Folha de S. Paulo


Cirurgia rara expande tórax de menina em hospital de SP

Moacyr Lopes Junior - 26.mar.2016/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL. 26.03.2016. A pequena Alice Domenichelle Tonello Bezerra, 5 que foi diagnosticada com sindrome cerebro-costo-mandibular, doença genética rara com apenas setenta casos relatados no mundo, posa ao lado de seu pai Wellington Felipe Bezerra, 38 e a mae Carla Domenichelle, 39. (Foto: Moacyr Lopes Junior/Folhapress, COTIDIANO). ***EXCLUSIVO***
Alice, 5, ao lado dos pais Wellington Bezerra e Carla Domenichelli

Em cirurgia rara, médicos conseguem ampliar tórax de menina que nasceu com uma síndrome que afeta pulmões, coluna e coração.

Alice Domenichelli Tonello Bezerra, 5, foi diagnosticada com síndrome cérebro-costo-mandibular -doença genética rara com apenas setenta casos relatados no mundo- durante um ultrassom morfológico, no terceiro mês de gestação.

Crianças que nascem com essa síndrome apresentam agenesia ou micrognatia [ausência ou encurtamento da mandíbula], além de fenda do palato [lábio leporino], glossoptosis [retração da língua] e uma caixa torácica reduzida, que acarreta em problemas respiratórios e cardíacos.

O problema central é que o pulmão não se desenvolve em volume nem em número de alvéolos. Conforme a criança cresce, ele deixa de conseguir abastecer o corpo de oxigênio.

A síndrome gera ainda uma escoliose, deformidade da coluna que limita o crescimento do tronco. Em 40% dos casos, a criança morre no primeiro ano de vida.

O primeiro exame já mostrava alterações nas medidas da nuca do bebê, algo que costuma estar associado a problemas congênitos como a síndrome de Down.

Mas não era Down: Alice tinha o ossinho do nariz perfeito, diferentemente dos bebês com Down, e um exame do líquido amniótico comprovou que não havia nada de anormal com os cromossomos.

"Passei seis meses de gravidez sabendo que ela tinha algo, mas sem saber o que. O médico disse que ela teria alguma síndrome grave, que poderia morrer ainda na barriga. Se chegasse com vida, não sabia dizer quanto tempo resistiria", conta a mãe, Carla Domechelli, 39.

Por muito tempo, os médicos acharam que essa síndrome estivesse associada a problemas cognitivos. "Como não havia diagnóstico durante a gestação, a criança nascia e não recebia o suporte necessário para respirar, o que acabava gerando algum nível de deficiência", explica o Marcus Alexandre Mello Santos, ortopedista responsável pela cirurgia da menina.

Alice, no entanto, não tem nenhuma deficiência intelectual. "Acho que é até o contrário, para lidar com as limitações, ela ficou inteligente rápido demais. Hoje já ensino ela a se cuidar, a limpar a 'traqueo', a ter a independência dela", diz Carla.

Os ultrassons posteriores mostravam que o queixo da menina era muito pequeno, assim como sua caixa torácica. Apesar disso, Alice nasceu sem complicações e foi direto para a UTI.

Foram necessários sete meses de hospital e quatro cirurgias até que ela fosse liberada para casa, onde recebe auxílio de enfermeiros até hoje. Primeiro, foi feita uma traqueostomia após uma semana de vida, para que ela conseguisse respirar [o queixo diminuto fazia com que a língua bloqueasse a garganta]. Com um mês, a menina passou por outra cirurgia para corrigir um estreitamento da aorta.

Aos dois meses, uma gastrotomia instalou uma válvula na barriga para que ela pudesse se alimentar por ali. Aos quatro, Alice passou pela primeira cirurgia de alargamento da mandíbula, feita pela cirurgiã plástica Vera Lúcia Cardim.

Apesar dos percalços, como internações frequentes por pneumonia, a menina leva uma vida normal. Vai à escola, engatinhou e andou na idade esperada. Alice não fala por conta da dificuldade em coordenar a saída do ar pela boca causada pela traqueostomia. "Às vezes ela tampa a cânula da traqueostomia e fala mamãe, arrisca um papai", conta Carla.

Em março deste ano, Alice foi submetida à mais importante dessa série de cirurgias: a de alargamento do tórax, feita pelos médicos Marcus Alexandre Mello Santos e Renato de Oliveira, no Hospital Infantil Sabará, em São Paulo.

"O objetivo era aumentar o tórax para permitir que o pulmão se desenvolvesse e, ao mesmo tempo, corrigir um defeito que ela tinha nas costelas e que gerava escoliose neuromuscular", explica Santos.

Para expandir o tórax, os médicos abrem a caixa torácica e inserem um implante de costela expansivo feito em titânio.

O implante é posicionado entre as costelas, ampliando o espaço que as separa. Ele funciona como um sistema de ganchos presos a hastes telescopadas que promovem uma expansão da caixa torácica, abrindo espaço para a expansão do pulmão.

A cada período entre quatro e seis meses, o paciente passa por uma nova cirurgia para aumentar o intervalo entre os arcos costais. Nesses procedimentos de manutenção, as hastes de metal são discretamente expandidas para que o tamanho do tórax acompanhe o crescimento da criança.

As expansões são feitas até os dez ou quatorze anos, quando a caixa torácica atinge seu tamanho definitivo. A essa altura, o tórax do paciente já deve estar próximo ao tamanho normal.

"O período de ouro do crescimento pulmonar é até os oito anos de idade, por isso era muito importante fazer a cirurgia logo. Assim o pulmão de Alice ainda tem quatro anos para se desenvolver bem", diz Santos.
Além da síndrome cérebro-costo-mandibular, outras doenças como as síndromes de Jeune, Poland ou Jarcho-Levin, acondroplasia, má formações de arcos costais ou escoliose podem resultar em uma caixa torácica reduzida.

A cirurgia de ampliação, no entanto, é bastante rara. "No Brasil, não devemos ter feito mais de dez", diz Santos.

Um mês após a operação, Alice já retomou suas atividades normais. Vai à escola, brinca com os amigos. A mãe espera poder dispensar a assistência domiciliar nos próximos anos. "Eu sei que contando assim parece que esses cinco anos foram uma sucessão de cirurgias. Mas para a gente são uns percalços que logo passam", diz Carla.


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