Folha de S. Paulo


Brasileira supera desconfiança e é 1ª mulher a vencer dupla maratona

Batata. Uma batata, outra batata, mais uma batata e ainda outro pedaço de batata. O tubérculo, singelamente cozido na água e temperado a gosto com pitadas de sal, foi a salvação da lavoura para a jovem Luiza Tobar, que enfrentava complicadíssima indisposição estomacal enquanto disputava a maior competição de sua vida.

Deu certo. Luiza acabou em terceiro lugar no UB 515 Brasil Ultra Thriatlon, um triatlo ultra-anabolizado: o percurso tem 515 quilômetros, divididos em 10 km de natação, 421 km de ciclismo e 84,4 km de corrida (duas maratonas seguidas).

Aos 27 anos, se tornou a primeira mulher na história do ultraman a vencer a etapa de corrida. Não ganhou um tostão furado pela conquista, mas saiu com uma satisfação impagável: "Mostrei para os marmanjos que uma menina sabe correr", disse ela em entrevista à Folha por e-mail desde Campinas, onde mora.

Após dois dias de árdua competição -um de natação e pedal e um dia só de ciclismo-, ela fechou a dupla maratona em 7h45min47.

O segundo colocado só foi chegar mais de meia hora depois, o que só aumentou a satisfação da garota, que viu na vitória uma resposta ao machismo e ao preconceito.

"Ao longo dos três dias, em todas as chegadas, percebi de alguns homens certo desrespeito. Eles me julgaram errado. Decerto pensavam que a prova ia me colocar no meu devido lugar. Isso acontece o tempo todo, em todo o lugar. Mas os homens brasileiros são muito machistas e não admitem perder para uma mulher ou sequer chegar perto de uma. Isso é um cenário muito comum pra mim. E foi incrível a lição de humildade que foi dada a eles", disse.

Apesar de nova para competições tão longas, Luiza corre há muitos anos. Desde pequenas, ela e a irmã gêmea, Cintia, foram incentivadas pelos pais a praticar esportes.

"Aos 12 anos, fui para a corrida. Corria com meu pai duas vezes na semana, no parque Taquaral, em Campinas, e aos domingos saíamos da minha casa e íamos até um clube de campo em Souzas. O percurso é de 12 km, com muitas subidas, e até hoje é meu trajeto favorito em Campinas."

As gêmeas nunca mais abandonaram o esporte. Cintia, que mora na Tailândia, onde atua em uma empresa que organiza triatlos, guarda no currículo o recorde feminino na ultramaratona Bertioga-Maresias, prova de 75 km no litoral paulista.

Luiza enveredou por competições que exigem altíssima resistência. Das ultramaratonas, partiu para o triatlo de longa distância. "Fiz meu primeiro Ironman em Floripa, em 2008, e já conquistei a vaga para o Mundial, no Havaí. Logo de cara."

Não parou mais de fazer Ironman, competição que combina 3.800 m de natação, 180 km de ciclismo e uma maratona (42,2 km). Já tem 12 completados, sendo quatro no Mundial -em 2010, foi a quinta colocada em Kona, na sua faixa etária.

Mas Ultraman nunca tinha tentado. Convidada para a prova realizada em abril, no Rio, decidiu aceitar o desafio, apesar das dificuldades que enfrenta para treinar.

"Não tenho patrocínio, apenas apoiadores [treinadores, academia, suplemento alimentar, nutricionista, loja de bike]. Trabalho em uma academia, cuido de casa, estudo e não consigo ter o treinamento apropriado de um profissional. Fora isso, não tenho nenhum retorno financeiro; apenas gastos."

Mas nem de longe pensa em desistir: agora se prepara para mais uma participação no Mundial de Ironman, no Havaí. "O melhor momento do meu dia é o treino", conta Luiza, que alinha assim os seus planos para o futuro:

"Me vejo com 80 anos fazendo Ironman; espero que consiga casar, formar uma família e poder compartilhar com as pessoas aquilo que mais amo: o esporte."


Endereço da página:

Links no texto: