Folha de S. Paulo


As pessoas não notam os benefícios da fermentação de alimentos, diz autor

Laura Arredondo
Sandor Katz, 55, escritor e entusiasta da fermentação
Sandor Katz, 55, escritor e entusiasta da fermentação

A fermentação, técnica milenar e natural utilizada para conservar alimentos, tem entre seus maiores entusiastas o americano Sandor Katz, 55.

Com três livros publicados, ele é vencedor do prêmio James Beard, considerado o maior reconhecimento de excelência para um escritor de gastronomia.

Seu último livro, "A Arte da Fermentação" (ed. Tapioca), de 2014, busca mostrar que, mais do que receitas e técnicas, a fermentação é um engajamento sustentável, prático e ao mesmo tempo "uma forma de protesto" contra a pasteurização do paladar das comidas industrializadas.

Fermentados

A fermentação está em todos os lados: lácteos (iogurte e queijos), bebidas (vinho, café e kombusha), carnes e vegetais. Ela também cria novos aromas e texturas, além de potencializar os benefícios à saúde dos alimentos, diz Katz, sempre de camisa por fora da calça jeans, cabelos brancos revoltos que combinam com o bigode preto de muita personalidade, que conserva há décadas.

Há três décadas, quando ele contraiu HIV, uma série de artigos científicos sobre a capacidade de a fermentação fortalecer o sistema imunológico fez aumentar seu interesse pela técnica.

A Arte da Fermentação
Sandor Ellix Katz
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Katz incorporou a estética e o jeito do típico fazendeiro do Tennessee. Mas ele só chegou ali em 1993, quando deixou a cidade natal, Nova York, onde trabalhava como especialista em política. Desde então, mora em uma comunidade queer (de homossexuais) no meio do campo. Divide seu tempo explorando as novas possibilidades de fermentação, que saem de sua plantação, e viajando pelo mundo para dar palestras.

Ele estará em São Paulo até o dia 15, apresentando workshops que incluem uma vivência de fermentação em uma fazenda de café (mais informações no site e no perfil @borafermentar do Instagram).

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Folha - Como começou o seu interesse pela fermentação?
Sandor Katz - O primeiro fator, sem dúvida, foi um gosto pessoal. Desde a infância amava picles e chucrute, ou seja, quando ainda não tinha nenhum conhecimento sobre fermentação. Os aromas dessas comidas me inebriavam.

Depois tive interesse nos benefícios para os sistemas digestivo e imunológico do organismo. Mas o que me fez começar a pesquisar foi a praticidade e a sustentabilidade da técnica. Em um clima temperado, onde o tempo de colheita é limitado, consigo conservar os vegetais para todo o inverno. Posso afirmar que minha obsessão, experimentação e os livros surgiram desse cruzamento de benefícios.

Como era sua dieta antes da fermentação?
Eu amo comida e sempre gostei de ter uma dieta diversificada. Eu experimentei muito. Já segui uma alimentação macrobiótica e vegana, entre tantas outras filosofias alimentares. Estava seguindo a dieta macrobiótica, que é muito restritiva, quando comecei a explorar a fermentação. Hoje como tudo que eu gosto, sem restrições.

Qual o impacto na sua vida?
Em viagens, quando fico impossibilitado de comer qualquer alimento fermentado, eu noto que meu sistema digestivo fica mais lento. Eu acredito também que as ricas bactérias dos alimentos tenham fortalecido meu sistema imunológico.

Por que o senhor começou a escrever sobre o assunto?
Em 2001, editei por minha conta um pequeno folheto com receitas de fermentação. Foi minha estreia. Fiz isso pela impossibilidade de atender a todas as dúvidas dos participantes dos workshops, que eu ministrava anualmente para ensinar as técnicas de fermentação do chucrute.

Percebi que eu tinha mais a dizer sobre o assunto. Como sobravam informações disponíveis em diferentes fontes e faltavam livros sobre os diversos tipos de alimentos e bebidas fermentadas, pensei em fazer algo mais completo.

E hoje é um negócio?
Sim, hoje, sou um educador alimentar 100% do tempo.

Há tanta informação sobre o que devemos comer e o que faz bem para saúde que as pessoas ficam confusas. A fermentação é uma dessas dietas da moda que vão e vêm?
Quase todos os indivíduos, em todas as partes do mundo, comem e bebem produtos fermentados todos os dias. O pão é uma moda? O queijo é uma moda? O vinho? A cerveja? O acarajé? O chocolate? O café?

Trata-se de uma técnica natural e as pessoas que experimentaram, inevitavelmente, foram tocadas por seus benefícios práticos. Eu penso que certos fermentos –os vivos, que não foram para o fogo depois do processo de fermentação– oferecem profundos benefícios à saúde.

Mas essa ideia não é nova. O folclore e as lendas mostram isso. A ciência é que só começou a reconhecer e explorar esses benefícios agora.

Divulgação
Natto, comida fermentada preparada com grãos de soja
Natto, comida fermentada preparada com grãos de soja

Quais são os benefícios?
A fermentação faz com que os nutrientes fiquem mais acessíveis, independentemente do tipo de alimento. Probióticos ou "micróbios do bem" oferecem benefícios em termos de digestão e imunidade. Segundo algumas pesquisas, ajudam a evitar doenças como câncer de cólon.

Nos EUA, bebidas probióticas têm um mercado bilionário. No ano passado, PepsiCo comprou a KeVita, líder na fermentação de probióticos e de bebidas kombucha (feita a partir de chá preto fermentado), por U$ 500 milhões. O senhor acha que esse produto tem futuro promissor no Brasil? Além das bebidas, que tipo de produto o senhor acha que faria sucesso aqui?
Nunca estive no Brasil antes, então não posso prever o sucesso de vários produtos fermentados no mercado brasileiro. Além da kombucha, há muitos outro tipos de bebidas probióticas. Existem também os vegetais fermentados como o chucrute, kimche (condimento típico da culinária coreana à base de vegetais) e picles, que podem ser feitos de muitas formas. É um desafio introduzir comidas e bebidas desconhecidas da população. Mas cresce o interesse pelas oportunidades criadas por um pequeno nicho de produtores.

Leva muito tempo preparar uma comida fermentada?
O tempo depende do tipo de comida que se está preparando. Você pode se deliciar com um bom chucrute ou kimche depois de alguns dias –o sabor torna-se mais forte quanto maior o tempo de fermentação. Iogurte leva apenas algumas horas para fermentar. Já molho de soja requer um ano ou mais.

A temperatura também influencia. A fermentação é acelerada pelo ambiente aquecido e fica lenta em locais frios.

É um processo compatível com pessoas que vivem em grandes centros urbanos, como São Paulo?
Quinze minutos é o tempo que leva para fazer um jarro de chucrute que proporcionará um delicioso condimento que enriquece o sabor e a nutrição de qualquer sanduíche.

É necessário que a indústria produza mais alimentos à base de fermentação?
Os pequenos negócios locais estão abastecendo o mercado, que tem demanda crescente. Se continuar assim, muito provavelmente alguma grande empresa ficará interessada e o mercado naturalmente tomará outro rumo.

Que tipo de dica o senhor dá para quem quer começar a fermentar e que deseja um prato colorido e saudável?
Eu encorajo as pessoas a começarem pelos vegetais. É muito fácil, não há necessidade de equipamento especial. É 100% seguro, delicioso e colorido. Você pode usar couves, rabanetes, cenouras, cebolas e qualquer tipo de combinação que você queira.

Tudo o que tem a fazer é cortar os vegetais, salgá-los levemente (experimente), adicionar outros temperos que desejar, apertar os vegetais por alguns minutos até que fiquem suculentos, depois colocar tudo dentro de uma jarra ou vidro com tampa, para que os vegetais fiquem submersos no próprio suco. Espere alguns dias e aproveite.

Qual é a expectativa para o encontro nas fazendas de café?
Em todos os países que visito, tento aprender mais sobre práticas da fermentação. Trata-se de uma importante parte da transformação da fruta em grão de café. Eu só vi esse processo uma vez. O café cresce nos trópicos, longe de onde moro.

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Raio-X

Nascimento
Nova York (EUA), em 1962

Formação
Políticas públicas, pela Universidade Brown

Trajetória
Foi professor de ensino médio, revisor de textos e analista de políticas públicas em um escritório do governo americano em Manhattan. Publicou cinco livros, sendo três a respeito de fermentação. O último deles é "Arte da Fermentação", de 2014


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