Folha de S. Paulo


Não vou agradar a todos, ser vaiado é um problema de luxo, diz Vettel

Esqueça os três títulos mundiais, as 35 vitórias, todos os recordes de precocidade e o fato de estar reescrevendo a história da F-1.

Quando está longe de Heidi, nome de sua Red Bull neste ano, tudo que Sebastian Vettel quer é ter os problemas normais de um jovem de 26 anos, dono de um labrador chocolate. Mas nem sempre é possível.

A dez pontos, ou um quinto lugar, de tornar-se amanhã, no GP da Índia, às 7h30 (de Brasília), o mais jovem tetracampeão da história da categoria, o piloto alemão recebeu a Folha no escritório da Red Bull em Greater Noida.

Bastante descontraído e bem humorado, falou do desejo de assistir à Copa no Brasil, de filhos, de dinheiro e do "problema" que ganhou recentemente com tantas vitórias consecutivas --venceu as últimas cinco etapas--: as vaias de fãs ao redor do mundo.

"Claro que não é uma coisa legal porque todo mundo quer ser querido. Mas honestamente, acho que este é um problema de luxo de se ter."

Folha - Você às vezes para e pensa em tudo o que já conquistou com apenas 26 anos?

Sebastian Vettel - Não. Claro que às vezes você olha pra trás, mas... Não sei, acho que é melhor olhar para a frente. Quando me perguntam se este é o melhor dia da minha vida, geralmente digo que espero que o melhor ainda esteja por vir. Quando eu me aposentar da F-1 espero que o melhor dia esteja por vir. Claro que vai ser uma vida diferente depois disso, mas seria triste dizer aos 26 anos que o melhor dia da minha vida foi há três. Ainda tenho tempo e por isso sempre devemos olhar para o futuro.

Você gosta de futebol, pretende ir ao Brasil ver a Copa?

Adoraria ir, mas não sei se teremos corridas... E pelo que vi os ingressos já acabaram.

Mas não seria difícil para você conseguir entradas...

Sim, mas não gosto de usar minha posição para ter tratamento diferente. Se eu puder comprar um ingresso eu compro, se não der, não compro.

Qual foi a última coisa que você comprou que achou cara?

[Longa pausa] Estou pensando não porque tenho tanto dinheiro que nada é caro para mim, mas porque não lembro... [risos] Uma coisa grande que comprei?

Não precisa ser uma coisa grande, pode ser uma bolsa que você viu para a sua namorada e achou muito cara...

Não compro bolsas porque sempre vai ser a errada. Vocês mulheres são difíceis e mudam de ideia rápido. "Você disse que gostava desta... Não, não gosto mais" [risos]. Adoro ferramentas, coisas para trabalhar fora de casa, comprei uma serra elétrica de metal. Então não se meta comigo porque eu tenho uma serra elétrica [risos].

Tem ideia do dinheiro que tem?
Acho que é o mesmo para todo mundo. Se você perguntar para qualquer jovem de 26 anos quanto dinheiro ele tem não vai ter uma resposta direta. Mas tenho uma ideia.

É você quem investe?

Sim. Se eu colocar dinheiro ali não acredito que ele terá bebês, isso é contra o princípio do dinheiro. Mas se você deixar ele parado vai acabar perdendo. Não tento fazer mágica nenhuma. Estou feliz com o que tenho e com minha situação. Mas meu dinheiro não está fazendo bebês [risos].

E você, quer ter bebês?

Eles custam dinheiro...

Mas você tem condições de ter pelo menos um, não?

Sim, mas acho que ainda tenho tempo para isso. Ainda está longe. Se olhar para minha infância e como meus pais me criaram, aprecio o fato de terem passado tempo comigo. Acho que se você tem tempo para ficar com seus filhos é a melhor coisa que pode fazer por eles. Não importa o que eles façam depois.

Para ser um piloto bem sucedido, qual o nível de comprometimento que você precisa ter quando está em casa?

Esta é sua vida, então é preciso viver o esporte. Mas ao mesmo tempo é preciso ter uma vida normal, problemas normais. O que quero dizer é ter dias normais, longe da pista, para ter a energia de estar em forma de novo para se focar outra vez e outra vez. Mas mesmo longe é preciso treinar, pois nunca se está em forma o suficiente. O nível de concentração que nos é exigido na F-1 é enorme.

E isso não te traz problemas?

Sim, sem dúvida, mas aí é uma questão de você encontrar um equilíbrio e ter as pessoas certas do seu lado, que entendam, e que estejam felizes em abrir mão de algumas coisas, seja sua namorada ou sua família. Pessoas que entendam que você não está perto o tempo todo e mesmo quando está, talvez esteja com a mente muito ocupada. É difícil para mim, mas também é bem difícil para eles.

Todo mundo gosta de ser admirado e neste ano você já foi vaiado algumas vezes. Isso não te incomoda mesmo?

Claro que não é uma coisa legal, porque como você disse, todo mundo quer ser querido. Eu não faço o que faço para agradar às pessoas, mas, obviamente seria melhor ter uma resposta positiva. Mas temos que colocar estas coisas em perspectiva. Nem todo mundo está lá te vaiando. De cem pessoas, talvez dez te vaiem, mas as atenções não estão voltadas para os 90 que te parabenizam. No fim, o importante é estar feliz consigo mesmo e fazer as coisas do jeito que você acredita que estão certas, sabendo que alguns vão gostar e outros, não. Quando você vai a um estádio de futebol é igual. Imagine ir ao Camp Nou ver Barcelona e Real Madrid e o Cristiano Ronaldo faz o gol do ano. Alguns catalães vão aplaudir, outros não. E certamente eles serão a maioria, pois o Barcelona perdeu. O que quero dizer é que isso é normal e acontece na F-1 também. Mas honestamente acho que este é um problema de luxo de se ter.

Você disse que vencer corridas é melhor do que vencer campeonatos. Por que?

Quando você está no grid antes da corrida, é nisso que você pensa. Claro que você tem uma meta para a temporada e descobre rapidamente se vai poder lutar pelo título ou não. Com certeza o campeonato tem muito mais peso, mas as corridas são diferentes porque você comemora no dia que acontecem. Você não pode vencer o campeonato em uma corrida, então, obviamente, sempre haverá uma corrida no final que te leva ao sim, você ganhou o campeonato, ou não, você não ganhou. Você pode ter uma corrida de merda, terminar em sétimo e ainda assim ser campeão, entende? Então é uma sensação estranha. Mas no fim são os títulos o que realmente queremos, apesar de serem menos palpáveis. Você trabalha o ano inteiro por aquilo e, de repente, acabou.

Em 2010 você conseguiu os dois ao mesmo tempo...

Sim. Naquele ano tudo era muito difícil. Mas é isso. Quando um campeonato acaba é como bater numa parede, ganhando ou perdendo. Em 2009, no Brasil, obviamente depois da corrida o campeonato estava perdido. Muitas pessoas achavam que já tinha terminado, que o Jenson {Button] já era campeão, mas eu ainda acreditava. Você tem um sonho e acredita nele até o fim. Quando acaba e você não conseguiu seu objetivo é como bater numa parede. E o mesmo acontece quando você ganha. Você está tão tenso, tão concentrado, e de repente tem que se sentir aliviado, se sentir fantástico.

Você também disse que a primeira vez que guiou um F-1 pensou "Isso não é para mim, é coisa para homem de verdade". Quando foi a última vez que sentiu medo num F-1?

Eu não diria medo. Obviamente, é impossível ter a mesma sensação que a do primeiro teste porque quando sento no carro agora eu sei o que esperar. Eu sei a potência, sei o quão rápido posso fazer as curvas e assim por diante. A primeira vez que sentei no carro eu assustei. Era muito mais do que eu esperava.

Qual o barato de guiar um F-1? Como descreve a sensação?

É muito difícil explicar. Mas acho que o mais bacana é sentir o carro. Em uma pista como Suzuka, que tem as curvas de alta, você sente que o carro pode fazer. Num hairpin você freia mais tarde e senta a tração fantástica, mas não é a mesma coisa que fazer uma curva de alta a 250, 260 km/h. Você está no limite, em quinta, você sente a força G, a potência. Isso dá muita satisfação. Tem também a perfeição. Quando você faz uma volta na classificação e faz todas as curvas certas, é demais. E tem também o prazer da corrida, quando você tem que ser consistente por muitas voltas, sem errar. E claro, quando você disputa posição com alguém e ganha. A sensação é fantástica. Quando você perde não é tão bom.

NA TV
GP da Índia de F-1
7h30 de domingo (horário de Brasília) Globo


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