Folha de S. Paulo


Análise: Schumacher e os perigos de esquiar no começo da temporada

Dezembro é o começo da temporada de esqui, mas o acúmulo de neve que se forma nos meses de inverno mal começou. As encostas mais baixas podem estar descobertas e necessitadas de neve artificial, e mesmo nas encostas mais altas é comum ouvir o barulho de pedras esburacando as partes inferiores dos esquis e das pranchas de snowboard.

Nas pistas, o perigo é pequeno porque a superfície básica é normalmente formada por prados ou cascalho liso, mas fora das pistas, como no lugar em que Michael Schumacher se aventurou, pode haver campos de pedras maciças e rochedos que ficam obscurecidos pela neve recentemente caída mas estão desprovidos de cobertura suficiente para atenuar impactos.

No final da temporada, essas rochas normalmente estão cobertas por metros de neve compactada, mas em dezembro a cobertura pode ter menos de um metro. As áreas de esqui fora de pista em dezembro se assemelham a um mar com recifes pontiagudos logo abaixo da superfície.

Quando você esquia fora das pistas, não consegue ver os esquis, porque eles ficam cobertos pela neve, que também pesa sobre eles. Se você atinge uma rocha ou obstrução, os esquis empacam naquele ponto e o corpo do esquiador é catapultado deles, e a pessoa cai de cabeça. O voo pode ser bastante longo, a depender da velocidade e da inclinação da encosta. Se você cai sobre um trecho com neve macia, a experiência pode ser empolgante, mas se há alguma coisa mais sólida em sua área de aterragem, esta pode ser fatal.

Isso pode se aplicar igualmente ao esqui em pista. Em março de 2009, a cobertura de neve estava começando a derreter, e a atriz Natasha Richardson caiu durante uma aula de esqui em uma encosta para principiantes no centro de esqui canadense em Mount Tremblant, bateu a cabeça em uma pedra e morreu pouco depois.

Mas a despeito de acidentes muito alardeados e de mortes em avalanches, os esportes de montanha são relativamente seguros. Mile Langran, médico radicado em Aviemore e presidente da Sociedade Internacional de Segurança no Esqui, disse que os esportes de neve têm em média dois a três ferimentos por mil participantes, o que se compara extremamente bem ao futebol e ao rúgbi.

"Com respeito a lesões fatais, nos 10 últimos anos cerca de 41,5 pessoas ao ano morreram, em média, em acidentes de esqui e snowboard. Na temporada 2010/2011, cerca de 47 acidentes fatais ocorreram, nos 60,5 milhões de dias de esqui e snowboard reportados durante a temporada", ele disse à rede de notícias CNN.

"O número de fatalidades equivale a um índice de 0,78 por milhão de. visitas de esquiadores e snowboarders. Ainda que isso não ofereça comparação direta, nos Estados Unidos 2,4 mil pessoas se afogaram nadando em águas públicas, em 2009, e 800 morreram em acidentes de bicicleta".

O número de admissões em prontos-socorros por ferimentos de cabeça tende a sustentar a teoria de que os esportes com bola e o ciclismo são tão perigosos quanto os esportes de neve, ou até mais. Em 2010/2011, cerca de 11 milhões de norte-americanos praticaram esqui, e 16.498 foram hospitalizados com lesões de cabeça, de acordo com a Associação Americana de Cirurgiões Neurológicos. Em comparação, cerca de 18 milhões de pessoas jogaram futebol, e 46.948 sofreram lesões de cabeça. No ciclismo, os números são de 46,8 milhões e de 85.389, respectivamente.

A partir de 26 de dezembro, houve diversas mortes nos Alpes devido a avalanches, porque a neve fresca ainda não se misturou bem à neve bem compactada que existe sob a nova camada. Um aumento na temperatura tornou mais fácil a dissolução da neve fresca. Na sexta-feira, a apenas alguns quilômetros de distância do local do acidente de Schumacher, em Courcheval, Lionel Blanc estava caminhando com peles presas aos seus esquis, rumo ao albergue de montanha que atende a praticantes do esqui sem pista que ele dirigia, quando foi morto por uma avalanche.

Schumacher não estava em uma área perigosa. Reportagens a descrevem como área de esqui sem pista - o que é verdade no sentido literal, mas a melhor descrição para o local seria "área de esqui entre pistas". A visibilidade era boa e o acesso dos serviços de emergência é fácil. É o tipo de área na qual esquiadores menos experientes podem ir parar por acaso, especialmente mais tarde na temporada, quando o esqui de pista e o sem pista parecem muito semelhantes.

Schumacher e o filho esquiavam há anos e certamente se sentiam muito confortáveis nas condições encontradas. Provavelmente estavam descendo do pico de Saulire quando decidiram dobrar à direita para entrar no vale do Meribel, em lugar de dobraram à esquerda na direção de Courcheval.

Ao descerem, à direita e a acima estariam vendo o Grand Couloir, por sob a gôndola de Saulire, uma brecha acentuada e larga que é o sonho de aventura de muitos esquiadores e snowboarders. Certamente devem ter visto as marcas em forma de S deixadas pelos esportistas que arriscaram manobrar na área tão cedo na temporada.

Poderiam ter escolhido a pistas de Mauduit, que é difícil e muitas vezes não tem manutenção, o que permite que a neve se acumule em moguls ou calombos. Ou seguido a pista de La Biche, marcada em azul, mas ela é íngreme e veloz em certos trechos.

Os dois provavelmente decidiram que gostavam da cara de um bolsão de neve fresca e relativamente intocada entre as duas pistas. No topo desse bolsão, há um pequeno despenhadeiro que algumas pessoas usam para salto - mas provavelmente não tão cedo na temporada. Ao que parece, os Schumacher estavam interessados em deixar suas marcas em um pedaço de neve intocada.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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