum representante da Full Play, da TyC ou da Datisa foi encontrado para comentar o assunto. Contatada, a assessoria da Traffic informou que "os fatos mencionados se deram em 2012, quando a Traffic não detinha os direitos de comercialização da Copa América. A empresa, portanto, não tem nenhuma relação com o ocorrido".


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