Folha de S. Paulo


Matemático ajuda Ponte a entender campanhas de semifinalista e vice-lanterna

A Ponte Preta tenta compreender por que é semifinalista na Copa Sul-Americana e vice-lanterna do Campeonato Brasileiro. Enquanto isso, o time de Campinas enfrenta o São Paulo em Mogi Mirim, nesta quarta-feira, às 21h50 de Brasília, podendo perder por 2 a 0 no duelo de volta para chegar à decisão do torneio continental.

Seu Departamento de Matemática e Estatística constatou, na virada de 3 a 1 sobre a equipe tricolor no Morumbi, mais desarmes, posse de bola, sequência de passes e chances de gol do que na competição nacional.

"É outro time, mais compacto e eficiente", disse à Folha o matemático Laércio Venditti, chefe do grupo que analisa os números ponte-pretanos.

Ele registrou cifras semelhantes na vitória por 2 a 0 sobre o Vélez Sarsfield na Argentina, pelas quartas de final.

"No Brasileiro, o time entra para ganhar. Na Sul-Americana, para não levar gol. Num lado, tenta não ser rebaixado; no outro, pode ser finalista. O brio dos jogadores fica diferente", comparou Venditti, que é professor da Universidade de Campinas (Unicamp).

Nelson Almeida-21.nov.2013/AFP
O lateral direito Artur (à direita), da Ponte Preta, disputa a bola com o atacante Luis Fabiano, do São Paulo, no Morumbi
O lateral direito Artur (à direita), da Ponte Preta, disputa a bola com o atacante Luis Fabiano, do São Paulo, no Morumbi

Seus estudos já haviam identificado um conceito para a Ponte Preta. Quando ela desarma bastante, comete mais faltas, tem menos posse de bola, porém consegue mais vitórias. "Repetimos isso algumas vezes. No final do Brasileiro de 2012, na Série B em 2011, em períodos do Paulista deste ano", contou o matemático.

Cerca de 15 jogadores do elenco mantêm esse padrão com frequência. Mas a escalação sofre mudanças por causa de suspensões, lesões e desgaste físico na maratona de jogos do Brasileiro. Na Sul-Americana, com intervalo maior entre as partidas, Venditti aponta condições mais favoráveis à montagem do "time ideal".

"Nela, é mais alto nosso nível no sistema de marcação. É o tipo de postura que funciona nesse tipo de competição [de mata-mata]. Com esses ingredientes, motivação e entrega --que tem sido bem maior do que no Brasileiro-- não me surpreende a diferença de campanhas", opinou Venditti.

Ele não interfere na equipe, mas oferece informações e análises detalhadas para a comissão técnica do clube.

Existem, por exemplo, uma dupla de zaga e um volante que, juntos, costumam cumprir os objetivos numéricos desejados pelo treinador Jorginho.

Há 17 anos nesta função, Venditti chegou a elaborar uma estratégia de jogo adequada às características do clube. Com atletas de determinado perfil, seria possível atingir as estatísticas que confirmam os êxitos da Ponte. Ou seja, privilegiando marcação forte, roubadas de bola e eficiência na finalização.

"O 'time de guerreiro' de que falam é isso. Ganhando 10% do que outros clubes [Corinthians e Flamengo] arrecadam com TV, não dá para jogar como eles", avaliou Venditti.

Mas ele sabe que o futebol está longe de ser uma ciência exata. "O erro passa pelo fator emocional, pelo desgaste físico".

O Departamento de Matemática e Estatística da Ponte Preta surgiu em 1996 como uma parceria com a Unicamp. "Foi iniciativa minha, e a gente foi estudando isso ano a ano com a parte científica da universidade", disse Venditti. "O clube abriu as portas e acreditou nisso, apostou numa coisa que deu certo".

Ele diz que, por serem pioneiros no Brasil, tiveram que se basear no trabalho feito no basquete. Começaram anotando a quantidade de conclusões a gol e passes corretos.

Hoje, sete ou oito alunos de Educação Física, Matemática e Estatística da Unicamp colaboram nos jogos. Cada um se ocupa de um fundamento, da Ponte e do adversário. Ficam nas cadeiras sociais do estádio Moisés Lucarelli. Nas partidas fora de casa, usam a TV. Os duelos são gravados e podem ser conferidos, se for necessário.

Venditti filtra as informações coletadas. No dia seguinte, apresenta e discute o relatório com o treinador. "Não dá para fazer isso em tempo real, o volume de informações é grande demais", descartou.

Desde que ele iniciou estas análises, mais de 30 técnicos passaram pela Ponte. "Alguns adeririam e se beneficiaram, outros não entendiam que é um instrumento para eles, para mostrar quais são as virtudes e defeitos do time", relembrou o matemático.

Ele não revela os custos dessa prestação de serviço com transporte, alimentação, mão de obra e material de trabalho. Mas o dinheiro pago pelo clube não cobre esses gastos.

"Isso não é um emprego, minha profissão é professor. É mais pela oportunidade e pelo amor à Ponte", admitiu. "Para marcar festa de aniversário na família, consultamos a tabela de jogos para evitar coincidência de datas".

Durante períodos curtos, ele também colaborou para treinadores que estavam em Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Portuguesa.


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