Folha de S. Paulo


Há 46 anos na UTI, paciente cria desenho animado; assista

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As brincadeiras de sete crianças com paralisia infantil, que passaram a infância internadas numa UTI do Hospital das Clínicas de São Paulo, viraram mote para uma série de desenhos, criada pelo líder da turma.

Paulo Henrique Machado, 47, que vive ligado a um respirador artificial no Hospital das Clínicas desde um ano de idade, é mentor e roteirista da animação "Brincadeirantes", concluída nesta semana. A Folha revelou sua história no ano passado.

O episódio-piloto, com dez minutos, foi possível graças a um financiamento coletivo que arrecadou R$ 120 mil. Um total de 1.612 doadores colaboraram com a empreitada.

"Pareço criança. Já assisti umas 200 vezes e não me canso de rever. Ficou exatamente do jeito que eu sonhei. A caracterização dos personagens, a trilha, tudo. Foi um processo dolorido, por me fazer recordar dos amigos que já se foram, mas, ao mesmo tempo, desafiador", conta.

Carlos Cecconello/Folhapress
Paulo Henrique Machado, 47, em seu leito na UTI do Hospital das Clínicas
Paulo Henrique Machado, 47, em seu leito na UTI do Hospital das Clínicas

Dos amigos que aparecem no primeiro e nos futuros episódios, apenas ele e Léca (Eliana Zagui, sua melhor amiga e vizinha de cama na UTI do HC) sobreviveram.

Deitados no leito, ambos concluíram o ensino médio. Paulo fez cursos de computação gráfica e de roteiro pelo Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial).

É fã de animações, como as do estúdio britânico Aardman Animations (especializado em stop-motion, técnica de animação em que modelos de massinha são fotografados quadro a quatro), que tem personagens deficientes. Pela internet, fez amizade com Carlos Saldanha, diretor de "A Era do Gelo" (2002), que já o visitou no HC.

Ao roteirizar suas histórias e as dos amigos, a ideia de Paulo foi combater preconceitos. "Apesar das limitações, a gente se divertia. Da janela do quarto, soltávamos pipa. O hospital foi o meu jardim da infância e continua sendo meu lar."

Mesmo com sistema respiratório paralisado pela pólio, Paulo, Pedro e Anderson tinham movimentação nos braços. Já Eliana, Claudia e Tânia, não. Desenhavam e escreviam com boca.

Na animação, Paulo relata uma ida ao Playcenter em que tenta brincar, mas, penalizados com a sua deficiência, funcionários das barracas lhe dão prêmios, sem que ele os dispute. "Não quero brinquedo, quero é brincar", queixa-se Léco, seu personagem.

Na vida real, Paulo se diverte com filmes e jogos no computador. "Todos os dias, quando acordo, olho pra cama da Eliana e digo: 'Ainda bem que ainda estamos vivos'." E como estão.

Eliana pinta quadros com a boca, escreve o segundo livro e se prepara para ver a primeira obra ["Pulmão de Aço", Belaletra editora, de 2012] virar peça teatral. Ambos os projetos são para 2015.

Paulo tenta viabilizar parcerias para a exibição do seu programa-piloto e a criação de novos episódios. Sete roteiros e 22 argumentos já estão prontos.

O produtor e animador do programa, Bruno Saggese, professor de Paulo, diz que se surpreendeu com a vitalidade e o talento do aluno. "A gente pensa que UTI é lugar de tristeza, mas aqui é um mundo à parte."

A ideia, segundo ele, é procurar TVs abertas e a cabo, além de empresas na internet que possam se interessar em abraçar o projeto.

Como a história de Paulo ganhou projeção internacional, há veículos estrangeiros que manifestaram interesse.

"Espero que seja apenas o começo de uma grande aventura. Meu sonho é produzir um longa metragem", diz um sorridente Paulo, com os olhos vidrados na tela do computador, que exibe sua série pela 201ª vez.

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Fotografia CARLOS CECCONELLO | Edição de vídeo GIOVANNI BELLO


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