Folha de S. Paulo


Na F-1, equipe de emergência médica tem até 200 profissionais por corrida

A F-1 é reconhecida amplamente como um dos mais importantes laboratórios para o desenvolvimento de tecnologia, pilotos, pistas e circuitos, e da maior parte dos demais aspectos do automobilismo. Mas seu papel igualmente proeminente na área do tratamento médico aos pilotos é menos conhecido.

Na verdade, pode parecer um paradoxo que a F-1 conte com as maiores e mais avançadas equipes médicas e infraestrutura de apoio, já que a categoria de elite do automobilismo tem os carros e circuitos mais seguros do esporte, como resultado de duas décadas de esforço para prevenir ferimentos e morte de corredores.

Os circuitos têm centros médicos e helicópteros para o transporte de pilotos feridos a hospitais locais. Em algumas provas, há 200 profissionais de saúde presentes em equipes de emergência médica espalhadas pela pista. E as pesquisas sobre tratamento e prevenção de ferimentos são contínuas.

A despeito disso, diversos casos recentes de pilotos que se feriram em acidentes –entre os quais Jules Bianchi, que sofreu sérios ferimentos na cabeça no GP do Japão do ano passado, e Fernando Alonso, que sofreu uma concussão durante testes realizados na Espanha– resultaram em escrutínio por parte do público e mídia quanto a um sistema de atendimento médico que é claramente o melhor entre os esportes a motor.

Ian Roberts, coordenador de resgate médico da FIA (Federação Internacional de Automobilismo), explicou que o aparente paradoxo entre as provas seguras e o apoio médico extenso tem menos a ver com o escrutínio inevitável que a mais popular categoria do automobilismo mundial atrai e mais com os esforços da F-1 para servir à medicina esportiva em geral.

"Parte do propósito de uma série de elite como essa é que os conhecimentos técnicos e especializados se difundam às categorias menores", disse. "E isso se aplica não só ao aspecto mecânico dos carros como a tudo mais".

"Assim, se você cria uma categoria que quer ocupar a posição de elite do esporte, precisa esperar e garantir que os conhecimentos desenvolvidos nas garagens, pelos fiscais de pista e pelos médicos de fato se difundam", afirmou. "Os aspectos de segurança são estabelecidos aqui e aplicados também a outras categorias, do escalão mais alto aos autoclubes".

Também existe uma conexão direta entre a segurança das corridas e a medicina da F-1 e as dos carros de passeio. Desde as últimas mortes registradas na categoria, as de Roland Ratzenberg e Ayrton Senna, no mesmo final de semana em 1994, a segurança se tornou uma das funções primordiais da FIA, tanto nas pistas quanto nas ruas.

O movimento culminou na semana passada com a indicação de Jean Todt, presidente da FIA e ex-diretor de competições da Ferrari, para o posto de enviado especial das Nações Unidas para questões de segurança rodoviária. O papel dele será auxiliar na mobilização de apoio político à segurança rodoviária, promoção e conscientização sobre os instrumentos legais da ONU para a segurança rodoviária, e divulgação de práticas estabelecidas de segurança ao volante.

O histórico médico e de segurança da F-1 é extraordinário, porém. Ainda que Bianchi tenha sofrido um sério ferimento na cabeça em outubro, em Suzuka, no Japão, não há acidentes fatais na categoria desde o Grande Prêmio de San Marino, em 1994. Na maioria das demais categorias do automobilismo mundial, no entanto, mortes são comuns –da mesma forma que o são nas rodovias de todo o planeta, onde estima-se que acidentes resultem em 1,3 milhão de fatalidades a cada ano.

Ainda que não exista organização que registre o número total de vítimas fatais em todas as formas de automobilismo, um estudo do jornal "Charlotte Observer", da Carolina do Norte, constatou que só nos EUA aconteceram pelo menos 520 mortes de pilotos em provas de automobilismo, de 1990 para cá.

Ainda que os maiores e mais recentes desenvolvimentos de segurança –como a posição mais elevada do cockpit para proteger a cabeça do piloto, ou a instalação de áreas de escape nas pistas– tenham surgido nos anos 90 logo depois das mortes de Ratzenberg e Senna, a F-1 continua a examinar e desenvolver medidas de segurança e prevenção médica a fim de garantir a máxima segurança e o melhor tratamento aos pilotos.

Roberts e o Jean-Charles Piette, delegado médico chefe da FIA, comparecem a todas as corridas de F-1. Piette supervisiona as instalações hospitalares, tanto no circuito quanto perto dele, garantindo que atendam a uma série de rigorosas exigências. A cada corrida, os dois médicos continuam a buscar maneiras de melhorar as condições médicas e de segurança.

"Estamos sempre melhorando", diz Roberts. "Descobrimos que há medidas de segurança quanto aos carros e partes do equipamento dos pilotos que não fazem exatamente aquilo que deveriam".

"Realizamos pequenos ajustes o tempo todo. Estudamos os assentos, o equipamento pessoal do piloto. E na verdade promovemos mudanças em certos equipamentos em dois grandes prêmios recentes –detalhes como considerar a maneira pela qual os assentos são fixados em sua posição, para melhorar o posicionamento. Não é uma revolução, mas estamos identificando pequenos problemas com os assentos em uso atualmente".

Entre as mudanças recentes, Piette aponta que desde 2011 foi acrescentada uma faixa de um material sintético para reforçar o topo da viseira do capacete, e prover proteção adicional. Essa mudança aconteceu depois do acidente com Felipe Massa no Grande Prêmio da Hungria em 2009, quando ele foi atingido por uma mola arremessada em alta velocidade por outro carro.

Desde 2007, os cockpits também contam com painéis de material sintético a fim de impedir penetrações. E no ano passado a FIA instalou pequenos dispositivos nos fones de ouvido dos pilotos para recolher dados sobre o choque que eles sofrem em uma colisão.

O sistema de vigilância médica também é avançado e está em constante desenvolvimento. Piette assiste às corridas da torre de controle, e Roberts se posiciona em um veículo de resgate à beira da pista, pronto a intervir em caso de acidente. Ele acompanha a prova por uma tela montada no veículo. Um sistema de rastreamento ao vivo permite que ele acompanhe a posição de cada carro na pista, bem como determine se um deles rodou para fora do percurso. Caso aconteça um impacto com força superior a 15 g, um sinal é transmitido ao sistema.

Roberts também pode acompanhar a transmissão de TV da corrida, em sua tela. E quando acontece um acidente com impacto sério, ele pode ouvir as conversas de rádio entre o piloto e sua equipe.

"Se o piloto estiver conversando alegremente com seus engenheiros, sabemos que está tudo bem", disse Roberts. "Vamos lá examiná-lo mesmo assim, mas pelo menos temos indicações de se o piloto está consciente, se ele está sofrendo algum desconforto ou se enfrenta qualquer outra dificuldade".

O próximo desenvolvimento será enviar detalhes biomédicos dos pilotos –tais como batimentos cardíacos, pulso e temperatura corpórea– a Roberts para que ele os examine.

Piette diz que a FIA continua atenta a desenvolvimentos médicos fora do automobilismo. Um dos maiores entre eles, diz o médico, envolve a comunicação e organização de melhoras na saúde e segurança.

"A segurança agora é tarefa compartilhada de engenheiros, arquitetos, médicos, muitos elementos", diz Piette. "Temos de incitar essas pessoas a trabalhar em cooperação mais estreita para tentar melhorar a segurança".

Depois do acidente de Bianchi, que veio depois de uma nova colisão no chuvoso Grande Prêmio do Japão, quando não havia carro de segurança na pista, Charlie Whiting, o diretor de corridas da F-1, introduziu um "carro de segurança virtual". Isso significa que por meio de um sistema de sinais luminosos, a corrida é suspensa de imediato em certas situações perigosas. Antes, os carros esperavam pela entrada do carro de segurança para só depois reduzirem a velocidade.

Em geral, mudanças são promovidas depois que acontece uma espécie nova de acidente.

"Creio que, como em muitas outras situações, se você não aprender a lição e não melhorar, para que está aqui?", diz Roberts. "Não se aplica apenas ao automobilismo; aplica-se a qualquer esporte e a qualquer coisa na vida. Você recolhe pistas, aprende sua lição e segue em frente".

Em última análise, porém, Roberts diz que sempre que está sentado no veículo médico no meio de uma corrida, espera que não seja preciso fazer seu trabalho –porque isso significará que tudo correu bem na prova.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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