Folha de S. Paulo


'Precisamos recuperar os clubes para ampliar a base', diz Rubén Magnano

Mais do que o técnico, o argentino Rubén Magnano, 60, se define como um professor, o que de fato é.

Graduado em educação física no início de sua carreira esportiva, desenvolveu uma reputação quase inabalável no mundo do basquete.

Há quase cinco anos, ele encarou a missão de tentar resgatar o orgulho do basquete masculino brasileiro, outrora bicampeão mundial, e antes de sua gestão órfão dos Jogos Olímpicos por 16 longos anos.

Com Magnano à frente, o Brasil voltou à Olimpíada e ficou na quinta posição nos Jogos de Londres. Neste ano, avançou às quartas de final do Mundial da Espanha. "Ficamos perto de lutar por medalhas", lamentou-se.

Mas, apesar da boa maré, ele nunca abandona seu lado professor. Daqueles que se indignam com um sistema de formação falho.

Nesta entrevista, concedida durante o 2º Seminário de Gestão do Esporte, em Belo Horizonte, nesta semana, ele criticou muito a falta de clubes e planejamento para ampliar a base do basquete brasileiro.

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Folha - Passados quase três meses, qual é sua avaliação da participação no Mundial?

Rubén Magnano - Mais do que avaliação, vou falar de sensação. A que tive antes de perder o segundo jogo contra a Sérvia [nas quartas de final] foi de que estávamos perto de lutar por uma medalha. Acho que como nunca antes vi o time muito sólido, com muita vontade. Se você fizer uma análise, ganhamos do segundo e do terceiro colocados [Sérvia e França] na classificação.

Mas há outra variável importante a ser analisada, mas que não deve servir de justificativa: a forma de disputa de Mundial, se analisada, fez com que houvesse duas competições paralelas. Um Mundial dos grupos A e B e outro dos Grupos C e D, porque a Espanha não queria cruzar com os Estados Unidos, só na final. Isso não nos favoreceu, oras. A sensação foi essa, mas esportivamente creio que o trabalho foi bom. Infelizmente no último jogo contra a Sérvia tivemos uma falta de inteligência emocional.

A participação no Mundial aumenta sua expectativa em relação a uma boa posição olímpica?
Acho que houve coisas interessantes nesses últimos anos. Até dois anos atrás, nenhum destes jogadores havia disputado uma partida olímpica. Agora, todos têm isso. O fato de jogarmos em casa [em 2016] será uma grande vantagem, se soubermos canalizar isso e que seja um efeito bumerangue, que venha de encontro a nós.

Mas o apoio do público é muito interessante, sempre dá um plus. Teremos bons jogadores, também. Sei que é um trabalho difícil, mas a medalha olímpica não é impossível, não.

O Brasil não começou muito tarde o trabalho para pensar na Olimpíada?
Não dá para botar um atleta no forno e, quatro anos depois, tirar dele um atleta olímpico. Não funciona assim. Para se formar um atleta olímpico é necessário um investimento de vários e vários anos e em um patamar de excelência para, aí sim, se aspirar a uma medalha. Para se aspirar a ter uma equipe forte para a Olimpíada, é preciso ter uma base muito grande de atletas para se escolher. Aí se escolhem os melhores.

Geograficamente, o Brasil está muito longe de tudo. Não temos competições de nível mundial, sobretudo para os meninos de 15, 16, 20 anos. Essa faixa etária precisa ter ao menos 20 partidas internacionais duras, difíceis por ano, para se dizer que está no caminho cedo. Também é preciso aumentar a quantidade de clubes. Em qualquer parte do mundo as equipes de base jogam de 40 a 50 partidas por ano. Aqui não.

Qual é a alternativa?
Temos que popularizar o basquete brasileiro, massificar. Nem todos os meninos podem ir para o Minas, o Pinheiros e o Paulistano. Precisamos do Minas, mas precisamos do clube pequeno também.

Falo isso porque na Argentina é assim. Na Argentina, há 1.600 clubes. Sabe qual é o apelido da seleção argentina? A Alma. Isso se cristalizou desde o ouro em Atenas-2004 e segue assim, todos a chamam assim. Os jovens sonham em defender a Alma. Precisamos recuperar os clubes no Brasil, tem que dar um jeito nisso.

O êxodo de jogadores como Lucas Bebê e Bruno Caboclo preocupa?
O êxodo é muito importante se no país não há competição. Hoje, o Brasil tem um nível de competição média. Para evoluir, é preciso jogar contra equipes europeias, americanas, enfim, contra os melhores do mundo.

Mas esse êxodo só será importante se eles jogarem lá fora. Se ele vai para o exterior e não joga e tem uma proposta para ficar no Brasil e jogar, aí eu prefiro que ele fique no Brasil e jogue. Se não atua, não cresce. Depois que levei o Raulzinho para o Mundial da Turquia, em 2010, ele nunca mais deixou de atuar na liga espanhola. Evoluiu muito. No Mundial deste ano foi muito bem, principalmente contra a Argentina. Mas isso só aconteceu porque se manteve ativo no máximo nível.

Tem algum jogador com quem você se preocupa por causa da idade?
Todos (risos). Mas me preocupo muito, muito. Só que me preocupo muito mais com a idade do treinador (risos).

Em 2015, haverá Pré-Olímpico e Pan: o que já está planejado?
Por enquanto, nada. No dia 26, agora, terei uma reunião com o Comitê Olímpico [do Brasil] e com a Confederação [Brasileira de Basketball] para ver o que será do nosso futuro.

Qual é sua vontade?
Ainda precisamos ver se o Brasil, por ser sede, já está classificado para os Jogos do Rio. Isso pode mudar muito nossa programação. Se já estivemos classificados, teremos muita chance de experimentar jogadores novos. Porque, afinal, a história não acaba em 2016. Há um trabalho a ser pensado no futuro.

Você pensa em continuar no Brasil depois de 2016?
Eu tenho contrato até 2016. Depois, não sei.

RAIO-X

NOME

Rubén Pablo Magnano, nascido em 9.out.1954 (60 anos), em Villa María (ARG)

CARREIRA

Campeão olímpico em Atenas-2004 e vice mundial em 2002 (com a seleção argentina); 5º lugar nos Jogos de Londres-2012 e 6º lugar no Mundial da Espanha-2014 (com a seleção brasileira). Comandou nove clubes, da Argentina, Espanha e Itália.

O jornalista PAULO ROBERTO CONDE viaja a convite da organização do 2º Seminário de Gestão do Esporte


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