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São Paulo não se resume ao quarteto, afirma Kaká

Ricardo Nogueira/Folhapress
Kaká ri durante entrevista à Folha no centro de treinamento do São Paulo
Kaká ri durante entrevista à Folha no centro de treinamento do São Paulo

Kaká, 32, não gosta de falar sobre o quarteto ofensivo do São Paulo, formado por ele, Ganso, Kardec e Pato.

Entre as razões para frear o entusiasmo, está a Copa do Mundo de 2006, quando a seleção brasileira tinha o "quadrado mágico", composto por ele, Ronaldinho, Adriano e Ronaldo. O time fracassou. Foi eliminado nas quartas de final do Mundial pela França.

Kaká usa essa e outras experiências para guiar seus companheiros. Em conversa com a Folha, falou sobre sua liderança, defendeu mudanças no futebol brasileiro e opinou sobre política e religião.

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Folha - Para muitos, o jogo contra o Cruzeiro neste domingo (dia 14) é uma final antecipada. Também vê assim?
Kaká - Não tenho a sensação de que é uma final, mas tenho a sensação de será um jogo de grande importância. A gente pode diminuir o número de pontos para o Cruzeiro [hoje são sete pontos, 46 a 39]. Isso é o fundamental nesse jogo. Nós não podemos deixar que eles ganhem, pois abririam uma diferença de dez pontos. Temos de vencer e baixar para quatro pontos. Final? É difícil falar em final no Campeonato Brasileiro. Todos os jogos valem o mesmo número de pontos.

Além de Cruzeiro e São Paulo, vê outras equipes na briga pelo título?
Eu vejo Corinthians, Internacional e Grêmio. Essas três equipes são muito competitivas. O Grêmio teve uma melhora na tabela. O Corinthians mantém uma regularidade de resultados. E o Internacional é um time muito perigoso mesmo não tendo resultados nos últimos jogos. É a minha leitura hoje. O Campeonato Brasileiro é muito competitivo. Uma equipe pode embalar com três vitórias consecutivas e encostar nos líderes. O Grêmio fez isso agora. E o Fluminense está na briga.

O São Paulo é outro desde que foi eliminado na Copa do Brasil pelo Bragantino. Por quê?
Não vejo um jogo [como divisor de águas]. É um processo. O time vem crescendo, encontrou uma forma de jogar, uma filosofia de jogo. Tudo isso contribui com a boa fase.
Não gosto de falar do quarteto especificamente. Não acho que funcione assim. Neste último jogo [vitória por 4 a 2 contra o Bahia] o Souza foi decisivo, o Rogério Ceni foi decisivo. Prefiro fortalecer a atuação do time. Sei que essa história de quarteto interessa a mídia, mas não gosto de falar para não criar alguma situação que não seja favorável ao nosso grupo.

Você se incomoda por que remete ao "quadrado mágico" da Copa de 2006?
[Me incomoda] falar somente sobre quatro jogadores. Isso não é legal para o time. Não é legal essa superexposição. Tive uma experiência que não foi produtiva e consigo utilizar a Copa de 2006 como exemplo.
A euforia com o quarteto não nos influencia. A gente não fala sobre o quarteto aqui dentro. Não foi alguém que chegou e disse 'vocês não podem falar do quarteto'. O time tem consciência de que todos são importantes. Quanto mais forte for o grupo, maior será a nossa possibilidade de chegar ao título. Falta de confiança é ruim, o excesso também.

Qual sua influência no time?
O relacionamento é muito bom. Tento entender os momentos em que posso brincar e os que tenho de dar exemplo. Transmito [aos jovens] que, mesmo tendo conquistado tudo que conquistei, tenho muito profissionalismo para que eles possam seguir meu exemplo assim como eu fiz até chegar neste estágio da carreira.

Quais foram suas referências?
Rogério Ceni, Maldini e Cafu. Ganharam tudo como atletas e continuaram motivados para novas conquistas.

Muricy disse que você é uma influência positiva para o Pato. Acredita que tenha causado uma mudança nele?
Não teve uma conversa específica com o Pato. Somos amigos [jogaram juntos no Milan]. Saímos juntos, conversamos. É uma questão de confiança. Não é só o Pato, é todo o grupo. Diante do Botafogo, disse para o Auro: 'Se você achar que tem de me cobrar, me cobre porque se eu tiver de cobrar, eu vou cobrar'. Eu falei isso especificamente para o Auro porque ele é o mais novo do elenco [18 anos] e eu sou um dos mais experientes. Sou assim com todos do elenco.

Imaginava desempenhar esse papel na volta ao São Paulo?
Aconteceu um pouco na minha última passagem pelo Milan [2013-2014]. No Brasil, essa proporção aumentou. Gosto de citar o Leonardo. Quando ele voltou ao São Paulo, eu tinha 18 anos e o admirava. Eu o observava até que criei uma amizade. Às vezes, estou fazendo alguma coisa e percebo que estou sendo observado e procuro dar exemplos. São situações bem legais dentro do clube.

Você mudou até seu visual. Deixou a barba crescer...
[Risos] Agora todos estão nessa onda. Antes, não deixava porque minha filha reclamava. Tô curtindo, mas não tem nada de bad boy.

Uma mudança clara é sua explosão nos gols do time. Parece mais vibrante, mais feliz com seu momento. Isso mudou, não?
Vibrante, não. É a emoção do jogo. Está sendo bem legal essa fase atual. Minha volta ao São Paulo, o momento do time. Tudo está se encaixando. Eu transmito o que estou sentido. Sinto felicidade ao ver um companheiro tendo exito. Felicidade com o Pato voltando a fazer gols. Essa é a alegria que estou sentido, de ver o time bem, os companheiros bem.

Antes você comemorava os gols com o dedo para cima. Tem alguma coisa a ver com a religião? Você se afastou da religião após romper com a Igreja Renascer?
Não, não tem nada a ver com religião. Eu ainda levanto as mãos para o céu para agradecer. É que hoje em dia tem tanta comemoração, tanta coisa. Dedico gols aos meus filhos. Contra o Criciúma quis agradecer ao Ganso por me dar a bola. Mas sempre após os jogos têm a minha comemoração e agradecimento pela oportunidade de fazer algo que gosto.

Mas mudou o modo como lida com a religião (até 2010 era ligado a Igreja Renascer).
Eu continuo cristão, tenho a mesma linha de valores. Hoje não estou vinculado a nenhuma igreja. Faço estudos bíblicos com alguns pastores em casa ou por Skype quando estou viajando. É uma visão do estilo de Jesus como vida, de entender o que ele queria transmitir. Quando tenho dificuldade de compreender algum tema, procuro os pastores.

Ricardo Nogueira/Folhapress
Kaká (dir.) brinca com o lateral Alvaro Pereira
Kaká (dir.) brinca com o lateral Alvaro Pereira

Nesse retorno ao Brasil, o que te chamou mais a atenção?
O calendário. Piorou em relação ao ano que sai [agosto de 2003].É preciso diminuir o número de jogos, respeitar as datas da Fifa. A quantidade alta de jogos diminui a qualidade técnica, aumenta o número de lesões e reduz a atratividade do campeonato.

Qual foi sua reação ao 7 a 1?
Fiquei muito triste. Assisti na casa do meu irmão. Mas não dá para mudar tudo por causa do 7 a 1. É preciso refletir sobre a seleção e os clubes. Somos pentacampeões, mas o futebol evoluiu. É preciso abrir a mente para outros países, outra filosofia de jogo.

A goleada no Mundial iniciou um debate sobre a necessidade de o Brasil a porta para técnicos estrangeiros. Qual sua avaliação sobre o tema?
Acho uma discussão muito produtiva. É legal ter um Ricardo Gareca no Palmeiras e observar o trabalho dele, a escola argentina. É bom ter outras formas, outras filosofias de jogo para analisar e conhecer. Isso é produtivo. Quando eu sai do Brasil, eu tinha uma visão assim [mostra os olhos tendo o campo de visão restringido pelas mãos]. Quando sai, eu percebi uma forma diferente de ver o futebol e abri meus horizontes.

Recentemente à Folha, Ganso disse que um dos problemas do Brasil é a formação na base. Qual é sua opinião sobre a formação da base no Brasil?
Eu não sei explicar como é formação no Brasil. Eu fui formado há mais de 11 anos. É diferente. Hoje, o atleta é obrigado a estudar, a ter notas, para continuar no time. Vejo que o Brasil continua formando bons jogadores, mas precisa profissionalizar essa formação. Ter técnicos preparados. É um cuidado necessário. Não deve pensar no resultado. Durante muito tempo cobrou-se da base títulos do Campeonato Paulista e da Copa São Paulo. Não. O clube forma um atleta para usar no profissional e não para ter títulos na base.

Qual é a sua opinião sobre o Bom Senso F.C.?
Fiz algumas reuniões para conhecer as propostas. Eles tem boas ideias, mas neste momento preciso de mais informações. Não apenas do Bom Senso F.C., mas de outras áreas para ver o que pode ser feito pelo futebol brasileiro. Quando entender melhor todo o cenário, aí direi o que penso.

Será a primeira vez que vai votar desde 2002, não? Lembra em que votou e já decidiu seu voto em 2014?
Foi em 2002, mas não lembro meu voto. Hoje, não decidi. Encontrei alguns candidatos à Presidência e ao governo para ter informações. O Brasil vive um momento de mudança e é importante sabermos.

Em 2008, a revista "Time" te elegeu uma das pessoas mais influentes do mundo. Você se considerava e se considera tão influente?
Acho que essa lista reflete muito o momento. Eu estava na lista por ter sido eleito o melhor jogador do mundo [em 2007]. Por conta disso virei uma referência internacional. Mas acho que hoje tenho uma influência muito maior, muito mais consciente. Ela é muito motivada pelas ideias, pelo meu comportamento e pelas relações que eu tenho.

Quando você surgiu, você tinha metas. Uma delas era ser o melhor do mundo, algo que você alcançou em 2007. Você ainda tem metas?
Antes, minhas metas eram mais específicas, como ser titular do São Paulo. Agora são mais amplas, como ajudar o time do São Paulo a ser um grupo mais forte. Como? Chegando uma hora antes para treinar, demonstrando para o mais novos que sou um exemplo de profissional. Dentro dessas metas mais amplas buscar meus objetivos específicos, como voltar para a seleção. Isso significa estar bem no São Paulo, estar bem fisicamente.

Você espera estra na convocação do Dunga, no dia 17?
As coisas estão indo muito bem no São Paulo. Acho que a seleção tem de analisar onde eu me encaixo nessa nova fase, ver se eu posso contribuir de alguma forma e eu tenho de estar pronto. Eu estou pronto. Pela quantidade de jogos que fiz e pela sequência de jogos que fiz. A decisão é da comissão técnica. Minha situação na seleção brasileira é diferente. Eles precisam analisar bem se eu posso contribuir, como posso contribuir. Eu espero voltar. Se vier acontecer, vou ficar bem feliz.

Você está certo de que pode contribuir?
Sim, eu acredito. Assim como estou contribuindo com o São Paulo.

Disputar a Copa era uma meta?
Sim. Até minhas decisões foram pensadas com esse objetivo. Sai do Real Madrid para o Milan para poder ter uma sequência de jogos para poder voltar a seleção. Sabia que tinha de ir bem no Milan para voltar a seleção.

Na sua avaliação você merecia estar na Copa?
Merecimento é a comissão técnica que tem de avaliar. Naquele momento eles acharam que eu não encaixava no planejamento. Eu respeito e por isso não me sinto frustrado. Tudo que eu podia fazer eu fiz. A decisão final foi da comissão.

Seu contrato de empréstimo ao São Paulo termina em dezembro. Há chance de ficar?
Meu vínculo com o São Paulo é eterno. O final do ano é a hora certa para falar disso. Tudo está em hipóteses e pode gerar ansiedade em todos os lados. Vamos esperar e ver o que pode acontecer.

Ricardo Nogueira/Folhapress
Kaká faz exercício físico durante treino do São Paulo
Kaká faz exercício físico durante treino do São Paulo

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