Folha de S. Paulo


Eleição para presidência da Fiocruz gera embate com Ministério da Saúde

Gutemberg Brito/Fiocruz
Entre diversos outros projetos, a Fiocruz é um dos institutos por trás do projeto Eliminar a Dengue
Entre diversos outros projetos, a Fiocruz é um dos institutos por trás da iniciativa Eliminar a Dengue

A eleição para a presidência da Fiocruz provocou um embate entre a instituição e o Ministério da Saúde.

A pesquisadora Nísia Trindade venceu por número de votos de servidores, mas, segundo a Fiocruz, o Ministério pretende indicar a segunda colocada, Tania Cremonini de Araújo-Jorge, que teria sua nomeação publicada no Diário Oficial da União na próxima segunda-feira (2).

Trindade obteve 2.556 votos como primeira opção à presidência e 534 votos como segunda opção. Araújo-Jorge recebeu 1.695 votos como primeira opção e 656 como segunda.

A nomeação motivou um protesto de servidores na sede da instituição, no Rio, nesta sexta (30).

"[A decisão do Ministério] criou uma comoção intensa em todas as áreas em que a Fiocruz trabalha. Deveria ser um processo natural do presidente Temer e do ministro [Ricardo] Barros de reconhecer que a Fiocruz tem demonstrado maturidade no processo de seleção da presidência. Não havia nada de negativo sobre a Nísia. Ela tem o apoio de todos os ex-presidentes. Esperamos que a decisão seja revertida. Se não for, será considerada uma afronta", disse o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, cujo mandato vai até dia 17 de janeiro.

Segundo ele, o Ministério tem a prerrogativa formal de escolher quem ocupará a presidência, mas, na prática, costuma acatar a escolha da instituição.

Não está claro por que o Ministério optou pela candidata que ficou em segundo lugar na votação. A pasta disse que não vai se pronunciar. Afirmou apenas que a decisão cabe ao Palácio do Planalto e é feita com base na lista tríplice. Segundo a Folha apurou, no entanto, o ministro ligou nesta sexta (30) para Tania para informá-la sobre a escolha.

REAÇÃO

A comunidade científica recebeu com surpresa a notícia, divulgada inicialmente pelo jornal "O Globo".

"Compreendemos que é prerrogativa do Ministro da Saúde a escolha de qualquer nome que compõe a lista tríplice, porém, a comunidade da Fiocruz espera que a candidata mais votada assuma a Presidência da Fiocruz. Há que se respeitar a democracia, tão duramente conquistada e construída por nossas instituições de ensino e pesquisa", diz nota divulgada pela SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).

"Deve-se proteger a Fiocruz, como instituição de pesquisa e como instituição estratégica pela sua inegável contribuição para a saúde do Brasil, desde os seus esforços na pesquisa até as suas conquistas em termos de produção de bens essenciais para a população. Defender a Fiocruz é defender a ciência e tecnologia em saúde no nosso país", conclui a nota.

A escolha de um nome que não o primeiro da lista tríplice enviada para o Poder Executivo gera desgaste entre instituições e governo.

"Aconteceu na UFRJ anos atrás. É um problema, especialmente quando houve uma margem da ordem de 20%. É mais surpreendente ainda que o ministro tenha ignorado isso", diz o sociólogo André Botelho, professor da UFRJ e membro da SBPC.

A notícia da escolha pela segunda colocada, de acordo com a médica infectologista Marília de Oliveira, pesquisadora na área de HIV e Aids, fez com que mais de 200 servidores participassem de reuniões e mobilizações com a esperança de que haja tempo de uma reversão da decisão. "Desde a ditadura militar não vemos isso acontecer na Fiocruz."

Ela especula que o motivo da não escolha de Nísia Trindade para a presidência pode se dar por uma falta de alinhamento com o governo de Michel Temer. Nísia é atualmente vice-presidente da Fiocruz. Tania Araújo-Jorge já havia concorrido à eleição passada, de 2012, sem sucesso.

Em um debate anterior à eleição, Tania havia dito que, mesmo que não fosse a mais votada, aceitaria o cargo se fosse a indicada.

A Fiocruz é uma instituição ligada ao Ministério da Saúde e sua história teve início em 1900. Além da missão inicialmente estabelecida de fabricar soros e vacinas, também tem importante atuação na área de saúde pública (em pesquisas sobre febre amarela, zika, Aids e dengue, por exemplo).

A instituição, que tem mais de 5.000 servidores, é composta de diversas unidades (institutos) distintos, em diversos Estados brasileiros, mas a maioria se encontra no Rio de Janeiro, onde tem presença marcante.

Colaborou NATÁLIA CANCIAN, de Brasília


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