Folha de S. Paulo


Ministro quer legalização da 'pílula do câncer' como suplemento alimentar

O ministro da Ciência e Tecnologia, Celso Pansera, disse nesta quarta-feira (30) que irá sugerir ao Congresso e à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) a liberação da fosfoetanolamina como suplemento alimentar.

"Seria uma forma de tirar essa substância do câmbio negro e dar legalidade a esse produto", afirmou em coletiva de imprensa. "Sabemos que existe um mercado subjacente."

Segundo Pansera, a ideia é propor um projeto para que a substância, que ficou conhecida como "pílula do câncer", possa ser produzida e distribuída em farmácias e lojas legalizadas, mas sem o status de medicamento.

A distribuição ocorreria antes mesmo do fim das pesquisas pré-clínicas, em animais, e clínicas, em humanos, etapas consideradas fundamentais para comprovar a segurança e a eficácia do produto contra o câncer.

Questionado, o ministro disse que a decisão se baseia no resultado dos primeiros estudos realizados com a substância, por meio de testes in-vitro, que mostram que ela não é tóxica aos seres humanos.

"Nosso objetivo é continuar investindo e seguir as fases das pesquisas pré-clínica e clínica. Para aí sim comprovarmos se é um medicamento ou não", afirmou.

Pansera evitou comentar os demais resultados dos primeiros estudos, tidos como desfavoráveis por pesquisadores. O relatório, feito por equipes da USP de São Carlos a pedido do próprio Ministério de Ciência e Tecnologia, mostra que a substância tem baixo grau de pureza e pouco ou nenhum efeito sobre células tumorais, com desempenho muito inferior ao de drogas anticâncer já disponíveis há décadas.

"O que buscamos até esse momento era se existe ameaça à saúde humana no consumo. Se isso existisse, teríamos que tomar outro tipo de atitude", disse.

Na última semana, o Senado aprovou um projeto de lei que prevê a distribuição, liberação e o uso da fosfoetanolamina para pacientes com câncer. A medida ainda depende de sanção da presidente Dilma Rousseff.

No dia 15 de abril, está agendada a apresentação de um novo relatório sobre testes em animais e sua ação em dois tipos de câncer -melanoma e câncer de pâncreas.

'SAÍDA DA POLÊMICA'

Para o ministro, a nova proposta ocorre como uma forma de "sair dessa polêmica" criada em torno da fosfoetanolamina.

"Estou pessoalmente convencido de que temos que achar uma saída legal para isso, senão vamos ter daqui a uns dias um mercado [ilegal] cada vez maior, e não duvido que vamos ter uma obrigação judicial de produzir e distribuir a droga. Temos que trabalhar com esse fato inclusive", disse.

Questionado se a legalização como suplemento não seria precipitada diante do resultado dos primeiros estudos, Pansera disse, novamente, que não iria responder. "Não vou arriscar."

"Há uma realidade estabelecida: as pessoas estão consumindo essa substância, não sei como e não sei de onde. E isso está mitificando a substância. Há uma defesa apaixonada a favor e contra. Não tem outra saída senão jogar a luz da ciência sobre o fato. Não existe nenhum caso no mundo de uma substância sintética ser distribuída como medicamento. Existe sim o chá da vovó, a erva, a folha, e a humanidade vem usando para combater determinados males. O que nós queremos é orientar o consumo das pessoas e colocar isso nas prateleiras", completou.

PRODUÇÃO

Ainda de acordo com Pansera, estudo técnico feito pela Anvisa, a pedido do ministério, mostra que não há solicitações de patente da substância como suplemento alimentar em outros países.

Com isso, a pasta pretende solicitar aos pesquisadores que trabalham com a fosfoetanolamina que busquem esse registro. A etapa seria necessária para que a substância possa vir a ser liberada como suplemento alimentar no Brasil.

Já a produção seria feita por laboratórios credenciados -uma possibilidade, afirma, seria procurar a empresa que já se dispôs a fazer parte dos estudos conduzidos pelo governo paulista sobre a substância. "E aí onde houver demanda o mercado vai ajustando", disse ele, para quem a liberação "não substitui o atendimento médico".

Segundo ele, a ideia é que sejam definidos um rótulo e instruções de uso do produto.

Remédio anticâncer

ANVISA

Em nota, Anvisa informa que "nunca foi protocolado, junto à agência, qualquer pedido de registro da fosfoetanolamina, seja como medicamento, seja como suplemento alimentar". Segundo a agência, caso o registro seja requerido, equipes técnicas devem priorizar a análise de acordo com as regras estabelecidas.

A Anvisa diz ainda que não determina a classificação do produto –se deve ser alimento ou medicamento– e que a decisão cabe aos fabricantes.

A possível liberação da fosfoetanolamina antes da conclusão dos estudos clínicos preocupa a agência. Na última semana, o diretor-presidente, Jarbas Barbosa, afirmou que iria enviar uma nota técnica ao Planalto em que recomenda seja vetado o projeto aprovado no Senado.

Para ele, há possibilidade de riscos à saúde dos pacientes. "Alguns defensores da fosfoetanolamina defendem que ela tenha que ser tomada em substituição à quimioterapia. Isso pode aumentar a mortalidade por câncer no Brasil. É um risco muito sério", disse à Folha na última quarta-feira (23).


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