Folha de S. Paulo


Após 11 mortes em 10 anos, ninguém foi condenado em SP

Miguel Schincariol/Folhapress
Confronto entre policiais e torcedores do Palmeiras
Confronto entre policiais e torcedores do Palmeiras

Na semana passada, a 5ª Vara do Tribunal de Justiça de São Paulo negou os pedidos de habeas corpus para Raimundo Cesar Faustino, Gentil Chaves Siani e Leonardo Gomes dos Santos.

Acusados de participação no assassinato do palmeirense Gilberto Torres Pereira em agosto de 2014, o trio de corintianos pertence a um raro grupo: o de torcedores presos em confrontos entre torcidas.

Cumprindo prisão preventiva, eles são os únicos encarcerados no Estado por causa da violência no futebol.

Levantamento feito pela Folha aponta que brigas e confusões com envolvimento de organizadas paulistas mataram ao menos 11 pessoas nos últimos dez anos. Não houve no período nenhuma uma condenação judicial.

"Medir o número de conflitos é impossível. São centenas de casos", diz o sociólogo e escritor Maurício Murad.

Faustino, vereador em Francisco Morato, foi suspenso pelo PT, partido pelo qual se candidatou a deputado estadual no ano passado.

Segundo especialistas ouvidos pela Folha, o procedimento mais comum adotado pela polícia, ao flagrar o torcedor em uma briga, é fazê-lo assinar um documento na delegacia e liberá-lo em seguida –exceto quando já é procurado pela Justiça.

"Não precisa criar uma lei nova, basta aplicar as que já existem", afirma Marco Aurelio Klein, autor de relatório sobre possíveis soluções para o problema e secretário da ABCD (Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem).

Nesta quarta (18), as organizadas voltam a ser motivo de preocupação. Pela Libertadores, Corinthians e São Paulo jogam às 22h, no Itaquerão, que deve receber em torno de 42 mil pagantes.

No último dia 8, policiais militares e torcedores do Palmeiras entraram em conflito antes do clássico com o Corinthians. Seis foram detidos, mas acabaram soltos.

Brigas entre corintianos e palmeirenses em março de 2012, na zona norte da capital, reuniu cerca de mil pessoas. Duas morreram e duas foram presas. Há torcedores indiciados, mas estão livres.

"A repressão é só na hora da confusão, depois se esquece tudo", completa Murad.

Ironicamente, uma das punições mais severas sofridas por organizadas paulistas foi aplicada na Bolívia.

Pela morte de Kevin Espada, 14, durante partida entre Corinthians e San José, em Oruro, pela Libertadores de 2013, 12 torcedores foram presos. Sete ficaram detidos por três meses. O restante só saiu após quase cinco meses.

O último caso grave de violência que resultou em condenação ocorreu em 1998. O palmeirense Adalberto Benedito dos Santos foi sentenciado a 12 anos por matar o são-paulino Márcio Gasparin em jogo sub-20 em 1995. Ele cumpriu pouco mais da metade da pena e foi solto. "Isso mostra que no passado já houve mais rigor", lembra Klein.

A reportagem tentou falar com dirigentes de organizadas de Corinthians e São Paulo, sem sucesso. "Torcedores rivais não podem se ver, a verdade é essa. A escolta da PM será sempre necessária", diz Paulo Serdan, conselheiro do Palmeiras, integrante e ex-presidente da Mancha Verde.

SEM SOLUÇÕES

Felipe Tavares Lopes, pesquisador da Unicamp, defende que a repressão seja um fator, mas não o único para parar com a violência. "Quando o Estado não responsabiliza o sujeito, ele se sente livre para fazer o que quiser."

Ele defende que o governo assuma sua parte na solução do problema. "Alemanha, Bélgica e Colômbia são países que apostam no diálogo para mediação de conflitos. A tendência é que a polícia apareça cada vez menos nos estádios. No Brasil, acontece o oposto", completa.

Colaborou Diego Iwata Lima, de São Paulo


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