Folha de S. Paulo


No futebol, há mais atletas e menos boleiros, diz Prass

Fernando Prass, 35, acredita que os boleiros estejam com os dias contados.

O goleiro do Palmeiras, um dos líderes do Bom Senso F.C., movimento que reúne mais de mil atletas e pede mudanças no futebol brasileiro, acredita que os jogadores incapazes de adotar um comportamento mais profissional tendem a perder espaço no futebol moderno.

"Os jogadores têm se portado cada vez mais como atletas, preocupados com questões importantes que vão além dos jogos", afirma em entrevista à Folha.

Entre as "questões importantes" a que se refere, estão a mudança do calendário dos jogos e a atenção às aposentadorias.

Prass, aliás, é o que se pode chamar de antiboleiro.

Casado desde 2003, nunca teve o nome ligado a noitadas nem costuma andar com o corte de cabelo da moda.

Em vez disso, sempre planejou gastos pensando no que iria fazer ao se aposentar. "O jogador de futebol trabalha por 15 anos para viver outros 30", afirma.

Prass já tem planos para quando parar, daqui a seis, sete anos, conforme prevê.

"Penso em estudar direito para ser advogado como meu pai e minha mulher", conta o camisa 25 do Palmeiras.

O goleiro é um dos destaques do Palmeiras no Paulista. Com média de 3,6 defesas por jogo, segundo o Datafolha, é o sexto goleiro que mais tem feito intervenções.

Em ano de Copa, tal desempenho poderia colocá-lo na rota da seleção, para a qual nunca foi convocado?

"Acho que não. Goleiro é posição de confiança, que o técnico escolhe e não fica mais testando", diz, realista, embora não deixe de sonhar: "Mas, até um dia antes de me aposentar, eu vou sonhar com essa possibilidade".

*

Folha - Você crê viver hoje a melhor fase de sua carreira?
Fernando Prass - É difícil analisar. Talvez eu não esteja no melhor momento de minha carreira. Mas os outros grandes momentos que eu tive, no máximo, empatam com o atual.

Do ponto de vista intelectual, você parece mais preparado que a média dos jogadores de futebol. A que se deve isso?
Eu estudei até a metade do curso superior de educação física. Nunca quis parar, mas precisei abandonar os estudos em 2000. Quando eu parar, vou voltar a estudar. Penso em cursar direito, como minha mulher e meu pai fizeram. Talvez trabalhar com direito esportivo.

Interessou-se por direito após se juntar ao Bom Senso F.C.?
Não. Acho que o Bom Senso foi uma consequência.

O jogador não costuma pensar no fim da carreira com muita antecedência, não é?
Pois é, e isso gera problemas para a nossa categoria. Tem os que ganham muito, que conseguem se manter quando param. Mas há os que não se destacam, que chegam aos 40 anos sem dinheiro. Essa é a maior parte.

Acha mesmo?
Sim. É ignorância generalizar, dizendo que jogadores ganham muito. Menos de 5% têm altos salários. No começo da carreira, joguei pela Francana [time de Franca, no interior paulista] e nem salário recebia. Só comia arroz com salsicha.

Acredita que o futebol esteja se organizando mais?
Sim. O caminho ainda é longo, mas os jogadores têm se portado cada vez mais como atletas, preocupados com questões importantes que vão além dos jogos propriamente. Há cada vez mais atletas e menos boleiros no futebol.

Acha que ainda será atleta quando as reivindicações do Bom Senso forem atendidas?
Espero que sim, mas não sei. Parece que falta vontade política de alguns dirigentes para mudar algo no futebol. Já faz oito meses que começamos a fazer propostas e, até agora, a única coisa que mudou foi termos uma semana a mais de pré-temporada. Nunca dissemos que nossas propostas eram as únicas, as melhores. Só que ninguém mais propôs algo.

Já se considera ídolo do Palmeiras?
Não. Para ser ídolo, são necessários títulos, identificação. Se ganhar o Campeonato Paulista, esse processo de me tornar ídolo pode começar, mas ainda está longe. Ídolo é o Marcos. Não se pode banalizar assim o termo.

E vai ter tempo de se tornar ídolo no clube?
O Palmeiras vai ser meu último clube. Tenho contrato até 2015, mas quero renovar por mais dois ou três anos. Eu acredito que terei esse tempo.

Adriano Vizoni/Folhapress
Fernando Prass, goleiro do Palmeiras, posa para fotos
Fernando Prass, goleiro do Palmeiras, posa para fotos

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