Folha de S. Paulo


Cirurgia de risco corrige caso grave de 'cabeça caída'

Duas cirurgias realizadas no Hospital das Clínicas da USP, uma no fim de maio e outra no início de junho, permitiram que Marlene Maria Vicente, 56, voltasse a manter o pescoço erguido e a olhar para frente.

Nos últimos quatro anos, vivia com o queixo encostado no peito. "Tomava água de canudinho e comia de lado. Emagreci muito, era um sofrimento", conta.

Só saía de sua casa em Praia Grande (SP) para ir à igreja e à casa de sua irmã, a poucos metros dali, sempre com a ajuda de alguém da família. Na rua, não escapava dos olhares de pessoas.

Também ia a consultas para tentar achar uma solução para seu problema, cujo nome científico é camptocornia mas é conhecido como síndrome da cabeça caída.

A condição atinge mais idosos e está associada a doenças neuromusculares, como esclerose lateral amiotrófica, mas também pode ser de causa inespecífica, apesar de extensa investigação, como é o caso de Marlene.

O problema de Marlene começou em 2005, quando sentia o que descreve como um "torcicolo grave que não sarava". Dos médicos consultados na época, recebeu prescrições de analgésicos, mas os remédios pouco ajudaram.

De 2010 para cá, a cabeça começou a tombar de vez, por causa da perda da musculatura. Trabalhava como faxineira na casa de uma família, mas acabou pedindo demissão por causa da doença incapacitante. "Eu estava estudando para terminar o segundo grau, mas desisti de tudo. Entrei em depressão."

Uma fisioterapeuta da cidade então a encaminhou para o HC, em São Paulo. No hospital, Marlene insistiu para que fosse operada. "A verdade é que eu já estava cansada, quase me entregando. Sabia do risco de morrer ou de ficar tetraplégica na operação, mas daquele jeito não queria mais ficar", conta.

PROCEDIMENTO ARRISCADO

Essa não foi a primeira cirurgia do tipo no Hospital das Clínicas mas, segundo Raphael Marcon, cirurgião da USP, do HCor (Hospital do Coração) e da AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente) que operou Marlene, certamente foi a mais complexa da instituição para tratar o distúrbio. "Ninguém queria operar por causa da gravidade do caso", diz.

No Into (Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia), no Rio, outras seis cirurgias para corrigir o problema já foram feitas. "O importante é dar qualidade de vida ao paciente. Muitos se isolam, não conseguem andar", afirma Luís Carelli, especialista em coluna do Into.

A cirurgia de Marlene foi feita em duas etapas. Na primeira, as articulações e os corpos das vértebras foram retirados, por trás, ao redor da medula espinhal, na região onde ocorria a flexão, para que o pescoço ganhasse movimento novamente.

O pescoço foi então fixado com parafusos nessa nova posição e, uma semana depois, por um corte próximo à garganta, uma espécie de armação de metal também foi colocada na área dissecada, para proteger a musculatura da região e aumentar a sustentação da cabeça.

Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress

"Abri o olho e senti o primeiro alívio: estava vivinha da silva. Depois, mexi a perna para ver se tinha dado tudo certo. Até chorei de alegria na hora", conta Marlene.

No caminho para casa, voltando de São Paulo à Baixada Santista, ficou maravilhada com tantas coisas que tinha deixado de ver nos últimos anos e que agora voltavam a aparecer da mesma perspectiva. "Fui olhando e achando tudo lindo, vendo as pessoas dos pés à cabeça."

De lá para cá, a cabeça já caiu um pouquinho. Está na fila de espera para fazer fisioterapia em Praia Grande. Ela ainda sente um pouco de dor e tem até medo de forçar o pescoço e de que ele volte a entortar. "Preciso me adaptar a essa nova postura. Sentava torta, via tudo de um lado só. Tento me reeducar."

Sorrindo muito, diz que mudou tudo depois da cirurgia. E conta que quer fazer uma terceira operação, para ficar com a cabeça retinha de vez. "A família acha que é loucura, mas a gente sempre quer o melhor, né? No meu caso, só quero voltar a ser como eu era antes de isso tudo acontecer", diz Marlene.


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