Folha de S. Paulo


Atleta protesta contra mudança da São Silvestre e é condenado a pagar multa

O atleta amador Antonio Carlos Colucci, 39, tem dividido o seu tempo entre correr nas ruas e recorrer nos tribunais. Ele foi condenado a pagar uma indenização de R$ 10 mil à Fundação Cásper Líbero por uso considerado abusivo da marca "São Silvestre", da qual a fundação é detentora.

Em 2011, Colucci organizou um protesto contra a mudança de percurso da tradicional "Corrida Internacional de São Silvestre", realizada no último dia do ano em São Paulo. O atleta criou um evento paralelo com o nome de "São Silvestre Cover".

Os organizadores da prova internacional haviam transferido o local de chegada –da Avenida Paulista para o Obelisco do parque Ibirapuera–, o que desagradou a vários corredores.

A fundação processou Colucci. A Justiça entendeu que não cabia analisar discordâncias sobre a organização da prova. Decidiu que o atleta violou a Lei 9.279/76, que protege os detentores de registros de marca.

"Percebe-se que, em verdade, era ele o responsável pela organização de evento paralelo", onde o nome "São Silvestre" está aliado a seu sobrenome "Colucci", decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, a partir de imagens de um site mantido pelo atleta e de registros em redes sociais. Cabe recurso dessa decisão.

"Uma pessoa inventou que eu organizava uma corrida, quando era um treino que virou um protesto", afirma Colucci. Ele alega que não fez concorrência à corrida oficial, pois os treinos foram beneficentes e realizados antes do Natal.

No final de 2013, ele estava numa maratona, no Rio de Janeiro, quando soube que deveria pagar uma indenização de R$ 100 mil à Fundação Cásper Líbero.

No mês passado, o TJ-SP reduziu o valor para R$ 10 mil. Considerou que, sendo o atleta beneficiário da assistência judiciária gratuita, o valor era excessivo, "podendo empobrecê-lo de forma injusta".

"Não sou registrado, não tenho renda fixa, e, principalmente, não sou organizador de corrida", alega o maratonista.

Colucci é contabilista. Obteve o direito à justiça gratuita por meio de recurso em instância superior. O juízo de primeiro grau entendera que ele não havia comprovado o "estado de pobreza", pois havia contratado um escritório de advocacia. Colucci é defendido pelo pai, advogado.

A fundação sustentou que Colucci vinha utilizando a marca "São Silvestre Cover" desde meados de 2010. E que, notificado sob pena de medidas judiciais, continuou a usar a marca. Uma liminar determinou a retirada do nome "São Silvestre", sob pena de multa diária de R$ 10 mil.

Colucci propôs, simultaneamente, uma ação contra a fundação [reconvenção], defendendo o livre direito de manifestação. Alegou que teria sofrido danos morais ao ser acusado de delito.

"A fundação abriu um Boletim de Ocorrência, fui intimado a comparecer a uma delegacia, porque eu corria na rua com meus amigos. Eu não entendi, e o delegado também não", diz o atleta.

O tribunal decidiu que a fundação não cometera ato ilícito ao oferecer a queixa-crime. Julgou improcedente a indenização pleiteada por Colucci, que foi considerado infrator, e não vítima.

A Justiça também rejeitou a pretensão da fundação de obter indenização por danos materiais, pois ela não conseguiu comprovar os prejuízos.

O tribunal não vislumbrou "conduta parasitária" de Colucci. Mas julgou que a fundação sofreu abalo de credibilidade e tem direito à reparação de dano moral assegurada à pessoa jurídica.

Colucci diz acreditar que o objetivo da fundação é evitar que o nome "São Silvestre" seja usado em corridas de final de ano em outras cidades.

"A ação foi movida para me pressionar, para me coagir de alguma forma. Parece que estão conseguindo", diz o corredor, que continua recorrendo.

OUTRO LADO

A Fundação Cásper Líbero divulgou nota oficial em que afirma que o objetivo do processo foi proteger o direito da marca. A instituição afirma que o Judiciário reconheceu que houve lesão a esse direito, pela "utilização indevida" da marca por Antonio Colucci.

"Em momento algum foi suscitado pela Fundação Cásper Líbero que houve corridas no mesmo horário do que a Corrida por ela organizada. A demanda restringe-se à proteção do direito autoral da marca e não eventual conflito entre eventos".

A fundação afirma que o propósito é "manter a Corrida Internacional de São Silvestre como única, ou seja, a principal e mais tradicional prova de rua do país".

VEJA A ÍNTEGRA DA NOTA

A Fundação Cásper Líbero informa que a ação judicial está de acordo com o seu objetivo, que visa preservar sua história e o legado de seu patrono, o jornalista Cásper Líbero. Com a finalidade de incentivar a prática de esportes, o jornalista fez da Corrida de São Silvestre umas das provas de rua mais respeitadas do mundo. Por este motivo, a instituição usou do direito constitucional para garantir o uso exclusivo do nome "Corrida Internacional de São Silvestre".

A ação se originou pela lesão ao direito de propriedade da marca, fato ocasionado pela utilização indevida do Sr. Antonio Carlos R. Colucci conforme reconhecido pelo Poder Judiciário.

O que ocorre é o exercício da garantia constitucional, elencada no artigo 5º, incisos XXVII e XXVIII, que confere proteção à propriedade intelectual aos detentores direitos autorais, os quais devem zelar pela exclusividade de seu uso, conforme determina a legislação vigente (Lei n.º 9.279/1996). O uso indevido caracteriza crime contra o registro da marca, de modo que é permitido ao detentor da marca, no caso a Fundação Cásper Líbero, a propositura de ações em âmbito civil e criminal ao tomar conhecimento de qualquer tipo lesão ao seu patrimônio.

Em momento algum foi suscitado pela Fundação Cásper Líbero que houve corridas no mesmo horário do que a Corrida por ela organizada. A demanda restringe-se à proteção do direito autoral da marca e não eventual conflito entre eventos.

O posicionamento da instituição perante a justiça visa manter a Corrida Internacional de São Silvestre como única, ou seja, a principal e mais tradicional prova de rua do país.


Endereço da página:

Links no texto: