Folha de S. Paulo


Nova técnica cirúrgica devolve audição a surdo parcial

Joel Silva/Folhapress
Andrea Zaninelo, 34, ajusta implante auditivo após cirurgia no Hospital das Clinicas de Ribeirão Preto
Andrea Zaninelo, 34, ajusta implante auditivo após cirurgia no Hospital das Clinicas de Ribeirão Preto

Diagnosticada com perda auditiva causada por uma doença autoimune, a advogada Andrea Cristina Zaninelo, 34, se viu obrigada a interromper o exercício da profissão. Nos últimos dez anos, foram inúmeros procedimentos para tentar recuperar a audição do ouvido esquerdo. Nem o uso do aparelho auditivo convencional foi suficiente.

Em agosto, porém, Andrea pôde experimentar a sensação de voltar a ouvir claramente. Submetida a uma técnica cirúrgica inédita no Brasil, a advogada implantou uma prótese de titânio no crânio, que, conectada a um processador de som, transmite as ondas sonoras diretamente ao ouvido interno.

Editoria de Arte/Folhapress

"É fantástico. É como se, antes, meus dias tivessem sido nublados e, agora, passado a ser ensolarados. Passei a ouvir tudo novamente, é impressionante. Agora poderei voltar à advocacia", comemora.

A cirurgia, realizada no Hospital das Clínicas da USP de Ribeirão Preto, foi desenvolvida no ano passado na Dinamarca. A técnica consiste no implante de uma prótese no crânio, logo atrás da orelha. Na prótese, é conectado um processador, que capta as ondas sonoras de forma semelhante aos aparelhos auditivos convencionais.

A diferença, no entanto, está na forma de transmissão do som ao ouvido interno do paciente. Ao invés das ondas serem enviadas pelo canal auditivo por condução aérea (presente em pessoas com audição normal), o som chega diretamente por condução óssea, através de vibrações.

"Com esse dispositivo, o paciente não depende da via aérea. O som é captado pelo aparelho, transformado num sinal vibratório e as vibrações são transmitidas para o osso, e dali diretamente para o ouvido interno. Essa é a principal diferença em relação ao aparelho auditivo convencional", explica o otorrinolaringologista Miguel Hyppólito, responsável pelas cirurgias realizadas no hospital.

Segundo o médico, a nova técnica traz inúmeros benefícios ao paciente, como redução do tempo cirúrgico e menores chances de complicações no pós-operatório. "É uma cirurgia minimamente invasiva, sem sutura, apenas com uma incisão de 0,5 cm feita no crânio. O procedimento dura menos de 15 minutos e é feito com anestesia local ou sedação mínima do paciente, não sendo necessária internação", afirma Hyppólito.

Outra vantagem é o tempo de espera para a conexão da prótese implantada ao processador de som. Segundo Hyppólito, a técnica utilizada anteriormente nesse tipo de cirurgia demandava uma espera de até quatro meses para a ativação do aparelho auditivo. Agora, o paciente passa a ouvir duas semanas depois de ser submetido ao procedimento.

Joel Silva/Folhapress
Andrea Zaninelo, 34, com o implante auditivo no Hospital das Clinicas de Ribeirão Preto
Andrea Zaninelo, 34, com o implante auditivo no Hospital das Clinicas de Ribeirão Preto

SUS

Totalmente coberta pelo SUS, a cirurgia já pode ser feita em alguns hospitais do país. O procedimento, no entanto, é indicado para pacientes que apresentam perda auditiva leve a moderada –com problemas no ouvido externo ou médio– e surdez unilateral.

"Esse tipo de implante também é indicado a pessoas que não têm benefício com o aparelho auditivo convencional, que têm perda auditiva, mas não se adaptam ao aparelho", afirma Hyppólito.

A prótese de titânio custa cerca de R$ 28 mil, enquanto o processador de som externo chega a R$ 8 mil. A manutenção dos aparelhos também é fornecida pelo SUS.

A cirurgia pode ser feita em adultos e crianças a partir de cinco anos –idade em que a calota craniana já está desenvolvida.

Além de devolver a audição aos pacientes, o dispositivo permite ainda conectividade com smartphones via bluetooth. "Existe essa possibilidade de captação do sinal do celular por bluetooth. Ou seja, o paciente pode atender o telefone 'à distância' e ainda ouvir música através desta conexão com o aparelho conectado à prótese", explica Hyppólito.

Segundo o médico, há processadores em desenvolvimento que oferecerão mais tecnologia ainda para facilitar a vida do paciente.

"O sucesso da técnica muda a vida dessas pessoas. A deficiência auditiva, sendo algo não visual, é difícil de ser percebida. Esses pacientes têm dificuldade no trabalho e no convívio social. Com a cirurgia, esse cenário muda, e um novo mundo se abre para eles", conclui.


Endereço da página: