Folha de S. Paulo


Só o ouro na Rio-2016 pode mudar o futebol feminino no Brasil, diz Marta

Eleita cinco vezes a melhor jogadora do mundo pela Fifa, campeã europeia de clubes e vice-campeã mundial com a seleção, a alagoana Marta Vieira da Silva, 28, ainda não está totalmente realizada no futebol.

Principal jogadora da história do Brasil, a menina, que deixou a cidade de Dois Riachos (aproximadamente 190 km da capital Maceió) com menos de 15 anos para encantar o mundo, tem como meta a medalha de ouro na Rio-2016 na expectativa de, finalmente, "mudar o rumo da modalidade no país".

"Conquistamos duas medalhas de prata [Atenas-2004 e Pequim-2008] e não foram suficientes. Agora não podemos deixar escapar essa chance de mudar a história da nossa modalidade no país", disse a Rainha do futebol.

Com a experiência de mais de dez anos atuando fora do país, Marta reclama do preconceito à modalidade no Brasil e lamenta a ausência de times de camisa no esporte.

Em entrevista à Folha, a jogadora pede também apoio do Bom Senso F.C., comenta sobre a expectativa de ganhar pela sexta vez o prêmio de melhor do mundo e diz que ainda não pensa em aposentadoria.

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Folha - Como é ser indicada novamente ao prêmio de melhor do mundo?
Marta - É muito gratificante concorrer ao prêmio de melhor jogadora do mundo mais uma vez. A escolha é fruto do trabalho, do esforço, que fazemos durante o ano inteiro. Minhas concorrentes [a alemã Nadine Kessler e a norte-americana Amy Wambach] são fortes.
Neste ano, fui vice-campeã da Liga dos Campeões, mas tive alguns problemas no meu antigo clube [Tyresö, da Suécia]. Fiquei três meses sem receber salário, não recebemos bicho [prêmio por meta alcançada] e bônus individuais que eu tinha direito. Foi um ano negativo demais financeiramente.

Por que a modalidade estagnou no Brasil?
Temos talentos fora do normal, mas não temos estrutura e o apoio necessário. O nível do campeonato aqui não é o mesmo de lá de fora. Jogamos campeonato de dois, três meses e isso é muito ruim para o crescimento da modalidade. O nosso esporte precisa ser mais estruturado.

Ainda existe preconceito com as mulheres no futebol?
Ainda existe e começa em casa. Os pais não aceitam que as crianças joguem. Falta o incentivo familiar. Se tivesse o incentivo em casa, teríamos uma mobilização maior do esporte.

Falta apoio de quem?
As escolas precisam colocar o esporte na grade escolar. O projeto tem que vir dos governantes, da CBF. É um conjunto que precisa ser feito em prol da modalidade.
Se os clubes grandes tivessem equipes femininas ajudaria muito. São clubes que possuem muitos torcedores e que formam opiniões. Não tem nada que obrigue eles terem um time. Tem que partir da boa vontade. Quanto estava no Santos [em 2011], tínhamos mais visibilidade.

A seleção permanente que a CBF anunciou que vai implantar [a entrevista com ela foi antes do anuncio] é uma boa alternativa?
Se a nossa Liga não permite jogar constantemente em alto nível, temos que procurar alguma forma. Temos que manter as meninas em atividade e a seleção permanente é uma opção. Se jogarmos juntas, podemos nos fortalecer cada vez mais.
Hoje temos uma abertura maior com o presidente da CBF [José Maria Marin] ao contrário do que acontecia na última gestão. Ele sempre fala com a gente. Já falamos para a CBF o que necessitamos.

O Bom Senso ajuda a modalidade, as jogadoras?
Ficaria muito contente se eles debatessem o nosso esporte. Precisamos da ajuda daqueles que tem o poder da palavra. Não adianta as meninas falarem. Eles têm que falar pela gente
Os jogadores que estão envolvidos no Bom Senso estão em fase final de carreira. Vários atletas que hoje estão na seleção brasileira não estão voltados ao Bom Senso.

Como são as cobranças e xingamentos no futebol entre as mulheres?
É normal, tem adrenalina. O xingamento é natural. Não dá para falar bonitinho naquele momento de adrenalina.

Sua meta é a medalha na Olimpíada do Rio? É possível?
A Olimpíada do Rio é a oportunidade de a gente conquistar a medalha de ouro. Fazer diferente para que as coisas mudem. Tivemos duas chances de mudar o futebol feminino, mas conquistamos a prata [em Atenas-2004 e Pequim-2008].
Precisamos segurar essa medalha com unhas e dentes. Não podemos deixar essa oportunidade escapar. É algo que pode mudar o nosso esporte.
As medalhas [prata] foram importantes, mas tem muito mais valor nos outros países. O que importa para o brasileiro é o 1º lugar.

Como será jogar em casa?
O fato de jogar em casa pode atrapalhar e ajudar. Temos que trabalhar psicologicamente essa condição. Tem que ser trabalhado constantemente e não apenas dois meses antes da competição.

Antes da Olimpíada tem o Mundial. Como está a preparação para ele?
Nossa primeira ambição é ganhar o título Mundial [de 6 de junho a 5 de julho, no Canadá]. É um grande passo para a nossa evolução. Nenhum grupo do Mundial está fácil. Vai ser uma competição muito forte e equilibrada.

Pensa em jogar até que idade?
Pretendo jogar enquanto meu corpo aguentar. A Formiga [36] é o meu espelho. Quem sabe consigo jogar até os 36, 37 anos como ela vai fazer. Quando aposentar, quero continuar o meu trabalho de embaixadora da ONU e fazer projetos para crianças carentes da minha cidade.

Tem ideia quantos gols têm na carreira?
Não tenho esse registro. É um pouco triste, mas não tenho. Não tive essa preocupação. Tentei contar, mas abri mão. Não tenho noção, mas acho que profissionalmente uns 400.

Como é a convivência com o técnico Oswaldo Alvarez, o Vadão?
Ele é muito humano, supertranquilo. Da o espaço necessário para a gente falar e gosta de ouvir. Imaginava um cara durão pelo tempo dele no futebol masculino. Ele é um paizão.

RAIO-X

NOME
Marta Vieira da Silva

NASCIMENTO
19 de fevereiro de 1986, em Dois Riachos (AL) (28 anos)

CLUBES
Vasco, Santa Cruz, Umea (SUE), Los Angeles Sol (EUA), Gold Pride (EUA), Santos, Western New York (EUA), Tyresö (SUE) e Rosengard (SUE)

PRINCIPAIS TÍTULOS
Liga dos Campeões (2004) e Sueco (2005, 2006, 2007, 2008, 2012 e 2014) pelo Umea; Copa Libertadores da América (2009) e Copa do Brasil (2009) pelo Santos; Liga dos EUA (2010) pelo Gold Pride; Liga dos EUA (2011) pelo Western New York

PELA SELEÇÃO
Medalha de prata nas Olimpíadas de Atenas-2004 e Pequim-2008; vice-campeã da Copa do Mundo-2007

PRÊMIOS INDIVIDUAIS
Eleita a melhor jogadora do mundo em 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010; segunda colocada em 2005, 2011 e 2012; terceira colocada em 2004 e 2013


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