Folha de S. Paulo


Candidato à Fifa quer inchar Copa e apito eletrônico em lugares pobres

Andrés Cristaldo - 4.mar.2015/Efe
Michael van Prrag, 67, candidato à presidência da Fifa
Michael van Prrag, 67, candidato à presidência da Fifa

A Copa do Mundo para Michael van Praag, 67, teria a participação de 40 seleções e uso abundante de tecnologia para auxiliar a arbitragem.

Ex-presidente do Ajax e mandatário da federação holandesa, ele é um dos três candidatos de oposição a Joseph Blatter na eleição para a presidência da Fifa, marcada para o dia 29 de maio.

Em entrevista por telefone à Folha, van Praag criticou o suíço por denegrir a imagem da Fifa, prometeu financiar os aparelhos de arbitragem eletrônica para os países mais pobres e prometeu que, caso seja eleito, não tentará a reeleição.

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Folha - Por que o senhor quer ser o próximo presidente da Fifa?
Michael van Praag - Se você olhar para a Fifa hoje, perceberá que sua imagem está muito arranhada. São tantas suspeitas e investigações de corrupção que hoje ela sofre com falta de credibilidade. Os casos da Rússia e do Qatar, além de outras histórias, tiveram um efeito muito pesado na percepção que as pessoas têm da Fifa. Na minha opinião, e pelas manifestações sociais que percebemos no mundo do futebol, é hora de mudar esse cenário. E essa transformação só terá sucesso se for feita por quem vive o futebol, conhece como ele funciona. Ela não pode ser feita pelas lideranças tradicionais que colocaram a Fifa nesta situação. Acredito que nos próximo anos, alguma liderança nova surgirá dessas manifestações contrárias à gestão atual do futebol e terá condições de assumir o comando do futebol. Para presidir a Fifa é preciso pertencer à Fifa. Eu tenho experiência para fazer esse processo de transição. A minha ideia é fazer isso por apenas quatro anos, cumprir só um mandato. Não quero ser movido por essa ideia de reeleição. Ser reeleito significaria dar passos para trás neste processo. O que a Fifa precisa neste momento é de um governo de transição para ter um novo presidente em 2019.

Qual sua avaliação da gestão Blatter na Fifa?
Gosto muito do Blatter como pessoa. Ele é muito simpático e um verdadeiro gentleman. Esse não é o problema. Não tenho nada contra ele pessoalmente falado. Não só eu, mas também os outros candidatos, o príncipe Ali e o Figo, têm a mesma opinião. Ele é o presidente. Então, é ele que tem a responsabilidade final sobre a Fifa. Toda essa perda de credibilidade e essas situações constrangedoras têm de ser depositadas em sua conta. Não é nada contra ele, mas está provado que ele não é o homem certo para liderar a Fifa.

Como o senhor pretende melhorar a imagem da Fifa?
Essa é uma tarefa muito fácil, bastante simples. A Fifa é uma organização formada por confederações e associações nacionais para trabalhar com o futebol em todas as áreas, dentro de campo, mas também na educação. Temos que mostrar liderança e dignidade. Acredito que precisamos estar mais próximos das nossas afiliadas, cultivar boas relações com todo mundo. Queremos abrir as informações que hoje são confidenciais da Fifa para todas as federações e confederações. Fazendo isso, todos verão para onde nosso dinheiro vai, o que fazemos, as decisões que tomamos, com o que trabalhamos, acreditarão no nosso projeto. Tudo isso é necessário para resgatar a imagem da Fifa. A Fifa pode se tornar uma marca global confiável. Esse é meu plano.

Caso seja eleito, o senhor planeja reabrir as investigações sobre a escolha do Qatar para receber a Copa-2022? Ainda há chance de o Mundial mudar de sede?
Gostemos ou não, Qatar foi escolhido de uma maneira democrática pelo comitê executivo da Fifa. Então, é impossível mudar essa situação: o Qatar será sede da Copa do Mundo de 2022. Além disso, ele já começou sua preparação, está com as obras em andamento. Não acho possível fazer qualquer alteração nesse plano. Penso que qualquer mudança de sede seria uma ação contra a democracia. Mas, queremos saber exatamente o que aconteceu. Eu, como presidente da Real Federação Holandesa de Futebol e parte interessada no processo [seu país estava entre os candidatos para receber o Mundial], gostaríamos de saber como essa escolha do Qatar como sede foi tomada e se realmente houve irregularidades para punir as pessoas envolvidas. Nós, e toda a comunidade do futebol, estamos esperando que sejam tomadas as ações baseadas em tudo aquilo que o relatório do Michael García apontou. É natural querer preservar a privacidade das pessoas envolvidas, mas é fácil também se esconder atrás dessa privacidade e não fazer nada.

O senhor concorda com a provável decisão de fazer a Copa do Mundo de 2022 nos meses de novembro e dezembro?
Não é uma questão de concordar ou discordar, acho que não temos outra opção. A gente sabe que o Qatar tem capacidade para fazer com que os estádios tenham uma temperatura mais amena [com instalação de sistemas de ar-condicionado], mas temos que pensar nos torcedores. Eles irão andar pelas cidades, passear pelo país e, se não a Copa não fosse nessa época do ano, não seria nada saudável para eles. Pelo que sei havia também conselhos médicos para não se jogar no meio do ano. Já jogar em dezembro não é impossível. São meses mais frios. A gente sabe que é preocupante, que compromete outras competições. Mas teremos que improvisar. A gente não gosta dessa ideia, mas não há escolha.

Quais são as suas principais propostas para a presidência da Fifa?
Vamos começar falando de futebol. Quero uma Copa do Mundo com 40 países. Cada confederação ganharia uma vaga extra na competição. Além disso, o campeão voltaria a ter classificação garantida no Mundial para poder defender seu título. É justo, trata-se de beneficiar quem teve mérito esportivo. Também pretendemos aumentar aumentar a premiação que é paga aos participantes e diminuir os custos do Mundial. Também queremos uma participação maior das federações no dia a dia da Fifa. Queremos discutir com elas as nossas decisões. Não dá para deixar tanto poder nas mãos de uma só pessoa, como é hoje. Pretendemos implanttar embaixadas da Fifa em cada confederação para facilitar esse tráfego de ideias. Outra ideia é espalhar pelos continentes academias de formação de atletas, técnicos e árbitros para que todas eles recebam uma melhor educação. Nossa, quase esqueci de uma dos pontos mais importantes que é a transparência. Queremos parar de gastar dinheiro com o que não tem nada a ver com futebol. No ano passado, gastamos 20 milhões de dólares patrocinando um filme sobre a história da Fifa. Isso é uma loucura. Temos que cortar custos para poder investir mais no futebol. Queremos aumentar o investimento nos projetos de desenvolvimento do futebol nas nações menos ricas. E isso só será possível cortando cursos.

Aumentar o número de participantes da Copa parece uma forma de conquistar mais votos africanos e asiáticos, principalmente. João Havelange, o mentor de Blatter, fez muito isso no passado...
Mas meu motivo não é eleitoreiro. Sou um homem do futebol e vou falar a minha opinião pessoal: a Copa do Mundo é a maior competição esportiva do planeta e ficaria mais atrativa se tivesse a possibilidade de ter mais times do mundo todo. A intenção dessa medida não é conseguir alguns votos a mais. É que acredito que 40 seleções, ou cerca de 20% do total nas nossas nações afiliadas, é um número razoável.

O que o senhor pensar a respeito de auxílio eletrônico para a arbitragem? Blatter deseja utilizar na Copa-2018 replay para alguns lances polêmicos.
Sou bastante favorável a essa ideia. Nos países mais ricos e nos estádios mais modernos do mundo, já é possível que os torcedores tirem suas dúvidas vendo vídeos das partidas em seus telefones celulares ou tablets. Ou seja, ainda dentro do estádio, eles já sabem se o árbitro acertou ou errou em algum lance. Isso vai acontecer no mundo todo porque a tecnologia é nosso futuro. É injusto que o torcedor possa saber se o árbitro está certo ou errado e julgá-lo baseado em vídeos e ele próprio não possa usufruir desse recurso. Nós, na federação holandesa, queríamos já estar testando esse sistema de vídeo. Alguém de fora do estádio poderia ver, por exemplo, se houve ou não um pênalti e avisar via rádio o árbitro. Se a tecnologia existe e for devidamente testada pode ser aproveitada. Eu sou a favor dessas tecnologias, mas sei que em alguns países ela ainda não é possível devido a questões financeiras.

Mas o senhor planeja usar o dinheiro da Fifa para financiar essas tecnologias nos países mais pobres?
Minha intenção é que a Fifa financie e ajude todos os países que precisarem de um auxílio para se desenvolverem. Isso pode significar ajuda para pagar um técnico ou gasto com estrutura. Penso que isso [ajudar a implantar as tecnologias é uma responsabilidade da Fifa.

O senhor acredita que derrotar Blatter na eleição da presidência da Fifa é uma possibilidade real?
Olha, essa é uma pergunta difícil (risos). Sei que muitos dos meus colegas presidentes de federações gostam muito do Sr. Blatter e posso entender isso. Mas, por outro lado, todo membro do colégio eleitoral da Fifa tem a responsabilidade pela imagem ruim da Fifa e o efeito negativo que isso está tendo sobre o futebol. Então, acredito que as pessoas querem mudar e acreditam que será melhor para a Fifa mudar, ir para uma nova direção. Espero convencer as pessoas de que é a hora de um período de transição para reorganizar a Fifa para, em 2019, eu passar o chapéu para um presidente da nova geração. Acredito nisso e estou certo de que muitas pessoas pensam assim também.

O senhor, o príncipe Ali e Figo foram indicados por países semelhantes, basicamente pelos europeus. É possível que vocês fundam suas candidaturas para lançar só um grande candidato de oposição?
Ainda não tivemos votos, só fomos nomeados por esses países. Eles não precisam necessariamente votar em quem indicaram a ser candidato. É bom termos mais candidatos porque isso aumenta o debate, discutindo os problemas do futebol. É cedo para falarmos em uma fusão de candidaturas, já que a corrida eleitoral acabou de começar. Para fazer uma aliança é preciso primeiro conhecer muito bem seu parceiro. Vamos ver mais para frente se essa sua pergunta pode ser respondida com um sim.

O que o senhor pretende fazer para combater a manipulação de resultados, uma das maiores preocupações da Fifa atualmente?
É uma questão com a qual já tenho bastante experiência. Como membro do comitê executivo da Uefa, já precisei lidar muito com manipulação de resultados. O importante é que os governos e a polícia trabalhem juntos porque nós não podemos prender ninguém e nem grampear telefones para fazer uma investigação. É claro que todos no futebol precisam estar alertas, mas não podemos fazer muita coisa sozinhos. Eles [governo e polícia] que têm inteligência e precisam tratar desse tema como prioridade. Ninguém gosta de ser feito de bobo. E é isso que acontece com o torcedor de um jogo que foi manipulado.

Como o senhor pensa em combater a discriminação racial no futebol? Blatter é a favor de punições esportivas aos clubes.
Não só discriminação racial, mas também discriminação de gênero, são assuntos ainda mais importante que a manipulação de resultados. Futebol é para todos. Para onde você olhar, onde você viver e onde vocês estiver terá alguém jogando futebol. Somos totalmente contra qualquer forma de preconceito. Sim, clubes devem sofrer punições esportivas, como perda de pontos e rebaixamento. Mas temos que começar com educação, com a informação. Temos que começar a ter um comportamento proativo nessa área. É como com as crianças, você precisa ensinar que isso está errado. É importante que todas as federações instruam seus jogadores e treinadores jovens que racismo no futebol não é aceito.


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