Folha de S. Paulo


Leia o 1º capítulo de "A Biografia de Novak Djokovic"

Leia, com exclusividade, o primeiro capítulo de "A Biografia de Novak Djokovic", (ed. Évora, R$ 59,90, 588 págs.), escrita pelo jornalista sérvio Blaza Popovic, que vai ser lançada no Brasil na próxima sexta-feira (24).

1. Um sonho comum

Não é segredo que grande parte do sucesso de Djokovic se deve, principalmente, à sua família. Ele mesmo, sempre que tem oportunidade, ressalta que a harmonia da família é o que o torna forte, que lhe oferece energia e estímulo, e o leva à frente. E o apoio que recebe dos mais próximos não é insignificante. Nunca foi.

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Capa de
Capa de "A Biografia de Novak Djokovic", de Blaza Popovic, ed. Évora, R$ 59,90, 588 págs.

Assim como, na verdade, não são poucas as pessoas que fazem parte da sua família.

Os amantes do tênis ao redor do mundo tiveram muitas oportunidades de, durante vários torneios, ver algumas pessoas que são o espírito do estímulo de Djokovic. Em primeiro lugar, seus pais, Srdjan e Dijana, depois, os dois irmãos mais novos, Marko e Djordje, e seu tio Goran, com quem, em 1999, chegou a Munique na academia do celebrado ás Niki Pilic. Recentemente, os fãs de Djokovic conheceram também sua namorada de longa data, Jelena Ristic.

Mas o que os admiradores ao redor do mundo não tiveram foi a chance de saber algo a mais sobre o restante da família Djokovic. Mas isto também é verdade em relação aos apreciadores do tênis sérvio, que também não tiveram mais oportunidade de conhecê-los. Não porque sejam intocáveis, mas porque, apesar de todo o sucesso de Djokovic, eles levam uma vida bem comum.

E isso não é apenas uma desculpa...

Quando Djokovic joga, sua família, tanto os mais próximos quanto os mais distantes, não assiste somente ao tênis, um evento esportivo de qualidade. Isto é ao que assistem todos os outros. Sua família enxerga o que as pessoas nas arquibancadas não veem, e nele reconhece o que o público à frente da televisão não percebe. Eles sentem como Novak se sente quando ganha ou quando perde. Sabem quando tem autoconfiança e quando está em dúvida. Ficam preocupados quando percebem que está esgotado depois de uma partida de cinco sets, e entendem o olhar que Djokovic lhes lança quando, depois de cada ponto, perdido ou vencido, vira para o seu camarote.

Então, quando se fala de Novak Djokovic, sua família está frequentemente preocupada. Não importa se a partida está para ser decidida a favor de Djokovic ou contra. Se você ama, fica preocupado, é assim mesmo.

Os especialistas no cenário da Sérvia durante a última década do século XX provavelmente não perceberiam a "preocupação" como algum estresse exagerado. Porque naquele país onde Djokovic nasceu e cresceu a preocupação era cotidiana. E em boa parte é ainda hoje.

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Novak Djokovic nasceu em 22 de maio de 1987, em Belgrado, a capital do país que na época se chamava República Federativa Socialista da Iugoslávia (RFSI). A Iugoslávia, o nome mais comum, era composta por seis Estados iguais e duas províncias dentro da Sérvia, um dos Estados. Foi assim desde a Segunda Guerra Mundial até os anos 1990, quando foi destruída depois de confrontos sangrentos. Mas, oficialmente, a Iugoslávia foi constituída, após a Primeira Guerra Mundial, como o reino liderado pela dinastia sérvia Karadjordjevic.

Sua particularidade especial, desde o início, era que, dentro de um mesmo país, sob o mesmo teto, viviam membros de diversos povos e de diversas religiões. E, pelo menos no papel, todos eram iguais. Ao longo da Segunda Guerra Mundial, durante a luta que os povos da Iugoslávia e a força conjunta comandaram contra o fascismo e o invasor, e também uns contra os outros, foi implementada a revolução socialista. Depois da guerra, o rei foi derrubado, e o Partido Comunista, liderado pelo famoso --e em toda Iugoslávia celebrado Josip Broz Tito--, assumiu o poder. E, assim, foi criada a RFSI.

Nela viveram croatas, eslovenos, sérvios, montenegrinos e macedônios, como povos constitutivos (que se juntaram para formar a Iugoslávia), originados dos eslavos do sul, enquanto na Bósnia-Herzegovina, um dos Estados, vivia um grande número de muçulmanos, população local que, na época da "Iugoslávia de Tito", era também a identidade nacional (hoje, eles se veem como bosnianos ou bósnios).

Todos os povos da ex-Iugoslávia possuem uma identidade nacional própria. Têm suas particularidades e são diferentes uns dos outros. Por exemplo, os sérvios, os montenegrinos e os macedônios praticam a religião ortodoxa, enquanto os croatas e os eslovenos, a católica. Mas, apesar das diferenças, esses povos têm muita coisa em comum. Além da história, no espaço onde vivem, e a herança cultural semelhante, dividem também a mesma origem dos eslavos do sul e também a mesma língua falada (as línguas croata, sérvia, bósnia e montenegrina, na verdade, são o mesmo idioma, e somente as eslovena e macedônia são diferentes, apesar de pertencerem ao grupo das línguas eslavas).

Cada povo era maioria em um dos Estados (croatas na Croácia, ou sérvios na Sérvia, por exemplo), mas em todos os Estados viviam membros de todos os outros povos. E na Iugoslávia, consideradas as minorias étnicas, mas oficialmente iguais, vivia um grande número de albaneses, húngaros, eslovacos, russos, entre outros.

Sim, esse era um país muito específico...

Em razão da sua posição geográfica, ao sul da Europa, a península dos Bálcãs desde sempre foi um dos mais movimentados cruzamentos da Europa e do mundo. Para o Ocidente, a RSFI, praticamente o maior país dos Balcãs, era o Oriente e vice-versa. Os Bálcãs realmente unem muita coisa: a Europa com a Ásia, o Ocidente com o Oriente, o islã com o cristianismo...

Como república, a Iugoslávia se equilibrava com êxito dentro das mais ou menos tensas relações entre as grandes potências, em primeiro lugar os Estados Unidos e a antiga União Soviética (atual Rússia).

Foi também uma das fundadoras do Movimento dos Não Alinhados (1961). Esse jogo diplomático, que durante sua vida sustentava o então presidente vitalício Josip Broz Tito foi atuante por mais de uma década após sua morte em 1980. Mas, depois disso, a corda dos não alinhados, pela qual a Iugoslávia andava, abaixo da crise da guerra fria, simplesmente rompeu.

Primeiro, a ideia dos eslavos do sul (Iugoslávia, etimologicamente, significa pátria, comunidade dos eslavos do sul), incorporada no país onde viviam juntos tantos povos, desmoronou como se fosse uma torre de cartas. Em virtude disso, hoje, depois das guerras que marcaram os anos 1990, do começo ao fim, não é estranho que as pessoas dessa região costumem dizer: "Se sentem falta da Iugoslávia, então vocês não têm coração. Mas se a desejam de volta, não têm dois gramas de cérebro".

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Quando, na primavera de 1991, começaram os primeiros conflitos da guerra, que oficialmente anunciou sua desagregação, a RFSI tinha quase 24 milhões de habitantes. Incluindo dados anteriores, existia há 73 anos e ocupava um território de 255.804 quilômetros quadrados.

Nessa primavera, Djokovic tinha apenas 4 anos. Do que era bom na Iugoslávia, provavelmente ele não se lembra. Por outro lado, seus pais, Srdjan e Dijana, seguramente se recordam das qualidades que o então país possuía, mas também, é óbvio, que se lembram do quanto foi difícil o tempo após seu desaparecimento - o tempo em que lutavam
para criar seus três filhos, Novak, Marko e Djordje.

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Srdjan Djokovic nasceu em 1961, em Kosovska Mitrovica (província do sul da Sérvia, Kosovo e Metohia), onde terminou o primeiro e o segundo graus. Cresceu em Zvečan, para onde seu pai foi levado em razão do trabalho. Era uma família grande e unida; como ele próprio diz: "Levei tudo o que aprendi de melhor na vida". Quando o pai de Srdjan, graças à empresa para qual trabalhava, recebeu um apartamento em Belgrado, no bairro chamado Banjica, mudou-se para a capital junto a esposa e os três filhos.

Grande parte do que Novak Djokovic é hoje, deve-se ao mérito da educação de casa. Ali está a origem da sua postura positiva diante da vida, que supõe que se pode considerar perdido somente aquilo que você dispensou, e que qualquer coisa é possível, que é melhor dizer nada do que palavras vazias, porque onde existe muito papo, o trabalho é pouco.

Srdjan Djokovic, em uma de suas entrevistas, disse: "Minha mãe, que já faz muito tempo não está entre os vivos, criou em mim essa relação específica sobre a família e seus valores, que transferi para minha família. Reconheci a mesma coisa em minha esposa, o motivo para me casar com ela".

A irmã de Srdjan, Jelena, lembra-se dos tempos quando Dijana entrou em sua família."Sempre dizia para mamãe: 'Por que não me deu pelo menos uma irmã, tenho dois irmãos mais velhos e não consigo lidar com eles...'. Mas, finalmente, ela apareceu e estabelecemos um ótimo relacionamento que dura até hoje".

Dijana Djokovic (sobrenome de solteira Zagar) nasceu em 1964, em Belgrado. Ali passou a primeira parte da sua vida, depois, por motivo de força maior, como filha de militar que muda com frequência, por alguns anos se deslocou para o sul da Sérvia, na cidade de Ni. Depois de quatro anos, voltou para sua cidade natal, onde terminou o segundo grau e ingressou na faculdade de Educação Física: "Meu pai praticava esporte, então, minha irmã e eu sempre fomos direcionadas para uma vida saudável. De acordo com o jeito e raciocínio sérvios, aprende-se
a enxergar os próprios erros, a ser modesto, e, se você tiver objetivo, achará o caminho. Por outro lado, meu marido também vem de uma família esportista. Ele, assim como seu irmão e sua irmã, praticava esqui.

Srdjan também jogava futebol, e eu, na época, treinava vôlei. Mas esqui definitivamente era o amor da minha vida. Todo o dinheiro que podia guardar usava para poder ir, num fim de semana, praticá-lo ou comprar novas botas para esqui".

Tendo isso em vista, parece que em Novak Djokovic foram idealmente misturadas as duas genéticas esportivas. Por isso, não é estranho que ele, assim como seus irmãos mais novos, seja grande apreciador de esportes, de tênis, sim, mas principalmente esqui. Aliás, esse esporte foi decisivo no caso dos seus pais, porque Srdjan e Dijana se encontraram
pela primeira vez esquiando, em uma das pistas do mais conhecido centro sérvio para esqui, a montanha Kopaonik.

Kopaonik, conhecida também como montanha prateada, é a maior cordilheira da Sérvia. Estende-se de noroeste a sudeste por uma extensão de 75 quilômetros. Ganhou esse nome por sua grande riqueza mineral (Kopaonik, de kop, lugar de onde é tirado minério), explorada desde a Idade Média. Uma parte dela é área protegida como parque nacional, rica em florestas de coníferas, faias e carvalhos, e no lado mais alto, a 2.017 metros acima do nível do mar, encontra-se o topo de Pancic, com o mausoléu do conhecido cientista e naturalista sérvio Josif Pancic, assim homenageado. Nas áreas de Kopaonik há muitas fontes termais e minerais, com muitos spas, assim como uma série de monumentos históricos (igrejas, mosteiros e fortalezas) do período compreendido entre o século XII e o XV.

Além disso, Kopaonik possui também um inacreditável potencial natural, com cerca de duzentos dias de sol por ano (motivo pelo qual merece mais um nome: a montanha ensolarada), porque sua posição, altura e abertura do terreno impedem a permanência de nuvens acima da cordilheira. O ar frio envolve as planícies e baías vizinhas, o que resulta em temperaturas de inverno não extremamente baixas, e a neve que começa a cair no fim de novembro permanece até maio, o que significa quase 160 dias por ano sob um cobertor de neve.

Por tudo isso, em Kopaonik surgiu um dos mais belos centros de esqui dessa parte da Europa, e por decisão da Federação Internacional de Esqui (FIS), desde 1981 a montanha tem status de centro internacional de esqui. Ou seja, a famosa Kop possui tudo que um centro moderno de esqui deve ter: uma rede de hotéis com equipamentos sofisticados e grande capacidade de hospedagem, numerosas pistas para esqui de qualidade (55 km para esqui alpino e 12 km para nórdico), para profissionais, iniciantes, competições etc.; vários teleféricos, elevadores de esqui, parque para snowboard, iluminação para esqui noturno, canhões para neve artificial, além de escolas, creches, centros de fitness, restaurantes, clubes noturnos etc. E foi exatamente na Kopaonik, em uma das pistas de esqui, em 1986, que se conheceram Srdjan e Dijana Djokovic. Naquela época, ele era um experiente instrutor de esqui, e ela vinha com colegas da universidade participar de um curso de esqui.

"Eu me apaixonei nessa pista de esqui, mas não me casei lá, porque primeiro verifiquei tudo muito bem antes de chegar ao casamento", diz Srdjan Djokovic, sorrindo com a lembrança. Sua esposa Dijana acrescenta: "Simplesmente foi um dedo do destino. Na vida, você nunca sabe o que lhe pode acontecer. E quando você se apaixona, é isso. Srdjan e eu namoramos por pouco tempo, e no fim do mesmo ano já nos casamos".

Seu filho mais velho, Novak, conclui sorrindo: "Meu pai foi muito esperto quando, como instrutor de esqui, aproveitou a oportunidade de conhecer e depois se casar com minha mãe...".

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Hoje, praticamente não existe uma pessoa na Sérvia que acompanhe o tênis e não tenha ouvido essa história sobre Kopaonik, decisiva para a família Djokovic. Após se conhecerem e mais tarde se casar, Srdjan e Dijana decidiram continuar a vida comum onde se conheceram. Dentro do complexo de apartamentos chamado Konaci (alojamentos), que fica perto das pistas de esqui, abriram o restaurante Red Bull, que logo se tornaria famoso pela cozinha italiana e pelas panquecas. "O restaurante funcionou por uns bons vinte anos, e sobreviveu porque nele investimos muito trabalho e esforço, mas também porque tínhamos ajuda de fora, da minha mãe, dos pais de Srdjan, irmãos, irmãs, da família mais próxima... Tudo girava em torno do meio familiar", afirma Dijana Djokovic.

Em meados da primavera de 1987, a família de Srdjan e Dijana Djokovic aumentou, com o nascimento do primeiro filho, Novak Djokovic. "Meus filhos cresceram no restaurante", lembra-se Dijana. "Às vezes, os clientes me avisavam que meu filho havia acordado, e Nole (apelido de Novak desde os primeiros dias) não era um bebê chorão. Normalmente apenas abria os olhos e levantava a cabeça como se fosse uma pequena tartaruga; depois, algum cliente o pegava no colo e me entregava. Trabalhávamos cerca de onze horas por dia, até o fechamento, geralmente por volta da meia-noite. Eu adorava fazer pizzas e panquecas, trabalhar no bar, e, quando meus filhos cresceram um pouco, também ajudavam. Levavam os pratos, atendiam os clientes, sempre estavam por ali. Lembro-me de que o caçula, Djordje, numa ocasião fez o melhor cappuccino que jamais tomei. E tinha apenas 5 ou 6 anos."

Naquela época, no fim dos anos 1980, a situação na RSFI ainda era parcialmente estável, mas, aos poucos, começaram a surgir os primeiros sinais de nacionalismo que, com o tempo, levaram a uma verdadeira guerra civil. Enquanto em 1989 caía o Muro de Berlim, e os países europeus cada vez mais se uniam dentro da União Europeia, na RFSI acontecia o contrário. Por exemplo, em 1990, numa partida de futebol entre o clube croata Dínamo e o sérvio Estrela Vermelha, por conta do nacionalismo, aconteceu uma briga geral entre os torcedores (e também alguns jogadores) de ambos os clubes. A polícia interveio; mais de cem pessoas ficaram feridas. Para alguns, pode parecer um vandalismo esportivo comum, mas os acontecimentos que se seguiram logo no ano seguinte mostraram que as intolerâncias nacionais cobrariam um preço alto e sangrento. Mas, para Srdjan e Dijana Djokovic, 1991 significou algo totalmente diferente. Ganharam seu segundo filho, Marko.

As condições socioeconômicas nas quais foram pais pela segunda vez eram tudo, menos boas e felizes. Primeiro, Belgrado (mas também a Sérvia inteira) foi sacudida pelas demonstrações em massa de 9 de março contra o regime do então presidente, Slobodan Milosevic;. Duas pessoas morreram na ocasião, e dezenas ficaram feridas, e, no fim do mesmo dia, depois de a polícia se confrontar brutalmente com manifestantes, nas ruas de Belgrado saíram os tanques de guerra. Logo depois, no início da primavera, começaram os primeiros confrontos na Croácia, e quando, em agosto, nasceu Marko Djokovic, lá estourara uma verdadeira guerra.

Um ano mais tarde, a guerra começou na Bósnia-Herzegovina. Na Croácia, combateram os sérvios e os croatas, enquanto na Bósnia, os sérvios, os croatas e os atuais bósnios. Todos contra todos. Naquele momento, Srdjan e Dijana Djokovic fizeram o que quaisquer pais fariam, deram tudo de si para que seus filhos não sentissem nada do que estava acontecendo ao seu redor. "Graças a isso, posso dizer hoje que tive uma juventude que nada pode substituir. A juventude que nenhum dinheiro poderia comprar, com muita felicidade e alegria. Morávamos na Kopaonik, numa montanha belíssima, sem nenhuma preocupação, como se a guerra não estivesse acontecendo. Eu nem sentia Belgrado, onde nasci, como a minha casa. Kopaonik era e ficou sendo meu lar", relembra Marko Djokovic.

"Não me recordo de nada de ruim da minha infância", acrescenta Novak. "Nossos pais são um par harmonioso e concentrado. Ambos carregavam um peso enorme nas costas, e sempre se esforçavam para que tivéssemos tudo de que necessitávamos, e que nada da realidade que se vivia então chegasse até nós. Não somente nós, como família, mas também sobre as dificuldades que o povo sérvio passava durante a guerra."

*

Durante sua infância na Kopaonik, Novak descobriu seu amor pelo tênis: "Eu tinha o desejo de me tornar o melhor, e estava pronto a fazer muita coisa para que pudesse me dedicar por completo a este objetivo. E meus pais me atenderam, permitiram e forneceram a realização do que eu desejava". Quando, hoje, comenta a decisão da família, que envolvia grandes
sacrifícios, e naquele momento foi mais do que arriscada, o pai de Novak diz: "Sobre a sua carreira no tênis foram tomados todos os cuidados desde o início. Sobre cada detalhe. O que comia, quando e quanto dormia, o que faria no dia seguinte, no próximo mês, no ano seguinte, e também cuidamos para que frequentasse a escola. Assim fizemos porque fomos levados a uma convicção, antes de tudo da senhora Jelena Gencic, a primeira mentora de tênis de Novak, que nos disse que ele se tornaria um grande campeão ainda com 17 anos. Ela era
otimista, mas não errou, Novak tinha 19 quando conseguiu ingressar entre os primeiros dez jogadores do mundo".

Quando não passava o tempo na Kopaonik, Novak estava em Belgrado, onde frequentava a escola primária. "Novak passava muito tempo comigo, enquanto Srdjan e Dijana trabalhavam. Lembro-me de uma situação quando estava no primeiro ano do primário, preparando-se para uma prova escrita da matéria Natureza e Sociedade. Eu lhe perguntei: 'Estudou tudo?', e ele respondeu: 'Sim, não se preocupe'. Sei que algumas perguntas eram: como se chama o filhote da ovelha, ele respondeu cabrito, e como se chama o filhote da cabra, e sua resposta foi cabritinho. Na prova, foi preciso explicar também como são os animais selvagens, ao que ele respondeu: 'Os animais selvagens são mal-educados'", diz, rindo, a tia de Novak, Jelena. O avô de Novak, Vladimir Djokovic, o levava com frequência para os treinos de tênis: "Desde pequeno tinha talento para o tênis, e não tenho a mínima ideia de onde veio isso. Ninguém na família é um esportista extraordinário. Meus filhos, Srdjan e Goran, foram apaixonados por esqui, mas como recreação. Mas Novak importava-se muito com o tênis, e todo santo dia eu o levava para o treino. Não era difícil para mim. Eu era um apoio para ele em tudo. E ele não se esqueceu disso. Hoje, mais do que me recompensa por tudo. Quando vence, festejamos juntos. Quando perde, eu o encorajo. Digo-lhe que é ainda novo, e que virão muitas vitórias mais...".

Então a família Djokovic ficou maior. No verão de 1995, nasceu o irmão mais novo de Novak e Marko, Djordje. Alguns meses após seu nascimento, na base militar dos Estados Unidos, perto de Dayton (Estado de Ohio), foi assinado o acordo de paz, assim encerrando a guerra da Bósnia-Herzegovina, e que, depois de quatro anos e meio, pôs fim à guerra no território da ex-RFSI. Mas isto não significou que a situação econômica tenha melhorado automaticamente. A Sérvia ficou sob as sanções das ONU, aplicadas em 1992 contra a República Federativa da Iugoslávia (RSI, herdeira da RFSI, composta pela Sérvia e Montenegro) em virtude da interferência na guerra da Bósnia.

No território da Sérvia, na primeira metade dos anos 1990, não havia efeitos da guerra, mas o país sofreu grandes perdas de pessoas e bens materiais, e passou por uma grave crise nos níveis moral, cultural e econômico, principalmente durante a inflação sem precedentes de 1992/93. A Sérvia empobreceu, a economia parou, os salários eram miseráveis, enquanto floresceriam o contrabando e a economia paralela. As lojas, em um determinado momento, estavam totalmente desabastecidas, e cigarros, chocolate, óleo e farinha eram comprados na rua, dos contrabandistas. Gasolina era vendida à margem das estradas, mas não nos postos, e também por contrabandistas, em garrafas de plástico de meio litro ou de um litro e meio. Os cidadãos da Sérvia, na maioria das vezes, podiam comprar somente esse tanto. O restaurante da família Djokovic funcionava bem, mas longe de poder fornecer bastante dinheiro para o desenvolvimento da carreira de Novak.

Srdjan relembra esse período: "Nunca passamos necessidade, mas o negócio que tínhamos trazia menos recursos do que era preciso para que Novak pudesse se desenvolver na direção certa. Nós nos virávamos de diversas maneiras, inclusive com altos empréstimos. Sobre tudo isso, não falávamos nem na frente dos filhos, nem entre nós, não podíamos nem queríamos, porque qualquer conversa sobre este tema deixaria todos ainda mais preocupados. Conosco não existia nenhum tipo de egoísmo.

Antes de tudo, pensávamos como nossos filhos iriam progredir, e o que fariam de suas vidas. E quando decidiram seus caminhos, estávamos por perto a fim de, tanto quanto pudéssemos, lhes possibilitar a escolha. Por isso, sempre estivemos ali, perto. Com certeza, o mais difícil foi que, no início, sentíamo-nos em todos os lugares sem raiz. Não tínhamos atrás de nós ninguém para ajudar. Tudo era difícil, e não apenas a vida no isolamento e as dificuldades com os vistos para que Novak pudesse viajar aos torneios. Era horrível o tratamento que recebíamos como sérvios; olhavam-nos como se fôssemos o pior povo do mundo. Mas, com a ajuda de Novak e de outros tenistas masculinos e femininos sérvios, a imagem da Sérvia mudou nos últimos anos. Agora os sérvios são tratados como membros iguais da comunidade mundial. Mas esta não era a situação quando Novak começou a praticar tênis".

"Na verdade, qualquer trabalho é um risco", acrescenta a esposa de Srdjan, Dijana. "Ninguém podia garantir que Novak se tornaria o número um. Isso não existe. Existem, sim, a possibilidade, o talento, o trabalho. Mas é preciso que todos os quadradinhos se encaixem para se chegar ao objetivo. Nós todos, a família inteira, acreditávamos em Novak. Principalmente meu marido, que tinha a visão, uma imagem na mente que não era um simples sonho. Evidente que, no início, eu era um pouco cética. Por exemplo, lembro-me de quando Novak teve de viajar para disputar, como júnior, em Roland Garros, e tivemos de emprestar dinheiro, e eu fiquei com duas crianças pequenas, sem nenhuma renda. Então, naquela primavera, fiz as malas com meu filho mais novo, que ainda não frequentava a escola, e viajei para Kopaonik para trabalhar. Era baixa temporada, quando não há tantos hóspedes, e funciona apenas a colônia das férias para receber excursões. Mas era necessário ganhar algo. Que fosse uma quantia mínima, não importava.

Para mim, já significava algo. E a assertividade do meu marido era mais forte do que qualquer coisa. Ele nos enchia a todos de esperança. Enquanto estávamos na Kopaonik, ele frequentemente ficava fora do restaurante, nas quadras de tênis, onde Novak treinava, e algumas vezes lhe perguntei: 'O que mais você está fazendo lá, enquanto fico me desdobrando com tanto trabalho, filhos, cozinha, abastecimento, todo o serviço que acompanha um restaurante'. Ele me respondia que tinha de estar presente porque, enquanto estava lá, os treinos eram sérios, mas, quando se afastava, logo passavam a jogar em duplas ou os treinadores simplesmente não prestavam suficiente atenção. Srdjan era aquele que empurrava para a frente, que tomava as decisões-chave nos momentos quando era preciso. Hoje, todos batem no seu ombro, mas naqueles momentos ninguém acreditava. Ninguém além da família".

Mas, hoje, quando Srdjan fala sobre o que é necessário para criar um campeão, é inequívoco: "Recomendo aos pais ouvir o conselho de alguém como nós. Porque passamos pelo inferno. Não tínhamos ninguém para nos ensinar, e eles têm. Raramente algum pai quer ouvir, e acho que essa irrealidade é o maior problema, porque leva à discórdia dentro da família. Isso acontece porque os pais, principalmente eles, não querem ouvir a verdade. Fogem da verdade que lhes apresentam os especialistas, ou nem levam as crianças até eles, porque acham que
seus filhos são os mais talentosos. Acho que este é o maior problema.

Devem procurar os especialistas, levar os filhos aos maiores centros do mundo para pedir uma avaliação. Os pais não podem dar opinião sobre as qualidades dos seus filhos. Apenas aqueles que objetivamente enxergam as possibilidades do seu filho é que talvez podem alcançar o sucesso".

*

O sonho de Novak Djokovic, com o tempo, se tornou o sonho da família inteira. Seus dois irmãos também começaram a praticar tênis, e lidar com quatro tenistas em casa não é nada fácil para uma mulher. "Alguns dizem que tinha trabalho com cinco, porque costumo parecer dois jogadores, de tão difícil", diz Srdjan Djokovic, brincando.

"Às vezes, eu pensava que era homem também, assim como todos em casa", acrescenta Dijana. "Sem brincadeira, realmente não era fácil. Imaginem só como era quando os três, ou melhor dizendo, quatro, porque Srdjan começou a jogar tênis por recreação, voltavam para casa com todas aquelas meias sujas de saibro e uma montanha de camisetas, shorts, trajes esportivos e toalhas, quantos quilos de roupa tinha que lavar. Às vezes, ficava brava e dizia: 'Chega!'. E, para piorar ainda mais, todos jogavam em diferentes horários do dia. Mais tarde, em alguns casos, jogavam também no mesmo horário. Assim, Novak jogava em Paris, enquanto Marko estava no Future na Turquia, então, eu assistia à partida de Novak na TV, e no laptop, pelo site oficial, no mesmo momento acompanhava Marko. Agora existem dias quando jogam todos os três...".

"Nossa mãe é uma mulher forte e corajosa. E muito emotiva. O que ela conseguiu, poucos poderiam", diz Marko Djokovic. "É preciso ter força psíquica para aguentar tudo isso. E para ela pouco importa quanto pode aguentar, porque o mais importante é que nos sintamos bem, e ela sabe que ficamos mais felizes quando vencemos e quando conseguimos bons resultados."

"E qualquer que fosse a situação, se chorasse ou estivesse magoada ou ferida com alguma coisa, ela sempre sabia achar uma maneira para se recuperar rápido e, com a cabeça erguida, seguir em frente. Nisso se encontra sua força", acrescenta Novak.

A mãe, Dijana, completa a história: "Tinha de ter força porque esta era a única maneira. Mas depois paguei por tudo isso. Existe um período na vida quando você pode aguentar tudo o que acontece. Quando acha que pode arrancar rabo de boi. Mas, quando vem alguma situação um pouco mais calma, algum relaxamento, certas coisas vêm à tona.

Então, cheguei ao ponto em que fiquei doente, e tive de fazer algumas cirurgias... Tudo tem seu preço. Lembro-me, por exemplo, de uma partida difícil que Novak jogou não muito tempo atrás no "Aberto dos Estados Unidos" contra Viktor Troicki. Todos nós tentávamos lhe transmitir energia positiva para ajudar a sair daquela pesada situação e vencer. E ele conseguiu. Depois, recebi uma bela mensagem sua. Ele me escreveu: Mamãe, muito obrigado pelo apoio, foi muito bem-vindo.

Esse apoio é algo que lhe dá energia para seguir em frente". Hoje, Srdjan e Dijana têm mais tempo para eles. Seus três filhos cresceram, e cada um seguiu seu caminho. O mais velho, Novak, se tornou superestrela do tênis, cujo nome é um dos mais reconhecidos sinônimos da Sérvia moderna.

Editora Évora/Divulgação
O tenista Novak Djokovic, em 2001, com a camisa do clube Partizan, de Belgrado, na Sérvia
O tenista Novak Djokovic, em 2001, com a camisa do clube Partizan, de Belgrado, na Sérvia

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