Folha de S. Paulo


Cria de "laboratórios secretos" soviéticos, novo chefão do atletismo exige mais rigidez

"Ahtoshka" era essa maneira carinhosa pela qual os russos chamavam Antonio Carlos Gomes durante os 11 anos em que ele estudou em Moscou.

O diminutivo nos nomes, algo como Toninho, porém, é das poucas semelhanças que o novo chefão do atletismo brasileiro recorda do tempo (1986 a 1997) em que esteve dentro dos "laboratórios secretos" da ex-União Soviética acompanhando o trabalho dos cientistas do esporte russo.

Arquivo pessoal
Na Rússia, em 1994, o treinador Antonio Carlos Gomes recebe visita da ex-mulher Nanci Glade Gomes, hoje empresária de 52 anos, e da filha Danhara Glade Gomes, atualmente com 23 anos
Na Rússia, em 1994, o treinador Antonio Carlos Gomes recebe visita da ex-mulher Nanci Glade Gomes, hoje empresária de 52 anos, e da filha Danhara Glade Gomes, atualmente com 23

Novo superintendente de alto rendimento da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt), Gomes, 53, quer revolucionar a modalidade com mais rigidez junto aos atletas e integração dos treinadores.

"Incomoda, com o tamanho do Brasil, ir à Olimpíada, disputar 140 medalhas e não trazer nenhuma como em Londres. Temos um objetivo concreto: resgatar a participação do Brasil em olimpíadas medalhando", diz Gomes à Folha.

Mestre e doutor pelo Instituto Estatal da Ordem de Lenin, na capital russa, ele tem um plano que começa pela iniciação esportiva para mais de 3 milhões de crianças, criação de mais de cem núcleos de aperfeiçoamento pelo país e a remodelagem de quatro centros nacionais de alto rendimento.

"É uma mudança grande que já está funcionando. Dinheiro não falta", afirma. A CBAt receberá, até 2016, cerca de R$ 31 milhões por ano do governo e de patrocínio.

As propostas ainda não devem surtir efeito no Mundial de atletismo, que começa dia 10, em Moscou, "segunda casa" de Gomes, que chefiará a delegação brasileira e projeta oito finais com brasileiros na competição.

Na volta do campeonato, o projeto é ter os principais competidores concentrados por mais tempo, criar um sistema nacional de treinamento e afunilar a seleção para levar menos e melhores atletas para as grandes competições.

Arquivo pessoal
Antonio Carlos Gomes com esposa e filha, em 1994, na Rússia
Antonio Carlos Gomes com filha e esposa na Rússia, em 94

"Na Rússia existe um sistema organizado, um conceito, metodologia. Nós temos tudo isso solto no espaço. Precisamos juntar as cabeças do atletismo brasileiro. Se atacarmos em massa no Brasil, em dez anos podemos virar uma potência."

Um fórum nacional já está marcado para outubro. Discutirão propostas polêmicas do paranaense que chegou ao cargo a convite do novo presidente da CBAt, José Antônio Martins Fernandes, que assumiu em março o lugar de Roberto Gesta de Melo, após este ficar 26 anos no poder.

"A mudança cultural é dura. Precisamos de tempo. O nosso atleta não está acostumado a concentrar. Ele treina e vai para casa, para a discoteca. Ser atleta não é ter uma vida comum. E isso é duro no Brasil. Aqui tem muita praia, gente bonita, balada".

Entre os soviéticos, Gomes sofreu com frio, preconceito e com a língua, mas também pode ver atletas no auge, como o ainda recordista mundial do salto com vara, Sergei Bubka.
Para ele, o campeão olímpico de Seul-88 é referência.

"Sete meses por ano a Rússia está coberta de neve. Tinha só um lugar maravilhoso para passear: a pista de atletismo. Não é pior ou melhor, é diferente de nós".

No Brasil, ele quer "fechar bem o funil" da seleção.

"Em 2016, estaremos atentos aos que estiverem entre os dez melhores do mundo, com um programa específico para eles. Em 2015, nos 15 do mundo. Em 2014, os 20", diz.

Este ano, o Brasil vai com 32 atletas para o Moscou. "No Mundial de 2015, não vamos levar mais de 20".

Ou seja, para os atletas brasileiros, o inverno está chegando.

Gabo Morales/Folhapress
O novo superintendente de alto rendimento da Confederação Brasileira de Atletismo, Antonio Carlos Gomes, posa para a Folha
O novo superintendente de alto rendimento da Confederação Brasileira de Atletismo, Antonio Carlos Gomes, posa para a Folha

Endereço da página:

Links no texto: