Folha de S. Paulo


Saída de Neymar, salários e dívida com cartola explicam crise no Santos

Ao se sentar pela primeira vez na cadeira de presidente, Modesto Roma Júnior se lembrou do pai, dirigente histórico do clube nos anos 60 e mandatário entre 1975 e 1978.

"Ele sempre dizia que as pessoas passam e o Santos fica. Não penso nas pessoas. Penso no Santos. Não me desespero", resumiu à Folha.

Com dívidas de cerca de R$ 400 milhões, o Santos vive uma das mais profundas crises de sua história.

As razões que levaram o clube a essa situação são diversas. Estão no pacote a incapacidade de obter novas fontes de renda após a saída de Neymar; dívidas com o ex-presidente Marcelo Teixeira; e salários altos de atletas.

E ainda, para a tristeza do torcedor, apostas mal-sucedidas no futebol.

As consequências vieram à tona nas últimas semanas. Segundo o presidente, nenhuma conta do clube foi paga nos últimos quatro meses –ele teve de renegociar até dívidas pendentes de água e luz. Atletas como o volante Arouca e o lateral Mena entraram na Justiça para reclamar de salários atrasados.

Até o gramado sente a crise. A manutenção deixou de ser feita em outubro.

A nova diretoria atribui as dificuldades financeiras às gestões de Luis Alvaro de Oliveira (2010-2013) e Odílio Rodrigues Filho (2013-2014).

"O presidente Modesto Roma sempre dizia na campanha que a situação financeira era péssima, chegando a afirmar que 'o clube está quebrado'. Esperava-se que tivesse um plano de contingência", disse à Folha Pedro Luiz Nunes Conceição.

Ele foi diretor de futebol na administração de Luis Alvaro e integrante do comitê de gestão do Santos quando Odílio era presidente.

"Já passou da hora de o presidente Modesto arregaçar as mangas e parar de reclamar", completa Nunes Conceição, citando que, quando seu grupo político assumiu o clube, no final de 2009, a situação financeira também era muito difícil.

Na época, foram necessários R$ 13,7 milhões para acertar salários atrasados, direitos de imagem, impostos e fornecedores. Tudo foi quitado, segundo o ex-diretor.

"Eu passei por uma cirurgia na semana passada. Meu médico recomendou repouso", disse Luis Alvaro, pedindo para não falar sobre seu período no comando.

Editoria de Arte/Folhapress

SAÍDA DE NEYMAR

"O Santos não se preparou para vender o Neymar. E não se recuperou disso até agora", afirma Fernando Silva, candidato derrotado à presidência do clube na eleição do final do ano passado.

Entre 2010 e 2012, parecia que tudo o que a diretoria do Santos tocava virava ouro.

Vieram títulos, como a Libertadores de 2011, e os patrocinadores faziam fila para associar suas marcas a Neymar. Entre 2010 e 2011, o faturamento cresceu 62%.

A festa acabou em 2013.

Para contar com Neymar, o Barcelona pagou uma quantia entre € 86 milhões e € 95 milhões (o valor real está sob investigação pela Justiça espanhola).

Sozinho, o pai de Neymar ficou com € 50 milhões (R$ 151 milhões). Foram € 10 milhões de entrada e outros € 40 milhões quando a negociação foi fechada.

Coube ao Santos menos do que os torcedores do time poderiam supor, cerca de € 25 milhões (aproximadamente metade do valor que ficou com o pai de Neymar). O restante do dinheiro - entre € 11 milhões e € 20 milhões - foi dividido em comissões para intermediários.

A saída do astro levou à redução expressiva do apelo do Santos entre patrocinadores.

Mas o maior revés se deu dentro de campo. Desde então, o time não conquistou nenhum título profissional.

Os investimentos no futebol resultaram em decepções. A maior delas foi Leandro Damião, a mais cara contratação da história do time. Foram € 13 milhões emprestados pelo fundo de investimento Doyen Sports.

Apesar dos pedidos de conselheiros, a diretoria da última gestão nunca mostrou a íntegra desse contrato.

Damião marcou só 11 gols. Com salário de R$ 500 mil e mais R$ 50 mil de auxílio-moradia, cada gol dele custou R$ 600 mil ao clube.

A relação do clube com a Doyen, aliás, tem sido colocada sob suspeita.

Uma das metas da nova comissão fiscal, que tomou posse na última quinta, é descobrir detalhes da venda de porcentagens dos direitos econômicos dos jogadores Gabriel e Geuvânio para a Doyen.

Feita nas últimas semanas do mandato de Odilio, a negociação é contestada por associados, que avaliam acionar a Justiça. Segundo o estatuto, a transação teria de ser aprovada pelo conselho deliberativo, o que não ocorreu.

A defesa dos aliados da antiga administração é que os direitos federativos não poderiam ser vendidos, mas os direitos econômicos, sim. Foi o que aconteceu.

O dinheiro obtido, cerca de R$ 18 milhões, foi utilizado para quitar empréstimos bancários feitos pelo clube nos bancos Itaú, Bic e BMG. A atual administração diz que vai apurar quem eram os avalistas dessas negociações.

Na última semana, a reportagem ligou diversas vezes para o ex-presidente Odílio, que não respondeu às ligações.

Josep Lago/AFP
O atacante Neymar comemora gol para o Barcelona sobre o Atlético de Madri
O atacante Neymar comemora gol para o Barcelona sobre o Atlético de Madri

SALÁRIOS ALTOS

Os salários vultosos pagos pelo Santos nos últimos anos ajudaram a ampliar a crise.

De saída do time, com o Corinthians como provável destino, o zagueiro Edu Dracena, por exemplo, recebia cerca de R$ 300 mil por mês.

Por incrível que pareça, para os novos gestores, não é ruim que Mena, Arouca e Damião, entre outros, tenham acionado a Justiça. Assim, o Santos não se sente mais obrigado a pagá-los e empurra a dívida para o futuro.

A esperança é que, até lá, haja dinheiro para saldar acordos.

Entre os altos salários, o único que Roma Júnior quer manter é o de Robinho (cerca de R$ 500 mil por mês).

O CREDOR

Presidente entre 2000 e 2009, Marcelo Teixeira deixou o cargo como credor em cerca de R$ 20 milhões.

Durante a gestão Luis Alvaro, ele fez acordo com o clube, que ameaçava lhe dar calote. Perdoou uma parte do débito e parcelou o restante.

Desde então, o Santos lhe paga todo mês cerca de R$ 480 mil, pouco menos do que o salário de Robinho. O débito será quitado só em agosto de 2017, três meses antes do fim do mandato de Roma Jr.

Teixeira foi o maior responsável pela eleição do atual mandatário e, reservadamente, tem ajudado essa gestão a pagar contas mais urgentes. Ele não deu declarações oficiais e tampouco atendeu às ligações da Folha.

Dennis Calçada/Divulgação/Santos FC
Modesto Roma Júnior, presidente do Santos
Modesto Roma Júnior, presidente do Santos

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