Folha de S. Paulo


Epidemia de ebola é menos agressiva do que se imaginava

O primeiro estudo sobre a epidemia de ebola que compara o RNA dos vírus a informações de campo sobre o surto atual mostra que ela ocorre concentrada em grupos: alguns poucos doentes espalham o ebola para várias pessoas, e muitos não o passam para mais ninguém.

Liderado pelo biólogo Atila Iamarino, da USP, e por Sam Scarpino, do Instituto Santa Fe (Novo México, EUA), o trabalho sugere que a epidemia é menos explosiva do que se pensava durante os estágios iniciais.

Editoria de Arte/Folhapress
VÍRUS INTERCONECTADOA rede de transmissões no início da epidemia de ebola

Os cientistas, que investigaram o RNA do vírus de 78 pessoas infectadas durante a fase inicial da epidemia em Serra Leoa, também estimaram o número de casos ocultos, que pode ser determinado pela variação genética do patógeno em circulação.

Os casos não registrados somariam mais 70% aos oficiais, diz o estudo –número alto, mas inferior a estimativas anteriores, que chegavam a 250%. Nenhum outro estudo levou em conta a transmissão por agrupamento. Em setembro, os EUA estimavam que a epidemia chegaria a 1,4 milhão de pessoas em janeiro, possivelmente um exagero. Até agora foram 18,5 mil.

Muitos estudos projetam o crescimento do ebola como se ele se espalhasse de maneira aleatória (como a gripe) e cada vítima infectasse outras duas pessoas em média.

Iamarino estima que, na verdade, o número é 1,4. Se tivessem sido feitas ações rápidas de "rastreamento de contatos" (busca de pessoas que interagem com doentes), diz, a epidemia estaria acabada.

O difícil em projetar o futuro do ebola é que o vírus não segue padrão epidemiológico similar ao da gripe nem similar ao do HIV.

"No ebola, a transmissão não é tão exclusiva quanto numa rede de contatos sexuais, mas envolve um risco maior para amigos e familiares", explica Iamarino.

"Como a transmissão se dá por fluidos corporais, mesmo que o doente esteja dentro dum vagão de trem, só quem entrar em contato mais direto com ele é que tem risco de pegar a doença."

O estudo do biólogo, realizado em temporada na Universidade Yale (EUA), foi publicado na revista "Clinical Infectious Diseases".

Seus dados se encaixam no cenário conhecido para a doença. A maioria das infecções ocorre em residências (onde há contato íntimo), em hospitais (que na África carecem de equipamento de higiene) e em enterros tradicionais (onde há contato direto com os corpos dos mortos).

VACINAÇÃO

A confirmação de que a doença se espalha por agrupamento é uma boa notícia para as vacinas, pois os primeiros testes clínicos já poderão ter algum impacto na epidemia, caso o imunizante seja eficaz.

"Se a infecção fosse aleatória e a taxa fosse de 2, como se acreditava, seria preciso vacinar metade da população", diz Iamarino. "Mas talvez seja possível ter um resultado vacinando um número menor de pessoas, como quem é mais próximo dos doentes."


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