Folha de S. Paulo


Perdi 12 kg fazendo jejum, mas a ciência ainda não sabe se é algo seguro

Reprodução/Flickr

Quando a nutricionista me disse que ela mesma estava praticando o tal jejum intermitente, achei que era a chance de ouro para tentar –mais uma vez– perder peso. Dois meses e 12 kg a menos depois, ainda não sei se vale a pena manter em campo o time que está ganhando.

Ela, a nutricionista, havia perdido 8 kg em menos de dois meses. E me contou a novidade enquanto comia metade de um farto beirute –a primeira refeição do dia para ela, às 13h de um sábado.

A estratégia dela envolvia limitar em poucas horas (geralmente de 6 a 8) a janela na qual a alimentação é permitida. Eu, que nunca fui afeito ao café da manhã, resolvi, com algumas orientações dela e de outra profissional, me aventurar nesse caminho.

Para minha surpresa, o desjejum, que deveria acontecer já bem perto da hora do almoço, permitia ovos e bacon. A estratégia do jejum intermitente, ainda muito pouco estudada em humanos, não envolve obrigatoriamente qualquer outra limitação a não ser a de tempo sem comida.

Justiça seja feita: as nutricionistas, apesar de saberem que estavam receitando uma conduta ainda sem respaldo acadêmico, sempre foram contundentes ao afirmar que eu deveria ingerir as famigeradas cinco porções diárias de verduras, frutas e legumes (infelizmente batata não conta).

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Daí já surge um exemplo observado em estudos com humanos: quem adota uma estratégia de mudança de certos hábitos tende a modificar, mesmo "sem querer", outros. Apesar de a proposta ser de jejum intermitente, me vi cozinhando e colocando no prato até mais vegetais do que me haviam recomendado.

Também tem o fato de que a ciência ainda não consegue bater o martelo se, em humanos, benefícios como maior tolerância à insulina e o menor risco de acidentes cardiovasculares são mantidos após meses ou anos da prática, lembra Fernanda Reis de Azevedo, nutricionista e pesquisadora do Incor (Instituto do Coração), do HC da USP.

Por outro lado, do mesmo jeito que não há grande suporte para o jejum intermitente, também falta evidência que embase a velha máxima de comer a cada três horas.

"Os estudos estão mostrando que não é tão bom ter refeições muito picadas, mas para algumas pessoas pode ser mais fácil controlar a ingestão calórica dessa maneira", diz Fernanda.

Sem um estudo acadêmico, com o seguimento de pacientes ao longo de anos, é difícil tirar conclusões sobre qualquer tipo de intervenção para perder peso, mas alguns especialistas se valem de princípios de biologia evolutiva para justificar suas condutas.

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Na Pré-história, antes de o homem domar algumas plantas e desenvolver a agricultura, o normal era ficar um longo tempo de jejum entre uma caça (ou coleta) e outra.

De certo modo, o genoma humano estaria otimizado para trabalhar nessa condição estressante –assim como outros biologistas também defendem que o organismo humano estaria calibrado para a realização de exercício físico.

Mas, apesar da justificativa evolutiva, um dos maiores problemas do jejum intermitente é a adesão ao formato.

"Essa proposta foi lançada após estudos com roedores, em gaiolas. Quando se está preso, fazer jejum é fácil. Difícil é fazer quando se namora, trabalha... Temos oferta de comida em cada canto da cidade", diz a nutricionista especialista em obesidade e pesquisadora Sophie Deram.

"É uma estratégia arriscada, difícil de ser mantida e pode gerar compulsões alimentares. A pessoa tenta fazer o jejum e acaba perdendo o controle", afirma.

Para mim, a maior dificuldade tem sido limitar a participação em eventos sociais e familiares que envolvem a comida –ou seja, todos. Por vezes, falhei em mantê-lo; uma vez, quase desmaiei ao fazer atividade física em jejum.

Se não é algo para sempre, o jejum pode ser um bom começo de um plano de redução de peso, diz Fernanda. Então ela se lembra da falta de evidências e conserta: "Pode vir a ser, em um futuro distante".

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