Folha de S. Paulo


Médicos nos EUA reforçam indicação de mamografia bienal e só após os 50 anos

Um grupo de cientistas e pesquisadores ligado ao governo americano trouxe novamente à baila o debate sobre a partir de quando e com que frequência as mulheres devem fazer mamografias.

O U.S. Preventive Services Task Force, cujas diretrizes são as mais influentes do mundo, por causa do rigor com que são feitas, lançaram nesta terça (12) suas recomendações finais sobre o exame.

E reforçaram que a mamografia de rotina seja feita a cada dois anos por mulheres entre 50 e 74 anos.

A indicação é baseada em extensa revisão de estudos e também em consulta pública. Alguns fatores para explicar a faixa etária escolhida são o fato de o risco de câncer ser maior nessa faixa etária e de o exame ser capaz de visualizar melhor alterações em mamas de mulheres mais velhas, que têm mais gordura e menos tecido glandular.

Para as mulheres entre 40 e 49 anos, a decisão de fazer o exame de rotina deve ser individual e tomada com o médico, diz o painel de especialistas. Nessa faixa, a mamografia a cada dois anos também pode reduzir mortes por câncer, mas a chance de obter benefícios é menor e os possíveis danos, como falsos-positivos, são maiores.

Para mulheres acima de 75 anos, o painel diz que os benefícios do exame não estão claros. O grupo também não conseguiu chegar a conclusão alguma quanto à mamografia 3D, analisada pela primeira vez por eles. Sem evidências científicas, não é possível indicar o exame na prática clínica, dizem.

"O papel do U.S. Preventive Servises Task Force nessas discussões é empoderar mulheres com os melhores dados científicos sobre os benefícios e danos da mamografia de rotina, para que elas possam tomar uma decisão informada com seus médicos", diz o editorial do grupo.

As recomendações são diferentes das lançadas em outubro do ano passado pela Sociedade Americana do Câncer. A entidade passou a indicar o exame anualmente dos 45 aos 54 anos. A partir daí, as mulheres devem fazer a mamografia a cada dois anos enquanto forem saudáveis e tiverem expectativa de vida de mais dez anos.

O próprio Task Force comentou a diferença e disse que especialistas podem interpretar os estudos de forma diferente, mas que espera que ambas as diretrizes possam facilitar o diálogo entre mulheres e médicos.

REALIDADE

Na prática clínica por aqui, especialmente na medicina privada, a realidade difere do que preconiza o U.S. Task Force. O exame costuma ser feito mais frequente e precocemente.

Sociedades médicas brasileiras, como a de mastologia e radiologia, recomendam o exame anual, a partir dos 40.

Segundo Gil Facina, professor da disciplina de mastologia da Unifesp, o rastreamento precoce aumenta as chances de cura e, portanto, reduz mortalidade.

"O que muitos estudos discutem é o custo do diagnóstico. O exame em mulheres mais velhas leva a menos biópsias desnecessárias. O exame bienal a partir dos 50 cobre a maioria dos casos, porque depois da menopausa o risco é maior. Você investe menos dinheiro e acha mais câncer", diz.

Para Arn Migowski, médico sanitarista e epidemiologista do Inca (Instituto Nacional de Câncer), o exame de rotina anual é uma questão cultural que precisa ser desconstruída.

"Existe uma tradição de fazer exames de rotina anuais mesmo com estudos mostrando que nem sempre há benefícios. A ideia está presente tanto entre os profissionais médicos quando na população; um alimenta o outro", afirma. Segundo ele, mesmo no SUS até metade das mamografias de rotina é feita fora da população alvo.
A tendência mundial, diz Migowski, é reduzir o excesso de exames desnecessários.

"Nos EUA isso tem diminuído. A Sociedade Americana de Câncer já pediu menos exames. No Brasil, porém, persiste esse mito de que não tem riscos e só salva vidas."

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MAMOGRAFIA EM DEBATE

Mama

RECOMENDAÇÕES NOS EUA

40 - 49 anos
A mamografia não é recomendada, pois não há benefício claro e os danos potenciais são maiores. A decisão deve ser tomada junto com o médico, e baseada no histórico de saúde

50 - 74 anos
O exame deve ser feita a cada dois anos. O risco de câncer é maior nessa idade e o exame detecta melhor as alterações da mama, porque há mais gordura e menos tecido glandular

Acima de 75 anos
As evidências atuais são insuficientes para avaliar a relação entre benefícios e prejuízos da mamografia nessa faixa etária

NO BRASIL

Acima de 40
A Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) indica a mamografia anualmente a partir dos 40 anos, situação similar à prática da medicina privada do país

50 - 69 anos
O Instituto Nacional do Câncer e o Ministério da Saúde recomendam que a mamografia seja feita prioritariamente a cada dois anos nessa faixa

A OMS vai na mesma linha e diz que a incidência de câncer mama é muito pequena em mulheres com idade entre 40 e 49 anos

MAMOGRAFIA 3D

Os cientistas dos EUA avaliaram pela primeira vez esse tipo de exame. A conclusão é que a tecnologia é promissora, mas não há evidências suficientes para determinar se os resultados são melhores. Por isso, não foi tomada uma posição a respeito

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TIRE SUAS DÚVIDAS

As recomendações do grupo americano valem para todas as mulheres?
Não. Elas valem para mulheres acima de 40 anos que não têm sinais ou sintomas de câncer de mama, que nunca tiveram a doença ou de lesões precursoras do câncer ou para as mulheres com risco elevado de desenvolver o câncer.

Como sei se tenho risco elevado de desenvolver câncer de mama?
Os fatores incluem diagnóstico anterior de câncer de mama e lesões de alto risco, histórico familiar, mutações genéticas nos genes BRCA1 e BRCA2 e histórico de radiação no peito quando mais jovem. Eles devem ser discutidos com o médico para que se determine quando começar a fazer a mamografia

O que os médicos americanos propõem que as mulheres na faixa dos 40 anos façam?
O painel recomenda que a decisão nesse caso seja individual e discutida com os médicos, já que o risco nessa fase é menor e os riscos de malefícios por causa dos exames são maiores

Por que o U.S. Task Force recomenda o exame a cada dois anos, e não anualmente?
Os estudos avaliados pelo grupo não mostram benefícios em encurtar o intervalo entre os exames. No Reino Unido, a mamografia chega a ser recomendada a cada três anos.

Mas qual é o problema de fazer mamografias? Não é sempre melhor encontrar um câncer mais cedo?
Apesar dos possíveis benefícios, também há danos em potencial. O mais sério é o chamado "excesso de diagnóstico", quando a mulher recebe diagnóstico e tratamento para um câncer que nunca ameaçaria sua vida. O dano mais comum é um resultado falso-positivo, mais comum em mulheres com menos de 50 anos –o exame sugere que a mulher tem câncer quando na verdade ela não tem


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