Folha de S. Paulo


Cuidados com a saúde podem prevenir um terço das demências

Eduardo Knapp/Folhapress
O estímulo mental pode não impedir o surgimento da doença, mas retarda os sintomas
O estímulo mental pode não impedir o surgimento da doença, mas retarda os sintomas

Ainda não há cura ou formas de reverter demências como o alzheimer, porém, cada vez mais a ciência aponta que é possível prevenir ao menos um terço delas.

A redução dos riscos dessas doenças que geram deficit cognitivo grave, perda da memória, da linguagem e de outras funções começa já na infância, com a alfabetização.

Uma mente estimulada pode não impedir o surgimento da doença, mas o fato de retardar os sintomas já é considerado um ótimo sinal.

O controle da hipertensão, do diabetes e da depressão, e a adoção de hábitos saudáveis, como não fumar e fazer exercícios físicos, também são fatores de proteção.

Vários estudos têm chegado a essa conclusão e, no ano passado, a revista médica "The Lancet" publicou um amplo relatório com uma revisão sistemática de toda a pesquisa sobre o tema.

São estudos de coorte em diferentes populações. Neles, os participantes são avaliados em relação a diferentes fatores de risco e acompanhados por vários anos para detectar o aparecimento dos sintomas de demência. Depois disso, são investigados quais desses fatores estão associados a um risco maior da doença.

Segundo o relatório, cerca de 47 milhões de pessoas têm demências no mundo e são gastos US$ 818 bilhões anualmente com essas doenças.

O problema só tende a aumentar, principalmente nos países mais pobres. Estima-se que em 2030 haverá 75 milhões de pessoas com demência no mundo, ao custo de mais de US$ 2 trilhões.

"Há um grande foco no desenvolvimento de medicamentos para evitar demências como o alzheimer mas não podemos perder de vista os verdadeiros avanços que já alcançamos nas abordagens preventivas", disse à Folha Lon Schneider, professor de psiquiatria e ciências comportamentais da Universidade da Carolina do Sul e um dos autores do relatório.

Autora do best-seller "100 Dicas Simples para Prevenir o Alzheimer - E a Perda de Memória", Jean Carper afirma que o alzheimer e outras demências são influenciadas pelos genes, mas que o estilo de vida e fatores ambientais podem minimizar os efeitos.

"Pessoas com genes relacionados ao alzheimer têm mais predisposição, mas não estão necessariamente predestinadas a desenvolver a doença. É importante realizar atividades e ter hábitos que mantenham o cérebro o mais ativo e saudável possível", diz ela, que carrega um gene que aumenta a chance de desenvolver a doença.

FATORES DE RISCO

A comissão de 24 especialistas que elaborou o documento publicado no "The Lancet" identificou nove fatores de risco, em várias fases da vida, que aumentam a probabilidade de ter a doença.

Por exemplo: ao investir em educação na juventude e cuidar da perda de audição, da hipertensão e da obesidade na vida adulta, a incidência de demência poderia ser reduzida pelo menos 20%.

Na velhice, ao manter o diabetes sob controle, aumentar a atividade física e ter contato social o risco da doença poderia cair em mais 15%.

Para Schneider, "mitigar os fatores de risco nos fornece um caminho poderoso para reduzir a demência em nível global", diz ele. Na opinião da geriatra Maisa Kairalla, presidente da regional paulista da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, essas informações deveriam moldar novas políticas públicas voltadas à prevenção.

"O brasileiro ainda não faz a associação de que o cigarro, a bebida, os quilos a mais, a falta de exercício e de controle de doenças, como a hipertensão ou diabetes, terão impacto no desenvolvimento de doenças no futuro, incluindo a demência", afirma.

Passíveis de prevenção, esses fatores de risco estão especialmente relacionados à demência vascular, o segundo tipo mais prevalente no Brasil, atrás apenas do alzheimer, a mais frequente.

ESTUDO

Um estudo feito pela USP a partir da autópsia de 1.092 cérebros de pacientes com mais de 50 anos mortos na capital descobriu que 480 deles tinham sintomas e diagnóstico de demência. Desses, 35% eram do tipo vascular.

Segundo Claudia Suemoto, professora de geriatria da USP e uma das autoras do estudo, publicado no periódico "Plos Medicine", o diagnóstico é feito por meio de lesões vasculares no cérebro. "Uma explicação provável é que fatores de risco cardiovascular não controlados, como hipertensão, diabetes, colesterol alto, tabagismo e inatividade física, estejam causando essas lesões cerebrovasculares", explica.

Para ela, além de ser informada sobre esses fatores que aumentam o risco de demências, a população precisa ter acesso aos serviços de saúde para avaliação, tratamento e controle deles.

O relatório publicado no "The Lancet" também examinou o efeito de intervenções não farmacológicas para pessoas com demência e concluiu que elas têm um importante papel no tratamento, especialmente no controle da agitação e da agressão.

"Drogas antipsicóticas são normalmente usadas para esse fim, mas há preocupação considerável com elas porque aumentam o risco de morte e de eventos cardiovasculares adversos ", afirma Schneider.

As evidências indicaram que intervenções psicológicas, sociais e ambientais, como a promoção do contato social, tiveram um resultado melhor que os remédios antipsicóticos para tratar os sintomas de agitação e agressão associados à demência.

SINAL DE ALERTA

O sinal de alerta da família da aposentada Clarice, 85, acendeu quando ela saiu para fazer compras, deixou o carro estacionado em uma via pública, voltou para casa a pé e, dias depois, achou que tivesse sido roubada ao notar a falta do veículo na garagem.

Antes, a apatia e os esquecimentos de compromissos e dos horários dos remédios já chamavam a atenção das filhas, mas os sintomas eram associados à depressão da mãe após a morte do pai.

O diagnóstico da doença de Alzheimer foi dado pela geriatra após testes clínicos. "Foi um golpe duro para nós. Minha mãe sempre teve uma memória invejável, dirigia, tomava conta de tudo e de todos", diz a filha Patrícia, 37.

A doença não tem cura. Hoje, sete anos após o diagnóstico, Clarice segue medicada com remédios que ajudam a preservar o que restou da função cerebral, além dos sintomas secundários como insônia e depressão.

Ela ainda mantém uma certa independência e mora sozinha por opção. As duas filhas vivem perto e se revezam nos cuidados e na supervisão.
"A médica considera um caso de sucesso, mas o esquecimento está piorando. Ela pergunta 15 vezes a mesma coisa. Dias desses, foi à missa sozinha e se perdeu, só voltou para casa duas horas e meia depois", conta a filha.

Em estágios avançados, os problemas de memória podem vir seguidos de dificuldade de andar e de se comunicar, além de incontinência.
Patrícia afirma que a doença a assombra. Além da mãe, uma avó, uma tia e um tio já morreram de alzheimer.

"A geriatra diz que não há o que fazer para prevenir caso eu carregue o gene, mas uma nutróloga me disse que é possível, sim, adotando uma alimentação funcional." Não há evidência de que isso tenha efeitos protetores.

Ano passado, o resultado de uma ressonância magnética deixou a aposentada Linete de Lima Machado, 83, preocupada: foram detectadas placas de proteína no seu cérebro que podem levar ao desenvolvimento do alzheimer.

Como tratamento da doença que causa perda progressiva da memória, confusão e problemas de comportamento, ela usa um medicamento (bromidrato de galantamina).

Há mais de uma década Linete é acompanhada pela equipe de geriatria da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Ali, recebeu tratamento da depressão, também tido como medida protetora da demência. "Faço psicoterapia e exercícios, que me ajudam muito."

Há dois meses, porém, ela diz que a vida "descontrolou" após o marido José, 85, sofrer uma queda dentro de um ônibus no centro de São Paulo. "Eu que ajudo ele em tudo, até a tomar banho." Por conta disso, ela diz que está "descuidando" da sua saúde. Deixou de tomar remédios e parou com atividades físicas. "Sei que está errado."

Editoria de arte/Folhapress

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