Folha de S. Paulo


Indústrias de alimentos criam regras de publicidade para crianças

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Especialistas veem na iniciativa um avanço nas lutas contra o consumo exagerado e contra obesidade
Especialistas veem iniciativa como pequeno avanço nas lutas contra consumo excessivo e obesidade

Um grupo de 11 empresas de alimentos e bebidas não alcoólicas divulgaram nesta semana as bases de um acordo que visa a autorregulação de quais itens podem ser alvos de ações de publicidade direcionadas para crianças e quais características elas devem ter.

Especialistas veem na iniciativa um avanço nas lutas contra o consumo exagerado e contra obesidade, mas apontam falhas que poderiam enfraquecer o pacto.

Nele, as empresas se comprometeram a não fazer quaisquer anúncios de itens obviamente pouco saudáveis, como chocolate, refrigerantes ou manteigas para as crianças. Também unificaram os critérios nutricionais mínimos que um produto deve ter para poder ser anunciado para o público infantil.

O problema é que uma maionese "apta" a ser anunciada para o público infantil deve ter até 85 kcal por porção (no caso, uma colher de 12 g) –não se trata de um grande desafio, já que essa é a mesma quantia energética em várias marcas dessas emulsões.

O mesmo raciocínio da maionese vale para outros alimentos processados como salgadinhos à base de batata. Alguns podem ter 900 mg de sódio por 100 g de produto, quase metade da ingestão diária recomendada (2.000 mg).

A dificuldade pode ser atender a outros requisitos como limitar a quantidade de gordura saturada na maionese e a um pouco mais ambiciosa meta (não obrigatória) de ter mais de 25% de gordura poli-insaturada, conhecida pelas propriedades benéficas para o sistema circulatório

"Ninguém garante que a criança só vá comer a porção indicada na embalagem", diz Aline Ganen, professora do mestrado profissional em nutrição do nascimento à adolescência do Centro Universitário São Camilo.

Segundo ela, outro problema além dessa "permissividade" seria a adequação de produtos para as diversas faixas etárias, que têm necessidades nutricionais diferentes.

No compromisso também foi definido que, para fins de fiscalização, será considerado um programa infantil aquele que tiver audiência de 35% de crianças.

Para Isabella Henriques, diretora do Instituo Alana, ONG que há dez anos atua na área que discute consumo entre crianças, uma questão difícil é que propagandas aparentemente não infantis também podem atingir crianças.

Seria difícil determinar se o alcance de peças publicitárias "adultas" de refrigerante ou de chocolate, por exemplo, não é mais amplo do que aparenta. "Essa é a pergunta de um milhão de dólares."

Água engarrafada, sucos e outros produtos 100% à base de fruta e castanhas e sementes sem adição de sal não sofrerão qualquer restrição –ou seja, pelos termos da autorregulação, mesmo que tenham temáticas e contextos infantis, poderão ser anunciados aos pequenos.

"A autorregulação está aquém do ideal, mas considerando que a legislação atual não está sendo cumprida, é um avanço. Esse anúncio mostra que a indústria reconhece que a publicidade pode ser danosa para o público infantil, pelo menos em algumas circunstâncias", diz Isabella.

A proposta é que uma auditoria independente (feita pela KPMG) cuide do monitoramento e alerte as empresas sobre eventuais deslizes no acordo de autorregulação.

Os atuais signatários do Compromisso pela Publicidade Responsável para Crianças são estes: Coca-Cola Brasil, Ferrero, Kellogg's, McDonald's, Nestlé, Unilever, PepsiCo, Mondelez, Mars, General Mills e Grupo Bimbo.

A razão do acordo é atender ao desejo da sociedade de ter um maior controle sobre a qualidade dos produtos ofertados a quem tem menos de 12 anos de idade.

LEGISLAÇÃO

Já existe uma resolução que põe limites na publicidade infantil, mas ela é frequentemente descumprida.

Segundo a norma 163 do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos Humanos da Criança e do Adolescente), publicada no "Diário Oficial da União" em 2014, considera-se um anúncio direcionado para esse público aquele que utiliza "linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores", trilhas sonoras infantis, personagens ou apresentadores infantis ou ainda que distribua brindes colecionáveis, entre outros.

O mesmo texto afirma que "considera-se abusiva [...] a prática do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança".

O entendimento jurídico a esse respeito, no entanto, não é unânime, afirma Isabella.

Essa divergência teria dado espaço para que, na prática, a resolução não "pegasse".

DEBUTANTE

Além do anúncio feito por 11 gigantes do setor de alimentação, a semana foi marcada pelos 15 anos de um projeto de lei da Câmara (5921/2001) que visa proibir qualquer publicidade para produtos infantis.

A autoria é do deputado federal Luiz Hauly (PSDB/PR), e o texto está em espera para ser votado em plenário. Se aprovado, segue pera o Senado.

"Existe um poder avassalador das publicidades, especialmente até os 12 anos, quando a área cognitiva ainda não está pronta", afirma o deputado.

O texto propõe uma restrição muito maior do que gostaria a indústria alimentícia, que desde 2008 já se movimenta para administrar a situação, ainda que de forma não tão efetiva, segundo os representantes das companhias.

De 2007 até agora, pelo menos outros 13 projetos de lei ou de decreto legislativo foram criados, mostrando que o interesse dos parlamentares no tema também cresceu. "Não é só aprovando PL que a gente vence", diz Hauly.


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