Folha de S. Paulo


Brasileiro planeja pacote com Mickey, Pateta e Kaká para lucrar nos EUA

Um estádio de futebol em Orlando sempre cheio, que atraia milhares de brasileiros, em um pacote que inclua "o Mickey, o Pateta e o Kaká", com ingressos disputados e uma audiência crescente na TV americana.

Essa é a aposta do brasileiro Flávio Augusto da Silva, 42, que comprou no ano passado 87% do controle do time Orlando City, da Flórida, o mais novo integrante da liga de futebol dos EUA.

Divulgação
Flávio Augusto da Silva, dono do Orlando City
Flávio Augusto da Silva, dono do Orlando City

Ele está construindo um estádio de futebol com capacidade para 25 mil torcedores, a um custo de US$ 110 milhões (R$ 250 milhões), sendo US$ 70 milhões (R$ 160 milhões) de capital próprio, contratou Kaká (e o emprestou para o São Paulo) e se tornou defensor do modelo de negócios da liga americana. Ele prevê que, em poucos anos, seu investimento vai valer muitas vezes mais.

O empresário carioca, que criou as escolas de inglês Wise Up e vendeu a rede no ano passado por R$ 900 milhões, explica como os valores pagos pelas TVs americanas pelos direitos de transmissão revelam o potencial do futebol nos EUA, defende estádios menores e clubes "com dono". Ele conversou com a Folha por Skype, de Orlando.

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Estádios cheios
Não teremos estádios vazios, não gastamos 1 bilhão para fazer estádios de 80 mil lugares. O nosso terá capacidade para 25 mil, que é a média do público, e vai custar US$ 110 milhões. Queremos provocar mais demanda que oferta, esses ingressos precisam ser disputados. Se há dois restaurantes vizinhos, um está vazio e o outro, cheio, qual você escolhe? O salão de festas para 500 pessoas com apenas 200 convidados? Estádio tem que ter atmosfera de casa cheia.

Programa família
Orlando recebe 60 milhões de turistas por ano, um milhão de brasileiros. Eles poderão ver o Mickey, o Pateta e o Kaká. Esporte nos EUA é espetáculo. Você vai a um estádio moderno e seguro, limpo, com a família inteira. O jogo não é às 22h. O time de Seattle tem 43 mil torcedores de público em média por partida. É mais que Corinthians e Palmeiras juntos. Da chegada ao estádio, à comida, bebida, atrações no intervalo, o merchandising, tudo ajuda no faturamento.

Venda de pacotes
Estamos há oito meses da estreia no campeonato e já vendemos 7.500 pacotes para toda a temporada regular, que custam entre US$ 400 (R$ 911) e US$ 1.500 (R$ 3.400). Os playoffs são vendidos à parte. Esperamos vender até 20 mil pacotes. Antes da bola rolar, venderemos quatro vezes mais ingressos que a média do Paulista, nove vezes mais que a do Estadual do Rio.

Potencial de lucro
No momento, 85% dos clubes da liga americana já dão lucro. Tudo é muito regulamentado para ser um negócio sustentável. A folha de pagamento dos jogadores não pode superar US$ 4 milhões (R$ 9 milhões) por ano, e você pode ter até três atletas especiais, com valores superiores, como temos o Kaká. Gosto muito, é divertido, mas entrei pelo negócio. Penso ter um ganho de capital. Donald Sterling comprou o Clippers [time de basquete da NBA] por US$ 12,7 milhões (R$ 29 milhões) em 1981 e hoje o time foi vendido por US$ 2 bilhões (R$ 4,6 bilhões). Os times da liga de futebol vão se valorizar muito.

Clubes com donos
Para os clubes brasileiros poderem competir com os europeus e os americanos, terão que pagar muito bem. Jogador tem carreira curta, quer o melhor contrato e boa qualidade de vida. O Kaká poderia ganhar três vezes mais na China do que aqui, mas preferiu Orlando. Mas, para isso, tem que mudar todo o formato, da economia brasileira à gestão de futebol. Eu prefiro o sistema americano, onde clubes têm donos. É melhor do que associações sem fins lucrativos que movimentam milhões. Esse modelo de Fifa e das federações por aí eu não gosto.

Direitos para TV
O grande negócio do futebol é a venda de direitos para a TV. O futebol nos EUA não era televisionado, então não tinha como virar um grande negócio. Há quatro anos, a MLS (Major League Soccer, a liga americana) conseguiu romper essa barreira e vender os direitos por US$ 17 milhões (R$ 39 milhões). De 2007 para cá, quinze estádios novos foram construídos. Não era uma iniciativa isolada. Este ano foi assinada uma renovação pelos direitos e o valor já subiu para algo entre US$ 100 milhões (R$ 228 milhões) e US$ 140 milhões (R$ 320 milhões) por ano, dependendo da audiência. Este ano ficou claro que o futebol nos EUA aconteceu. Daqui a oito anos, será entre US$ 500 milhões (R$ 1,1 bilhão) e US$ 1 bilhão (R$ 2,3 bilhões). Os direitos da NFL [de futebol americano] valem US$ 3,5 bilhões (R$ 8 bilhões) por ano, então você vê o enorme potencial.

Disputa financeira
Só quando os clubes tiverem essa capacidade econômica, poderão contratar os melhores jogadores e os melhores técnicos. A grande referência dos americanos é a Alemanha e contrataram o Klinsmann de técnico da seleção para um projeto de longo prazo. Ele é muito bem pago. Mas você só tem os melhores jogadores quando têm dinheiro. No Brasil, nasce jogador bom todo dia, mas não conseguimos segurar. Os EUA já não são os bobinhos do futebol, eles são bem competitivos e sempre chegam às oitavas de final, pelo menos.

Aprender com a Europa
Fizemos um contrato de parceria entre o Orlando City e o Benfica, de Portugal. Eles estão entre os cinco maiores da Uefa, apesar de não estarem em mercados enormes e maduros, como o Bayern, Barcelona, Real Madrid, Chelsea ou o Milan. É um clube muito empreendedor. Como os direitos de TV em Portugal que eles recebem são 12 vezes menores que Real Madrid ou Chelsea recebem, eles criaram seu próprio canal de TV e tem 200 mil assinantes. Eles têm 300 mil sócios torcedores que pagam mensalidade, criaram um dos museus mais visitados de Portugal, o Museu Benfica (atrás da Fundação Gulbenkian e do Museu dos Coches) e têm um Centro de Formação de Alta Performance para os garotos de 14 a 18 anos que já passaram pela escolinha. Eles poderão emprestar jogadores para nós, o Orlando poderá vender para o Benfica. Para eles, é a entrada no mercado americano, com todo o seu potencial.

Americanos jogam
Morei três anos nos EUA e acompanhava o meu filho nos treinos e nos jogos de futebol. Fiquei impressionado com a quantidade de garotos e seus pais envolvidos no futebol. Há 24 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos que praticam futebol regularmente. A média de público da MLS já é bem superior à do Campeonato Brasileiro.


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