Folha de S. Paulo


Roque Júnior estreia como técnico ciente de que pode romper racismo

Divulgação/XV de Piracicaba
Roque Júnior (centro) durante treino do XV de Piracicaba antes da estreia no Paulista
Roque Júnior (centro) durante treino do XV de Piracicaba antes da estreia no Paulista

Ao pisar no gramado do estádio de Piracicaba, na noite deste sábado (31), Roque Júnior, 38, vai dar um novo passo no futebol. Jogador entre 1993 e 2010, dirigente de 2010 a 2014 e observador técnico de Felipão na última Copa do Mundo, ele vai estrear hoje como treinador do XV de Piracicaba.

Roque Júnior já sentiu o gosto da nova profissão em quatro amistosos durante a pré-temporada –venceu três e empatou um–, mas confessa que a sensação para o duelo contra o Mogi Mirim hoje, no estádio Barão de Serra Negra, é diferente.

"Estou um pouco ansioso para começar logo, mas me sentindo bem feliz e contente com o que venho fazendo na profissão", diz o treinador à Folha.

À reportagem, Roque Júnior disse que vem se preparando para ser técnico desde que se aposentou dos gramados como jogador, em 2010.

Com passagens vitoriosas por Palmeiras, Milan e Leverkusen, investiu em cursos de gestão esportiva e de especialização para se capacitar como técnico.

Antes de virar "professor", foi dirigente. Projetou o Primeira Camisa, em São José dos Campos, em 2006, que trabalhava jogadores de base. Entre o final de 2013 e maio de 2014, foi diretor de futebol do Paraná. Já durante a Copa do Mundo trabalhou como observador técnico da seleção brasileira.

Assinou com o XV de Piracicaba no final de setembro. Com tanta experiência, defende que os treinadores busquem formação para trabalhar.

"Precisamos de conhecimento em todas as áreas. Todas as pessoas envolvidas com futebol tem entender o esporte de uma outra maneira. Isso passa por cursos melhores, conhecimento e informação. Os cursos podem dar diretrizes. Na Europa, já há essa visão", diz.

APRENDIZADO

Durante o período em que se preparou para virar treinador, Roque Júnior fez estágio em clubes como Borussia Dortmund, Porto e Athletic Bilbao.

Entre os treinadores que conviveu, estão Luiz Felipe Scolari –que inclusive foi seu técnico em 2002, quando a seleção venceu a Copa do Mundo–, o alemão Jürgen Klopp e o argentino Marcelo Bielsa.

Fez o terceiro nível do curso da Uefa (entidade que controla o futebol na Europa), na Itália, onde teve um período de experiência na Roma e na Lazio.

Descartou, no entanto, seguir o estilo de qualquer um dos tutores.

"As experiências que tive vão ajudar as minhas decisões. Todos com quem convivi mostraram coisas boas, erros e acertos. Tentei ver o que faz sentido para mim. Não tem um nome [para seguir]. Tem a soma de experiências diferentes", explica Roque Júnior.

No XV de Piracicaba, o treinador tem objetivos modestos. A meta que recebeu da diretoria é evitar a queda no Campeonato Paulista, algo que o clube se acostumou nos últimos anos.

Ainda assim, Roque Júnior diz que deseja utilizar a experiência para colocar em práticas ideias modernas de futebol, as mesmas que são utilizadas pelas potências da Europa.

"Eu penso em jogadores que participam de todos os momentos do jogo. Transição ofensiva, ao deixar a defesa para o ataque, e transição defensiva, ao sair do ataque e voltar para a defesa. Tem de ter todos os jogadores participando desse momento."

"Na Copa do Mundo, vimos seleções com estilos variados. É preciso ter uma ideia coletiva do que é o time, que todos participam do jogo o tempo todo. A ideia de ter a bola é a base do futebol."

O técnico não fala sobre quais clubes quer treinar no futuro nem mesmo a seleção. Diz apenas que quer manter o currículo vitorioso.

"Hoje, minha ideia é fazer um trabalho bom no XV de Piracicaba. Conseguir colocar em campos as ideias que tenho como técnico, fazer os jogadores assimilar. A ambição pessoal é vencer, como foi como jogador. Eu iniciei a carreira querendo ir para um time grande, ganhar títulos. Não é diferente agora. O que eu quero é ganhar. Essa sempre foi minha motivação."

RACISMO

Tema recorrente nas entrevistas que dá, Roque Júnior admite que se fizer sucesso sua imagem pode auxiliar a derrubar o preconceito que há no futebol.

"Se eu conseguir sucesso, tenho consciência que vão associar a minha imagem a isso. Faz parte, está dentro desse contexto. Ter a carreira que tenho, falar o que eu falo, pode ajudar ou fazer as pessoas enxergarem de outra maneira. Só que não me sinto uma bandeira para nada."

"Futebol é reflexo da sociedade. Quantos reitores negros temos no Brasil? Eu sei apenas de um. Quantos negros temos em posição de destaque no governo? Se melhorarmos nossa sociedade, vamos melhorar o futebol. Quem sabe possa ser o contrário nesse caso. Se tivermos mais negros no futebol, podemos mostrar algo diferente. Esse problema vem da nossa história, que passa desde a escravidão até as poucas oportunidades que os negros têm na sociedade", finaliza.


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