Folha de S. Paulo


Crítica: Biografia de Joaquim Cruz expõe bastidores do atletismo

De jeito que pode, o menino abre o peito do passarinho mínimo, um pequenino beija-flor. Tira o pequeno coração e o engole ainda quente, de uma talagada só.

Só assim evitaria a maldição da divindade dos beija-flores, que castigava cruelmente quem matasse um de seus súditos, mesmo que por acidente ou engano, como acontecera com o garoto.

O moleque em questão, que corria pelos campos de Brasília matando passarinhos e comia fritada de tanajura com farinha, se tornaria uma das maiores figuras do atletismo nacional. A história está contada em "Matador de Dragões", recém-lançada biografia de Joaquim Cruz, único brasileiro a conquistar o ouro olímpico em provas de pista, quinto maior corredor de 800 metros da história.

Colorido por curiosidades como essa, garimpada pelo jornalista Rafael de Marco em séries de entrevistas com Cruz, o livro é bem mais do que história "cinderélica", em que um menino pobre encontra a fama e a fortuna graças à sua dedicação, força de vontade e trabalho árduo.

Além da emocionante narrativa da conquista do título dos 800 m em Los Angeles-1984, mostra os bastidores menos edulcorados do atletismo, como desavenças com a cartolagem, empáfia de dirigentes esportivos e malandragem de organizadores de eventos esportivos.

Gilbert Iundt - 6.ago.1984/TempSport/Corbis
O brasileiro Joaquim Cruz comemora o ouro nos 800 m em Los Angeles-1984
O brasileiro Joaquim Cruz comemora o ouro nos 800 m em Los Angeles-1984

Também revela um Joaquim Cruz consciente dos problemas do esporte brasileiro, avesso a badalações e a brindes. Recusou uma casa oferecida pela Fundação Roberto Marinho: "É para eles darem para quem precisa. Está cheio de gente aí no Brasil que não tem onde morar. Não quero homenagens. Prefiro que construam pistas".

Ao mesmo tempo escancara os sofrimentos da vida de atleta. A insegurança, o medo de falhar, o fantasma da derrota, que Cruz via como dragões ameaçadores. Houve ocasião em que os inimigos venceram: na Olimpíada de Seul, acometido por depressão e envergonhado pela repercussão de declarações dadas à imprensa, "literalmente fugiu da raia", como diz o livro, não comparecendo para disputar os 1.500 m.

Apesar de detalhado e cativante, "Matador de Dragões" ganharia se a voz do biografado aparecesse mais na narrativa, quase toda conduzida em terceira pessoa. Uma edição mais rigorosa poderia atenuar o tom às vezes por demais elogioso e evitar clichês –como o amiudado uso da expressão "ganhar com direito a recorde".

Independentemente disso, a biografia de Joaquim Cruz é uma obra que traz luz sobre a preparação de atletas de elite e ajuda a compreender os bastidores desse esporte.

MATADOR DE DRAGÕES

Autor Rafael de Marco

Preço R$ 50

Avaliação Bom


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