Folha de S. Paulo


Não sou nenhum gênio, sou apenas eu, diz projetista da Red Bull

Um copo de papel com capuccino numa das mãos, uma pasta repleta de papéis na outra, Adrian Newey dá um sorriso tímido, coloca suas coisas na mesa e se apresenta. Como se fosse necessário. Maior projetista da F-1, o inglês já criou carros campeões na Williams, na McLaren e é o grande responsável pelo sucesso da Red Bull.

Valdrin Xhemaj-07.mai.2011/Efe
Adrian Newey (à direita) conversa com o piloto australiano Mark Webber, da Red Bull
Adrian Newey (à direita) conversa com o piloto australiano Mark Webber, da Red Bull

A equipe pode conquistar neste domingo, no GP dos EUA, penúltima etapa do Mundial, às 17h, o tricampeonato de construtores e ainda ver Sebastian Vettel obter o terceiro título consecutivo.

Unanimidade na categoria atualmente, em entrevista à Folha, Newey, 53, fala com orgulho do que construiu na Red Bull nas últimas temporadas, explica seu processo criativo citando Darwin e diz que não se acha um gênio.

De fala mansa e voz baixa, só muda a expressão quando comenta sobre Ayrton Senna, que morreu pilotando um de seus carros, em 1994. "Mais do que qualquer coisa, foi um grande desperdício", afirma.

Folha - O ano não começou bem para a Red Bull. Como mudou o RB8 recentemente?
Adrian Newey - Este ano para nós foi basicamente tentar entender como tirar o máximo do carro desde a proibição dos escapamentos aerodinâmicos e da restrição das asas flexíveis.
São áreas em que estávamos trabalhando há mais tempo que nossos adversários e foram tiradas de nós. Foi meio um passo atrás, pois vínhamos trabalhando nisso havia pelo menos dois anos, enquanto nossos adversários, mais ou menos um ano. Passamos por um processo de reaprendizado para fazer o carro voltar ao que era e gastamos um certo tempo nisso.

É justo Fernando Alonso dizer estar lutando contra você e não contra o Sebastian Vettel?
Honestamente, não me preocupo muito com o que falam. Somos um grupo de engenheiros que se reúne e tenta fazer o melhor carro possível. Tentamos não nos preocupar com as coisas que acontecem do lado de fora.

Como lidar com a pressão de ser sempre o parâmetro?
Não acho que sejamos sempre. A pressão nunca muda, mas você aprende a lidar com ela. Não é tanto a pressão externa, é mais a expectativa que temos de fazer nosso melhor. E claro que quando chegamos nesta parte da temporada, onde tudo é tão apertado, é muito intenso.

Qual a parcela que seu trabalho tem num carro vencedor?
É impossível colocar em porcentagem. Sou responsável por um grupo de engenheiros muito talentosos na Red Bull e meu trabalho é multifacetado. Parte é tentar criar ideias para dar mais performance aos carros, outra é trabalhar com os engenheiros para tentar ver suas ideias e guiá-los e outra parte, na pista, é similar, com engenheiros e pilotos para tentar tirar o máximo do carro.

As pessoas te consideram um gênio. Você acha que é?
Não sou gênio, sou apenas eu... Não sei. Claro que me sinto lisonjeado com elogios, mas não perco meu tempo pensando nisso, me foco no trabalho.

Vê algum elemento que te chame a atenção nos outros carros neste ano?
As coisas estão convergindo um pouco. Este é o quarto ano com mais ou menos as mesmas regras e, se algumas mudanças aconteceram, foram restrições. Por isso os carros estão cada vez mais similares e não vejo nada que se destaque a não ser nos escapamentos aerodinâmicos.

Como é seu processo criativo?
É muito orgânico, não planejo: vou fazer isso hoje e aquilo amanhã. Geralmente, é uma ideia que vem no chuveiro ou de influências externas, como o formato do "santo Antônio", que foi adotado pela Williams em 1997 e hoje é parâmetro na F-1. Foi uma ideia que tive olhando na janela e observando um avião. Mas, geralmente, é olhando o carro, vendo o fluxo de ar e como isso pode ser melhorado. Todos os carros são uma combinação do modelo anterior e uma grande mudança. É mais ou menos como a evolução biológica. Darwin dizia que nós mudamos todos os dias, mas isso não explica como desenvolvemos olhos ou outros sentidos.

Já trabalhou com grandes pilotos. Onde colocaria Vettel?
É injusto comparar pilotos. Mas os grandes têm algumas características similares e uma delas, que Vettel tem, é o fato de ser um jovem inteligente que é muito calmo, mas que faz seu trabalho cuidadosamente. Ele vai embora tarde, depois de olhar os dados dos engenheiros e pensar em sua pilotagem, em como pode melhorar. Raramente faz o mesmo erro duas vezes.

Dizem que você tem total liberdade na Red Bull. Você assinaria com outro time?
Trabalho mais duro hoje do que jamais trabalhei, mas é parte do mundo em que vivemos, onde há tanta informação, tantos dados. Analisar tudo consome muito tempo, e os times cresceram incrivelmente. Estou envolvido com a Red Bull desde o começo, que é um desafio que eu sempre quis, e ao lado do Christian [Horner, chefe do time] desenvolvemos uma equipe, das cinzas da Jaguar para onde estamos hoje. Sinto quase um orgulho paterno do time e isso gera obviamente um certo grau de lealdade.

Como trabalhar com Ayrton Senna te influenciou?
Infelizmente...[pausa] Sem dúvida ele era uma pessoa incrível, não só como piloto. Infelizmente, foi tudo muito curto. Adoraria ter trabalhado com ele mais tempo e o ter conhecido melhor. Sinto que era uma relação que duraria por anos [pausa]. O sentimento é que foi um desperdício, mais do que qualquer coisa, é tudo que posso dizer.


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