Folha de S. Paulo


Hoje tímida e de fala tranquila, Rafaela Silva era bastante agitada quando criança

Uma menina boa de briga, desbocada e criada no coração de uma das maiores favelas do Rio de Janeiro tornou-se hoje a primeira brasileira campeã mundial de judô.

Rafaela Silva, 21, conquistou o título da categoria leve (até 57 kg) ao vencer na final do Mundial do Rio a americana Marti Malloy por ippon.

Antes, vencera outras quatro lutas, com autoridade.

A medalha foi a terceira do Brasil na competição. Todas foram obtidas pelas mulheres da seleção --um bronze de Sarah Menezes e uma prata de Érika Miranda.

Até hoje, o país havia obtido quatro ouros em Mundiais, todos no masculino.

O ouro de Rafaela, pela cor, pelo ineditismo e por tudo que envolve a protagonista, tem um significado singular.

Rafaela passou a infância e a adolescência na Cidade de Deus, comunidade carente na zona Oeste do Rio, que já foi cenário de filme e sinônimo de violência.

Hoje tímida e de fala tranquila, Rafaela era bastante agitada quando criança.

Virava e mexia arrumava briga nas ruas da favela. Um dia, porque escondiam seu chinelo. No outro, porque lhe tomavam a bola.

"Viviam me sacaneando. Aí, eu arrumava confusão", lembrou certa vez, em entrevista à Folha.

Não restou aos pais outra saída a não ser tentar arrumar diferentes meios de acalmar a filha. A levaram ao Instituto Reação, onde descobriu o judô. O projeto, fundado pelo ex-judoca Flávio Canto e pelo ex-técnico Geraldo Bernardes, fica na favela.

Foi no tatame que Rafaela mostrou ser boa de briga.

Em 2008, aos 15, virou campeã mundial júnior. No ano seguinte, ficou em quinto lugar no Mundial de Roterdã, no adulto. Duas temporadas depois, foi vice em Paris.

A carreira sofreu um abalo durante os Jogos Olímpicos de Londres, em 2012.

Favorita ao pódio, a brasileira foi eliminada logo na segunda luta, contra a húngara Hedvig Karakas, por aplicar um golpe irregular.

A reação de torcedores brasileiros no Twitter, virulenta, foi rebatida com palavrões pela judoca, que repensou a carreira e chegou a subir de categoria, para atletas mais pesadas, mas desistiu.

O Mundial do Rio foi só a terceira competição que fez desde que voltou a lutar contra rivais de até 57 kg.

O caminho para o ouro, em 2016, ela sabe. Literalmente. O Parque Olímpico fica a 7 km de casa, na Cidade de Deus.


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