Folha de S. Paulo


Mesmo com vitória contestada, Floyd Mayweather se mantém perfeito

Floyd Mayweather Jr., boxeador de 38 anos com rosto de criança e histórico profissional imaculado como pugilista, derrotou Manny Pacquiao na noite de sábado, numa decisão unânime daquela que foi considerada a luta mais lucrativa da história.

Num enfrentamento longamente antecipado entre os dois pesos-meio-pesados dominantes dos últimos dez anos, Mayweather elevou para 48 seu número de vitórias e ao mesmo tempo silenciou os críticos para os quais ele tinha passado anos fugindo do enfrentamento com Pacquiao, o lutador de 36 anos das Filipinas.

Os três juízes da luta deram a vitória a Mayweather. Para um deles, o escore foi de 118 a 110 pontos; os outros dois consideraram que foi 116 a 112.

O prêmio em dinheiro, a maior parte vinda da receita do pay-per-view de vários milhões de famílias americanas que pagaram cerca de US$90 cada para assistir à luta, foi estimado em US$300 milhões. O contrato previa que Mayweather recebesse 60% do valor, vencendo ou perdendo a luta.

Dentro do MGM Grand Garden Arena, celebridades de Hollywood e atletas famosos de diferentes partes do mundo esportivo se espalhavam no meio da multidão. Os poucos ingressos disponibilizados ao público custaram entre US$1.500, para assentos nas fileiras mais altas, e US$7.500, para os lugares na plateia. Cambistas venderam ingressos por US$40 mil ou mais.

Steve Marcus/Reuters
Floyd Mayweather Jr. momentos antes da luta contra Manny Pacquiao
Floyd Mayweather Jr. momentos antes da luta contra Manny Pacquiao

Não teve importância o fato de os dois boxeadores já terem passado de sua melhor fase. Os esforços para colocar Mayweather e Pacquiao no mesmo ringue fracassaram durante mais de cinco anos, até que a demanda represada e a atração do maior prêmio na história do boxe se mostraram irresistíveis.

Na semana passada Mayweather disse que pretende se aposentar depois de mais uma luta. Uma vitória pode elevar seu recorde para 49 vitórias e nenhuma derrota, igual à de Rocky Marciano. A única pergunta que ficou no ar é se essa luta pode ser um novo enfrentamento com Manny Pacquiao (57-6-2).

Mayweather chegou como favorito por margem considerável. Ele tinha mais a perder que Pacquiao, embora fizesse de conta que não.

"É apenas uma luta para mim", ele disse em abril em sua academia, alguns quilômetros a oeste do MGM Grand e da Las Vegas Strip. "Uma luta não define meu legado. Se fosse esse o caso, eu não teria tido que encarar todas as lutas que já encarei."

A maioria dos observadores do boxe achava que Mayweather e Pacquiao, considerados os melhores lutadores quilo-por-quilo no mundo, jamais dividiriam um ringue. As discussões confusas e contenciosas para organizar uma luta começaram para valer no final de 2009, com avanços e retrocessos, atolando na maior parte do tempo no pântano de desconfiança que é de praxe no boxe.

John Locher/AP
Floyd Mayweather Jr. acerta soco de direita no queixo de Manny Pacquiao
Floyd Mayweather Jr. acerta soco de direita no queixo de Manny Pacquiao

Num primeiro momento, o lado de Pacquiao rejeitou o chamado de Mayweather por exames antidoping aleatórios. Mayweather se aposentou temporariamente. Pacquiao sofreu duas derrotas em 2012, o mesmo ano em que Mayweather passou dois anos na prisão por bater na mãe de três de seus filhos.

As esperanças de ver os dois lutadores se enfrentarem se desvaneceram, mas foram reavivadas por vitórias impressionantes de ambos e pelo número reduzido de adversários de alto nível.

As negociações só foram retomadas em segredo no final do ano passado. Mayweather e Pacquiao não tinham estado cara a cara em nenhum lugar havia 13 anos, mas em janeiro se descobriram sentados em lados contrários de uma partida de basquete do Miami Heat. Mayweather procurou Pacquiao (e mais tarde o visitou em seu quarto de hotel). A aproximação reativou o fascínio público de maneiras não imaginadas em 2009.

"Por que você não diz simplesmente que fui esperto? perguntou Mayweather na terça-feira, rejeitando a acusação de que esperava evitar um enfrentamento com Pacquiao, até que a pressão público o deixou sem opção. "Cinco anos atrás esta luta teria valido US$50 milhões para mim e US$20 milhões para ele."

Bob Arum, o promoter veterano que negociou em nome de Pacquiao, concordou que o tempo e as intrigas apenas fizeram crescer o interesse e o dinheiro envolvidos na luta do sábado.

"Se tivéssemos promovido esta luta cinco anos atrás, dificilmente teria sido uma coisa tão grande quanto é agora", falou Arum no mês passado. "Mas isso é pura sorte. Não é algo pelo qual alguém pode levar o crédito."

A demora pode não ter levado a luta a ser melhor, mas a encareceu. Os assessores de Pacquiao pensavam que a idade de Mayweather aumentavam as chances de ele ser derrotado. Ele era mais alto, mais pesado e tinha alcance maior, mas suas pernas e os movimentos de seus pés, possivelmente os melhores no boxe, tinham perdido um pouco de dinamismo, eles achavam.

"Nenhum dos dois está mais em seu melhor momento", falou o treinador de Pacquiao, Freddie Roach, em sua academia em Hollywood, Califórnia, onde o filipino treina. "Mas por isso mesmo ficou mais emocionante. A habilidade deles já não é a mesma que antes. Cinco anos atrás, Floyd teria fugido de Manny a noite inteira. Mas agora ele não vai mais conseguir."

Steve Marcus/Reuters
Manny Pacquiao acerta bom golpe em Floyd Mayweather
Manny Pacquiao acerta bom golpe em Floyd Mayweather

Filho de uma família de pugilistas campeões de Grand Rapids, Michigan, Mayweather construiu sua carreira com uma defesa incomum e uma capacidade rara de desconstruir adversários renitentes, levando-os ao cansaço com muitos rounds.

Talvez nenhum pugilista tenha sido alvo de mais socos que não acertaram como o pretendido. Por duas décadas, desde que emergiu com uma medalha de bronze nas Olimpíadas de 1996, Mayweather frustrou adversários -e alguns fãs do boxe-com sua movimentação incansável e seus ataques comedidos.

Pacquiao esperava pressioná-lo, ficando no limite pouco claro entre agressão e descuido. Mayweather disse que todos os adversários tentaram isso contra ele.

"Acho que sou mais calculado", disse Mayweather antes da luta. "Acredito realmente que sou mais inteligente que ele como lutador. Ele seria um lutador melhor se não fosse tão impetuoso. Isso é uma benção e uma maldição."

Houve discordância entre as partes que negociaram a luta, mas pouca hostilidade visível entre os dois pugilistas antes de entrarem no ringue.

Pacquiao, que é deputado nas Filipinas e tem ambições de chegar à Presidência do país, sorriu durante suas aparições públicas diárias. Ele não atacou Mayweather verbalmente, optando por dedicar a luta a Deus e ao país. Chegou a entrar no ringue ao som de uma balada sobre as Filipinas que ele próprio gravou.

Mayweather fez o papel do favorito, mais sério que de costume, adotando postura diferente daquela do provocador, o papel que geralmente representa.

Talvez tenha sido simples maturidade. Mayweather admitiu que não sente mais amor pelo esporte, que o boxe virou apenas um trabalho. "Money" é o apelido que ele próprio se deu nos últimos anos, descartando o de "Pretty Boy Floyd".

Adotando também a marca registrada de T.B.E. ("the best ever", ou "o melhor da história") para ele próprio e seus produtos, Mayweather desencadeou uma discussão no mundo do boxe sobre seu legado: é provável que ele fique para a história como um dos grandes lutadores e táticos do esporte, mas ele está longe de ser alguém de quem todos gostam.

Com os dois finalmente no mesmo ringue, e com um clima de excitação global raramente visto no boxe hoje em dia, antes mesmo de ser desferido o primeiro soco já se aventava a possibilidade de uma segunda luta.

"Tenho 83 anos e passei pelo período mais infernal de minha carreira de promoter", disse Bob Arum. "Se vocês quiserem me condenar a isso, pode ser um castigo cruel."

Mas, como sempre parece ser o caso no boxe, o mais provável é que seja o dinheiro que determine o que os dois lutadores farão agora.

O contrato de Mayweather com a Showtime prevê que ele faça mais uma luta, programada provisoriamente para setembro, com adversário ainda não declarado.

Na semana passada ele disse que pretende honrar o contrato e então se aposentar, como sugeriu seu pai e treinador, Floyd Mayweather sênior.

"Acho que ele devia se aposentar", disse Mayweather pai na quinta-feira. "Se ele continuar lutando, mais dia, menos dia alguém o derruba."

Tradução de Clara Allain


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