Folha de S. Paulo


Gordura no lugar 'certo' pode livrar obeso de dieta e remédio

Craig Sunter/Flickr
Alguns gordinhos não têm as características que costumam estar presentes na síndrome metabólica
Alguns gordinhos não têm as características que costumam estar presentes na síndrome metabólica

Talvez nem todo gordinho, em nome da saúde, precise emagrecer.

Essa é a conclusão à qual chegaram dois estudiosos brasileiros da área de obesidade do país, que discursaram para especialistas no 17º Congresso Brasileiro de Obesidade e Síndrome Metabólica, realizado na última semana em Olinda (PE).

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POR QUE EXISTE ESSA VARIAÇÃO ENTRE GRUPOS?

Bruno Geloneze, da Unicamp, e Amélio Godoy Matos, da PUC-RJ, argumentam que existem gordinhos que não apresentam as características que costumam estar presentes na síndrome metabólica (conjunto de doenças como diabetes, pressão arterial alta e colesterol elevados, entre outras).

Isso porque nessas pessoas a gordura se distribui de uma forma metabolicamente favorável, preferencialmente na camada subcutânea da pele, nas regiões do quadril e do bumbum.

No grupo dos metabolicamente desfavorecidos estão aqueles gordinhos –e até alguns magrinhos– que têm mais gordura acumulada na região do abdome, próximo às vísceras. Em excesso, essa gordura tende a se acumular no fígado, por exemplo, e é inflamatória, sendo uma das possíveis causas do diabetes e de problemas circulatórios.

A gordura "do bem" consegue, ao produzir hormônios como a adiponectina, manter a funcionalidade do organismo, impedindo que doenças como o diabetes se instalem –até um certo limite, claro, quando as numerosas células acabam morrendo sufocadas por conta desse grande acúmulo.

Essa gordura subcutânea –somada ao exercício físico e na presença de parâmetros bioquímicos favoráveis– pode ser suficiente para que uma pessoa acima do peso não precise, por exemplo, entrar em dietas restritivas ou começar a tomar remédios para emagrecer.

Não se sabe por que a gordura visceral tem uma função tão diferente da gordura subcutânea do bumbum e das coxas, mas uma possível hipótese, diz Vicência Sales, pesquisadora do Joslin Diabetes Center, ligado à Escola de Medicina de Harvard, é que esses tecidos tenham origem distinta desde a fase embrionária.

E a diferença é tanta que só o tecido subcutâneo é capaz de, em resposta ao frio, se modificar e, ao invés de acumular lipídios, passar a consumi-los, gerando calor e aquecendo o organismo no processo.

Alguns dados, porém, sugerem que, ao invés da origem embrionária, o local onde as células se encontram é que comanda seu comportamento. Pesquisadores já transplantaram gordura subcutânea para dentro do abdome de roedores.

Como resultado, essa gordura passou a se comportar como a visceral, apresentando marcadores inflamatórios e piorando o estado de saúde do bicho.

"Ter a gordura visceral estocada só é vantajoso em uma situação extrema, para obter energia em casos de grandes períodos de fome e de frio,o que não é o caso da maioria da pessoas", diz a cientista.

MAGRO OBESO

Se alguns gordinhos podem respirar aliviados –parcela entre 5% e 25% dos obesos e especialmente as mulheres, que tendem a acumular gordura da maneira "certa"–, muitas pessoas com IMC (Índice de Massa Corporal) normal podem estar em apuros e nem saber. "Esse é o maior desafio: identificar o magro que é metabolicamente obeso", afirma Geloneze.

São as pessoas que têm pernas finas e uma barriga grande, repleta de gordura visceral, geralmente mais dura. O risco de essa pessoa ter diabetes e outras complicações chega a ser 300% maior que o de magros saudáveis.

Segundo o professor da Unicamp, a comunidade médica e de nutricionistas ainda não sabe encontrar ou lidar com esse tipo de paciente.

Para Amélio Godoy Matos, que trabalha no Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia, no Rio, pessoas cujo organismo não sabe estocar gordura de um jeito saudável seriam candidatas a começar imediatamente um tratamento clínico para a perda de peso.

Reprodução/Nature Reviews Endocrinology
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