Folha de S. Paulo


Enciclopédia mapeia 1.797 atletas brasileiros que foram a Olimpíadas

"Acabou! É campeão!!!" O anúncio poderia ter sido assim, cheio de exclamações e com gritos roucos de narrador de final de Copa do Mundo. A conquista, porém, era de acadêmicos e estudiosos do esporte, reunidos em uma salinha austera na Universidade de São Paulo. E o registro foi feito no silêncio dos computadores, por meio de aviso publicado no início deste mês em uma rede social.

"Revisão da Enciclopédia Olímpica Brasileira chegando ao fim. Trabalho de 15 anos que já já segue para a gráfica. Hora de abrir a agenda e o coração para novos projetos. Assim é a vida: tudo passa", escreveu a professora Katia Rubio, 52, mestre pela Escola de Educação Física e Esporte, doutora pela Escola de Educação, com pós-doutorado em psicologia social na Universidade Autônoma de Barcelona.

A enciclopédia a que ela se referia é o mais amplo levantamento já feito da história da participação do Brasil em Jogos Olímpicos –o lançamento deve ocorrer em maio. Traz perfis, informações e, em muitos casos, depoimentos de todos os atletas que representaram o país nos Jogos, de 1920 até 2012.

Mais até, segundo conta Rubio: "Consideramos também um atleta que foi aos Jogos de 1900, que não é reconhecido pelo COB (Comitê Olímpico Brasileiro) como sendo brasileiro, mas que, no momento histórico em que ele foi não havia ainda comitês olímpicos nacionais. Era filho de um francês com uma brasileira e tinha cidadania brasileira". Trata-se de Adolphe Christiano Klingelhoeffer, que se inscreveu em três provas de atletismo nos Jogos de Paris: 60 metros rasos, 200 metros rasos e 110 metros com barreiras.

Há ainda o caso de um brasileiro que, em 1924, participou do que era chamado na época de Olimpíada Cultural –concursos de poesia, obra literária, projeto arquitetônico realizados em paralelo aos Jogos. "Encontramos muito pouca coisa sobre ele, há a obra dele, mas não se sabe exatamente quem é J.A. Alvar, que deve ter usado um pseudônimo, muito provavelmente", diz a pesquisadora.

No total, a "Enciclopédia Olímpica Brasileira" registra 1.797 atletas olímpicos. Os 20 acadêmicos participantes do projeto liderado por Rubio falaram com mais de 1.300 deles –cerca de 340 já morreram e alguns preferiram não dar entrevista para o projeto.

"Demorei oito anos para conseguir entrevistar o Rodrigo Pessoa [cavaleiro, ouro em Atenas-2004]. Ele era blindado por assessores... Só consegui com a ajuda de um professor belga, que conheci na Alemanha. Quando ele me recebeu, na Holanda, foi de uma disposição..."

Apu Gomes/Folhapress
Katia Rubio, que liderou grupo de 20 acadêmicos no projeto
Katia Rubio, que liderou grupo de 20 acadêmicos no projeto

Para falar dos atletas que não foram entrevistados, o grupo trabalhou com documentos, jornais, biografias e entrevistas com familiares, técnicos e companheiros de época. Rubio festeja "aqueles que nos abriram suas histórias, suas memórias, seus corações, suas preciosidades, suas surpresas todas para a gente fazer um trabalho inédito que é contar a história do esporte olímpico brasileiro pela ótica do atleta".

"São muitas histórias inspiradoras", diz ela, destacando que grande parte dos competidores foi esquecida. "O foco é sobre os atletas que ganham medalha. Só que, dos 1.797 atletas, temos 342 medalhistas. O que foi feito com os outros? Essas são muito inspiradoras. Temos um grande número de atletas que ficaram em quarto, quinto, sexto lugares, que chegaram a finais olímpicas, e as histórias deles são tão importantes e fundamentais para o esporte como a dos que ganharam ouro, prata ou bronze", afirma Rubio, que já escreveu 20 livros sobre psicologia do esporte e estudos olímpicos.

Que tanta importância é essa, de gente que não ganhou nada?, pergunta o repórter.

"Quando uma criança vê um atleta superando inúmeros obstáculos e fazendo um esforço sobre-humano para alcançar um resultado, aquilo é fonte de inspiração. Não apenas para correr, saltar, arremessar, lutar, mas do ponto de vista de sua identidade humana. Preservar o que essas pessoas fizeram é tão fundamental para o esporte quanto ter boas estratégias de treinamento", diz Rubio.

Em fase final de produção, a obra tem cerca de 600 páginas. Além dos 1.797 verbetes dedicados aos atletas, há uma introdução histórica sobre os Jogos da era moderna e uma síntese de cada edição.

A primeira edição de 3.000 exemplares, produzida com financiamento da Lei Rouanet, não será vendida. Cada atleta (ou seu herdeiro) receberá um volume, e os demais livros serão distribuídos em bibliotecas públicas e escolas. Haverá também edições menores em espanhol e inglês.

Confira a entrevista completa com Katia Rubio aqui.

Veja trechos dos verbetes retirados da 'Enciclopédia Olímpica Brasileira'

ADOLPHE CHRISTIANO KLINGELHOEFFER

Pode ser considerado o primeiro atleta brasileiro a participar de uma edição olímpica em 1900. Isso porque ele nasceu em 5 de maio de 1880, em Paris, filho do vice-cônsul brasileiro na França. Embora seja citado como francês nos documentos olímpicos, o historiador Alain Bouille revelou sua nacionalidade brasileira, mantida até os anos 1940. (...) Inscreveu-se em três provas nos Jogos Olímpicos de Paris em 1900: 60 metros rasos, 200 metros rasos e 110 metros com barreiras.

ADALBERTO CARDOSO

(...) Em 1932, foi aos Jogos Olímpicos de Los Angeles nas provas de 5.000 e 10.000 metros. Diante da falta de recursos para pagar a viagem, os atletas receberam sacas de café para vender ao longo do trajeto. O montante arrecadado não foi suficiente, o que obrigou muitos a permanecerem no navio. Adalberto estava entre os que seguiram viagem. (...) Fugiu da embarcação. (...) Entre corridas e caronas, conseguiu chegar ao local da prova 10 minutos antes de seu início e correu descalço. (...) Foi aplaudido de pé.

ARMANDO ALBANO

Nasceu em 19 de julho de 1909. Disputou três campeonatos sul-americanos pela seleção brasileira de basquetebol. (...) Participou dos Jogos Olímpicos de Berlim em 1936. (...) Era jogador do Botafogo Football Club. Durante uma partida válida pelo campeonato carioca, disputada contra o Club de Regatas Botafogo, no dia 11 de junho de 1942, Armando entrou em quadra atrasado para o jogo. No intervalo, ao abaixar-se para pegar uma bola, teve um infarto fulminante. A morte do atleta foi pretexto para que os presidentes dos dois Botafogos se unissem, a fim de realizar a fusão dos clubes. Após seis meses do falecimento, era oficializada a criação do Botafogo de Futebol e Regatas.

JOAQUIM CRUZ

(...) É o sexto filho de uma família que migrou do Piauí para Brasília. (...) Em 1981, recebeu convite para estudar e treinar nos Estados Unidos. 1983 ficou marcado (...) pela medalha de bronze nos 800 metros no Campeonato Mundial de Helsinque. Em 1984, foi aos Jogos Olímpicos de Los Angeles e conquistou a primeira medalha de ouro em pistas do atletismo brasileiro nos 800 metros. Nos Jogos Olímpicos de Seul ficou com a prata. (...) Foi aos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996, para se despedir e portar a bandeira no desfile de abertura.


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