Folha de S. Paulo


'Síndrome da pessoa elástica' pode afetar articulações e até o coração

De pé, Maria Eduarda Pelegrini, 7, coloca o nariz no joelho e, com as pernas perfeitamente esticadas, apoia as mãos espalmadas no chão.

Ela não é contorcionista nem passou horas treinando para atingir tamanha flexibilidade. Eduarda nasceu com uma condição genética conhecida como "síndrome das pessoas elásticas" e que pode atingir até 40% da população em algum grau.

A hipermobilidade de Eduarda corresponde à mais comum das seis variações da Síndrome de Ehlers-Danlos (SED), caracterizada por alterações nos genes que sintetizam o colágeno, elastina e fibrina, causando defeitos nos tecidos conjuntivos como tendões, músculos e membranas que envolvem as articulações.

O problema pode afetar qualquer membro do corpo, gerando uma frouxidão articular que dá à pessoa uma elasticidade incomum sem esforço ou treinamento.

"Flexibilidade costuma ser um indicativo de saúde. As pessoas veem que alguém consegue encostar o polegar no pulso, fazer poses de iogue e acham bonito, ficam com inveja. Muitas vezes essa pessoa tem um problema sério. Sente dores frequentes, é mais suscetível a desenvolver problemas posturais, osteopenia [doença que diminui a densidade óssea] precoce e artrite reumatoide", explica a fisioterapeuta Neuseli Marino Lamari, livre-docente da Faculdade de Medicina de Rio Preto.

Estudiosa do tema há mais de trinta anos, Lamari explica que a principal característica do hipermóvel é exceder o extremo das amplitudes de movimento articular.

"Conseguir encostar a palma da mão no chão com a perna esticada é uma coisa incomum até em jovens. Fiz uma pesquisa com 1.700 crianças entre 6 e 12 anos e só 14% delas conseguiam fazer esse movimento", diz.

O Hospital de Base de São José do Rio Preto tem um ambulatório de fisioterapia especializado na síndrome. Lá, crianças com diagnóstico de SED recebem reeducação postural. O objetivo não é reduzir a flexibilidade, até porque isso é impossível. Os pacientes aprendem a se mover de modo a não forçar o corpo e evitar problemas como escoliose, cervicalgia, lombalgia, artralgia de joelhos, artrose e tendinite, a que estão mais sujeitos.

"O ideal é que a reeducação seja feita antes do estirão de crescimento que acontece por volta dos 12 anos. O problema é que poucos pediatras conhecem a SED. É comum acharem que a criança é estabanada, ou confundirem com fibromialgia ou osteoartrite", diz Lamari.

O hipermóvel muitas vezes é tido como desastrado. É que a frouxidão articular leva ao deslocamento involuntário dos braços, pernas e joelhos. A maior parte das crianças descobre a SED após queixas de cansaço excessivo e dores nas pernas. Em casos mais graves, a pessoa pode ter intolerância postural ortostática (dificuldade para ficar de pé por muito tempo).

Segundo Lamari, uma das piores coisas que podem acontecer a um hipermóvel é fazer um uso competitivo da flexibilidade. "Muitos contorcionistas, artistas de circo e bailarinos têm SED. Eles têm uma aparente vantagem nessas atividades, mas o preço logo aparece: desgaste precoce das articulações. A pessoa é estimulada a desrespeitar os limites do corpo", explica. Isso não significa que toda pessoa que consegue fazer movimentos amplos é doente. O problema é conseguir uma superelasticidade sem treinamento adequado.

O diagnóstico é feito em exame clínico que observa se há cinco de nove pontos de elasticidade excessiva.

O mesmo defeito na síntese do colágeno que gera toda essa flexibilidade também pode render miopia, astigmatismo, dor abdominal e problemas cardíacos. "Tudo que depende da produção de colágeno no organismo, incluindo o esqueleto fibroso do coração, pode ficar fragilizado", explica o cardiologista Marcio Pimentel, do Hospital de Base de São José do Rio Preto.


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