Folha de S. Paulo


Após AVC do filho, mãe lança vaquinha para bancar tratamento da criança

Com um ano e oito meses de vida, João Vicente Patrón Santoro era um menino irrequieto e falante, sem nenhum indício de que uma doença rara de origem genética estava prestes a colocar sua vida em risco.

Uma crise súbita fez com que o garoto sofresse um derrame, o qual provocou lesões severas em seu cérebro. Após lenta recuperação, a família de João, que hoje tem cinco anos, está levantando fundos para tratá-lo com uma forma inovadora de terapia neurológica, que poderia acelerar a reabilitação de seus movimentos.

"É a nossa grande aposta, nossa corrida contra o tempo", diz a mãe do menino, a produtora visual Laura Patrón, que mora em Porto Alegre com João e cuida dele em tempo integral. "Ele vai entrar no ensino fundamental e, depois disso, vai precisar de uma vida mais tranquila, sem essa maratona contínua de terapias."

O problema que causou as lesões cerebrais no menino é conhecido pela sigla SHUa (síndrome hemolítica urêmica atípica). Em geral, a SHUa está ligada a mutações que alteram o funcionamento dos sistemas de defesa do organismo, o que leva o corpo a uma espécie de guerra civil, danificando a si próprio.

"Na verdade, a doença não tem aviso. Não tem nenhuma característica pela qual tu sabes que uma crise vai acontecer. A pessoa pode estar com 30 anos, sem saber que tem o problema, quando sofre a primeira crise", diz Laura.

Um dos sintomas é a hemólise, isto é, a "quebra" das células do sangue, que pode produzir tantos fragmentos celulares que eles acabam entupindo vasos sanguíneos.

Por isso, é comum que órgãos como os rins sejam afetados. No caso de João, porém, parte do sistema circulatório que irriga o cérebro é que sofreu restrição do fluxo de sangue –em termos médicos, um AVC (acidente vascular cerebral) isquêmico.

"O corpo dele estava todo em colapso, com rim parado, coração bem complicado", conta a mãe. João passou 45 dias de coma, com um prognóstico inicial muito ruim por causa da extensão das lesões no córtex cerebral.

"Ele acordou completamente 'fora', não reconhecia a gente", lembra Laura. A família decidiu trocar de neurologista quando sentiu que o primeiro especialista a examinar o caso considerava o menino um caso perdido.

"A nova neurologista, que está com a gente até hoje, disse: 'Vamos mexer na medicação e ver se ele responde'. Ainda no hospital a gente sacou que a parte cognitiva dele estava presente. O João voltou a nos reconhecer, a sorrir de um jeito bem solto, típico dele, a gargalhar, embora nem conseguisse segurar o pescoço. Eu disse: 'ele está aqui'."

MENTE E CORPO

A intuição estava correta: o AVC não afetou a capacidade de raciocínio da criança. João hoje está alfabetizado –brinca com as letras usando um tablet– e já frequenta a escola. As capacidades motoras, porém, sofreram tremendamente com o derrame.

Os dedos das mãos, por exemplo, ficaram todos fechados, e os braços, virados na direção do peito. "O tronco do João ficou de um jeito que ninguém imaginava que ele seria capaz de sentar sozinho de novo", explica ela. O menino também se tornou incapaz de emitir qualquer palavra.

As melhoras mais significativas vieram com sessões intensivas de fisioterapia realizadas em Curitiba. "São exercícios muito desafiadores, que estimulam o cérebro da criança a encontrar soluções possíveis para determinados contextos, envolvendo postura, equilíbrio, transferência de peso. Os exercícios partem do princípio do cérebro Lego, em que os estímulos podem ser feitos sem uma sequência para o aprendizado dos movimentos e estimula uma criança a ficar de pé e marchar, mesmo que ela ainda não sente, por exemplo", explica Laura.

João melhorou muito a sua capacidade de manipular objetos, consegue pronunciar algumas palavras e esboça frases, além ficar sentado sozinho. "Ele está até exibido com isso agora", ri a mãe. Além da fisioterapia, ele tem sessões de fonoaudiologia e terapia ocupacional.

A intensidade do tratamento, porém, incluindo as constantes viagens, levou Laura a parar de trabalhar. Para tentar dar novo ímpeto ao tratamento, ela passou a pesquisar a possibilidade de usar a estimulação magnética transcraniana, que será tentada no ano que vem, junto com um novo "intensivão" fisioterápico em Curitiba.

Para bancar os custos das viagens, hospedagens e procedimentos, que englobam ainda duas aplicações de botox em partes mais comprometidas da musculatura do menino, a mãe montou uma vaquinha virtual cuja meta, ainda não atingida, é levantar R$ 120 mil. Um medicamento que tem alguma eficácia para prevenir novas crises ligadas à SHUa é fornecido pelo Ministério da Saúde.

"Sou muito cética sobre novos tratamentos. A gente pesquisa sobre a estimulação transcraniana desde o começo do problema do João, e as conversas com os neurologistas indicam que é uma possibilidade animadora."

Tanto em sua modalidade magnética quanto por meios elétricos, esse tipo de estimulação parece ser capaz de ativar a plasticidade cerebral, ou seja, a capacidade do órgão de se reorganizar e adquirir novas funções, justamente o necessário para que um cérebro lesionado descubra como usar áreas sadias para substituir o trabalho das que foram danificadas. A fisioterapia intensiva ajudaria a mobilizar o aumento da plasticidade cerebral para os fins desejados.

Os interessados em contribuir com o tratamento podem acessar o site da vaquinha.


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