Folha de S. Paulo


Brasileiro que faz hemodiálise há 33 anos conta a sua trajetória

RESUMO A vida de José Gomes Santana, 59, se sobrepõe à história do tratamento de doentes renais crônicos no Brasil nas últimas três décadas. Mesmo passando por dificuldades como compartilhamento de máquina e uma infecção por hepatite C por erro hospitalar, o morador de Joinville (SC) está prestes a completar 33 anos de sobrevida sem os rins.

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Quase 7.000 sessões de hemodiálise. Esse é o saldo acumulado pelo aposentado José Gomes Santana em 33 anos de doença renal crônica. Ele faz tratamento na Fundação Pró-Rim de Joinville (SC).

Quando descobriu a doença, aos 26 anos, os médicos estimaram uma sobrevida de sete anos. Ele tinha hipertensão, uma das causas da doença renal, e não sabia.

Hoje, Santana é o paciente renal mais antigo de Santa Catarina e talvez um dos mais longevos do país –não há dados oficiais sobre isso

Faz quatro sessões semanais de quatro horas de hemodiálise. Em 2013, lançou o livro "Lutar Sempre... Desistir Jamais" (edição do autor).

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Eu tinha 26 anos quando comecei a ficar doente. Sentia muita dor de cabeça, ânsia de vômito e inchaço nos pés e na barriga. Eu não sabia que era pressão alta.

Só descobri quando ela já tinha destruído meus rins. Passei a depender de uma máquina para sobreviver.

A máquina de hemodiálise faz a função dos rins e garante a eliminação das toxinas. Na época, fazia a diálise peritonial, implantavam um cateter na barriga. A sessão durava 24 horas.

As máquinas não ofereciam nenhum tipo de segurança. Às vezes, tínhamos que dividir a máquina com outro paciente. Era uma diálise dupla. Passávamos muito mal. Um dia, a máquina até pegou fogo. A máquina em chamas e eu ali, preso às mangueiras. Um desespero!

O pior foi ter contraído hepatite C quando o material de outro paciente foi trocado pelo meu. Ainda bem que tudo isso hoje é passado. Hoje as condições sanitárias e a segurança do tratamento são muito maiores.

Naquela época, os médicos haviam me dito que a sobrevida do paciente em hemodiálise era de sete anos e eu pensei que comigo não seria diferente. Pensei que fosse morrer já no primeiro ano porque não via ninguém sobreviver mais que isso. Minha filha na época tinha três anos.

Eu tinha perdido o emprego e desisti do sonho de ter uma casa própria. Vendi todos os materiais de construção que tinha comprado.

Mas, depois de um ano de hemodiálise, comecei a vender roupas e objetos de porta em porta e me dediquei a construir meu lar. Comecei a acreditar que sobreviveria.

Após um ano e quatro meses na máquina de hemodiálise, fiz meu primeiro transplante. Recebi o rim de um doador morto, mas nem cheguei a fazer xixi com meu rim novo. Com oito dias de cirurgia, tive que voltar para a máquina. Meu organismo rejeitou o transplante. Depois disso, surgiu outra oportunidade de transplante, mas eu acabei optando por não fazer.

Sempre procurei encarar as adversidades com otimismo. Em 1989, minha mulher me deixou. Minha filha tinha dez anos e meu filho caçula apenas dois.

Foi sofrido, pois eu a amava. Mas ergui a cabeça. Mesmo doente, dependendo de uma máquina para sobreviver e tendo que assumir a responsabilidade de criar sozinho duas crianças.

Minha mãe me ajudou bastante. Ficava com as crianças quando eu tinha que fazer hemodiálise.

O tempo foi passando. Meu sonho era ver minha filha fazer 15 anos. Não só realizei esse sonho em 1994 como, em 1997, nasceu minha primeira neta. Foi muita alegria.

Nunca parei, sempre tive muita vontade de viver e não deixar que as limitações causadas pela doença me abatessem. Não posso fazer viagens longas, por exemplo, porque tenho quatro sessões de hemodiálise todas as semanas.

Durante 14 anos, fui voluntário da Fundação Pró-Rim, na busca de recursos para a instituição. Também ajudei a fundar a Associação dos Renais Crônicos de Joinville, que ajuda pacientes que chegam de outras cidades e, muitas vezes, não têm condições de se manterem.

Há uns 20 anos, pensei em escrever um livro. Comecei a colocar no papel meu dia a dia e todas as dificuldades que enfrentava. Aprendi a escrever com a mão esquerda, pois devido ao tratamento muitas vezes não tinha força na mão direita.

As pessoas precisam de informação e de exemplos para enfrentar a doença renal, por isso decidi registrar minha história. Se chorar resolvesse, eu viveria chorando.

Não gosto de reclamar da vida. Costumo dizer que a máquina de hemodiálise é a minha melhor amiga. Se não fosse ela, eu não teria acompanhado o crescimento dos meus filhos e o nascimento dos meus netos.


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