Folha de S. Paulo


Temporada dura só 4 meses para pelo menos 20% dos profissionais do futebol no país

O ano acabou para o zagueiro Felipe Navarro, 23. E já faz tempo: seis meses.

Sua temporada teve 12 jogos no Campeonato Sul-Mato-Grossense e acabou com a eliminação do Corumbaense, em março.

O defensor não sofreu nenhuma grave lesão nem decidiu dar um tempo na carreira. Apenas não recebeu nenhuma boa oferta para jogar.

É essa a realidade de parte considerável dos profissionais de futebol no país-sede da Copa do Mundo de 2014.

Enquanto os atletas da elite se reúnem para reclamar que disputam partidas em excesso, os outros sofrem com a falta de um calendário que lhes dê emprego e estabilidade durante 12 meses.

O Brasil conta hoje com 14.656 jogadores profissionais com contratos em vigor.

Segundo o departamento de registros da CBF, esse número era de 20% a 30% maior entre janeiro e maio, período dos Estaduais.

Considerando o percentual mais modesto (20%), cerca de 2.900 atletas estavam ligados a clubes no início do ano e hoje não possuem vínculo com nenhuma equipe.

São profissionais como Navarro. Conseguem trabalhar por, no máximo, quatro meses por ano e ficam à espera de um novo janeiro vivendo do cachê que recebem por disputar jogos amadores.

"O Brasil adotou uma forma elitista, que privilegia o Nacional e desvaloriza os Estaduais. Quem não está nas Séries A ou B não consegue jogar o ano inteiro", diz o vice-presidente da Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol, Alfredo Sampaio.

Os 40 clubes das duas primeiras divisões do Campeonato Brasileiro são os únicos que possuem calendário oficial de janeiro a dezembro.

A Série C assegura partidas para todos os seus participantes até outubro. E a D, criada em 2009 pela CBF justamente para amenizar esse parco número de jogos, até agosto.

Dos 653 clubes inscritos em torneios profissionais no Brasil em 2013, só 218 (33%) terão jogos oficiais nos dois semestres. Os outros 435 funcionam por quatro meses, no máximo.

Ou até menos. A primeira divisão do Amapá vai de julho a outubro. E não há outro torneio no Estado.

"É impossível fazer futebol assim", reclama o presidente do Ypiranga, vice-campeão estadual, Tupan Duarte.

O cartola conta como se vira para montar um time de curto prazo. "Começamos a contratar os jogadores 15 dias ou um mês antes do campeonato. Fazemos contrato de três meses, que é o mínimo que a legislação permite. Quando acaba, demitimos todo mundo, até a cozinheira."

Duarte diz que mal consegue arcar com os R$ 100 mil de folha de pagamento durante os meses com futebol na ativa. Imagine, então, no resto do ano, quando a fonte de recursos seca...

Tarso Sarraf/Folhapress
O Remo não disputa uma partida oficial desde maio e tem se mantido em atividade graças a amistosos
O Remo não disputa uma partida oficial desde maio e tem se mantido em atividade graças a amistosos

NO VERMELHO

É para evitar o prejuízo que alguns clubes preferem fechar as portas por boa parte da temporada, mesmo quando há calendário disponível.

"É mais fácil conseguir R$ 2 milhões para disputar o Estadual do que R$ 500 mil para a Copa Paulista", diz o supervisor de futebol do Atlético Sorocaba, Ney de Paula.

O time liberou em maio 20 dos 30 atletas que haviam atuado na primeira divisão de São Paulo e optou por ficar fora de um torneio criado para movimentar os clubes no segundo semestre.

A Copa Paulista ainda sobrevive, mas suas semelhantes definham. A Taça Minas, que daria jogos aos pequenos até o fim do ano, acabou cancelada neste mês por falta de interesse dos times.

O Remo, do Pará, semifinalista da Copa do Brasil em 1991, até gostaria de ter um torneio desses em seu calendário. Sem jogar oficialmente desde maio, optou por manter o futebol vivo disputando amistosos. Os jogadores mais caros foram embora, e os salários caíram.

"Em 2012, consegui jogar o tempo todo, mas fui me adaptando. Disputei a segunda divisão do Mineiro pela URT no começo do ano", conta Navarro. "Depois, topei receber a metade para ficar até julho no Junior Team [segunda divisão do Paranaense] e a mesma coisa para ficar de agosto a dezembro no Valério [terceira de Minas]."


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