Folha de S. Paulo


Ortorexia pode acabar levando ao isolamento social e causar desnutrição

Após perder 27 kg e finalmente conquistar uma barriga "tanquinho", a funcionária pública Thaís Sundfeld, 32, passou a controlar rigidamente a alimentação. O desejo de comer de forma saudável era tanto que passou a prejudicar sua vida pessoal.

"Uma refeição fora de casa, mesmo na casa da minha avó, gerava um estresse enorme. Sentia culpa e ansiedade. Não conseguia fazer concessões", explica.

Julia, 25 (que prefere não divulgar seu sobrenome), excluiu tantos grupos alimentares que, após dois anos de dieta, viu seu cardápio reduzido praticamente só a proteínas e hortaliças. Desenvolveu pânico de comer na frente de conhecidos e chegou a levar marmita para a festa de casamento da irmã.

Ambas sofreram com a chamada ortorexia: um comportamento obsessivo em relação à comida.

Além de pôr em risco a saúde, com a falta de nutrientes essenciais, a ortorexia ainda atrapalha significativamente as relações sociais e afetivas.

"A preocupação excessiva com a alimentação passa a dominar a vida da pessoa. Torna-se uma obsessão", explica a médica Sandra Carvalhais, coordenadora da pós-graduação em psiquiatria do Instituto de Pesquisa e Ensino Médico, em São Paulo.

Para os especialistas, a onda de blogs e redes sociais que disseminam informações sobre nutrição e dietas, muitas vezes equivocadas, acabam criando o ambiente ideal para paranoias alimentares.

O termo ortorexia –junção dos termos gregos "ortho", correto, e "orexis", apetite–surgiu no livro "Health Food Junkies" (Viciados em comida saudável) do médico americano Steven Bratman. Publicada em 1997, a obra já indicava a tendência do "vício" fora de limites por alimentos supostamente perfeitos.

Embora tenha havido cada vez mais trabalhos acadêmicos sobre o tema, a ortorexia ainda não é reconhecida como um transtorno alimentar distinto nos manuais de referência, como o DSM-5 da Sociedade Americana de Psiquiatria. A questão, porém, tem sido cada vez mais presente nos consultórios.
isolamento

Ainda que muitas vezes também cause emagrecimento excessivo, a ortorexia é diferente da anorexia. Para a médica nutróloga Maria del Rosario, diretora da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia) que tem longa experiência em transtornos alimentares, a principal questão é a autoimagem corporal.

"Quem tem anorexia se olha no espelho e se enxerga gordo, mesmo estando muito magro. O ortoréxico não costuma ter esse problema. Ele se vê magro, mas muda a alimentação por uma questão de saúde." A ortorexia pode, inclusive, estar associada a outros distúrbios, sobretudo transtornos compulsivos.

Além disso, a pessoa com ortorexia se impõe tantas restrições que acaba sem conseguir comer com a família e os amigos. Esse isolamento pode levar a ansiedade e depressão, segundo del Rosario.
Recém-formada em administração, Julia, 25, diz que teve dificuldades em participar dos eventos da universidade.

"Eu passava horas buscando na internet a maneira mais pura de me alimentar. Depois de um tempo, perdi a capacidade de comer algo que tivesse sido preparado por outra pessoa", diz ela, que está em tratamento para a ortorexia há quatro meses.

Os especialistas indicam tratamento multidisciplinar, com psicólogo, psiquiatra e acompanhamento nutricional. Como as restrições alimentares podem ser diferentes, os efeitos da ortorexia variam de pessoa para pessoa. Há desde casos sérios de subnutrição até deficiências de nutrientes.

Hoje recuperada, Thaís diz que o apoio do marido e da família foram fundamentais. "Tem sido uma batalha em busca do equilíbrio, mas já consigo ir a uma festa e comer normalmente", conta.

A servidora pública conta um pouco da sua rotina em um perfil no Instagram. Outras redes sociais e sites também têm sido um espaço para a troca de experiências e a busca de apoio, como a página "Como, logo me culpo", criada no Facebook por Karina Guimarães e dedicada a ajudar portadores de diversos transtornos alimentares.


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