Folha de S. Paulo


Grupos rejeitam abstinência como única forma de tratar dependência

Quando seu filho teve que pedir atestado médico para não ir à escola, Jack e Wendy se conscientizaram de que precisam ajudá-lo a parar de beber. O psiquiatra do jovem e alguns amigos do casal sugeriram que eles procurassem os Alcoólicos Anônimos.

Segundo essas pessoas, ele tinha uma doença, e para continuar vivo teria de ir a reuniões e se abster de álcool pelo resto da vida.

Todavia, o casal, que mora em Manhattan e pediu para não ter seu sobrenome publicado, resistiu a essa solução e recorreu a um grupo de psicólogos especializados no tratamento de uso de substâncias nocivas no Centro para Motivação e Mudança.

O espaço em Nova York integra uma ala crescente no tratamento de vícios que rejeita a abstinência como única forma de recuperação para usuários de álcool e drogas.

Essa abordagem utiliza técnicas práticas e eficazes para resolver problemas emocionais e comportamentais, em vez de manter os dependentes longe da substância em questão, o que é algo extremamente difícil para jovens.

Ao contrário de programas do Al-Anon e dos Alcoólicos Anônimos, o centro não defende intervenções radicais ou o tratamento com frieza a alguém que consome bebida ou drogas em excesso.

"O método tradicional muitas vezes faz os pais se sentirem obrigados a adotar opções radicais: forçar o filho a ir para uma clínica de reabilitação ou ignorá-lo até ele chegar ao fundo do poço", disse a psicóloga Carrie Wilkens, que ajudou a fundar o centro há dez anos. "A ciência comprova que essas fórmulas não são muito eficazes."

Kirsten Luce/The New York Times
Carrie Wilkens, que trabalha com dependentes químicos em centro de tratamento em Nova York
Carrie Wilkens, que trabalha com dependentes químicos em centro de tratamento em Nova York

A abordagem no centro inclui entrevistas motivacionais, aconselhamento voltado para metas; terapia comportamental cognitiva, uma forma de psicoterapia em curto prazo; e redução de danos, que busca limitar as consequências do abuso de substâncias.

Os psicólogos também apoiam o uso de medicamentos que bloqueiam a capacidade do cérebro de liberar endorfinas e as sensações obtidas com o vício.

Um estudo realizado em 2002 por pesquisadores da Universidade do Novo México e publicado no periódico "Addiction" mostrou que o uso conjunto de entrevistas motivacionais, terapia comportamental cognitiva e naltrexona é bem mais eficaz do que o modelo baseado em fé e abstinência. Pesquisadores em outros lugares fizeram descobertas semelhantes.

O filho de Jack e Wendy, hoje com pouco mais de 20 anos, começou a beber para aliviar a ansiedade e a depressão. Amigos de Jack sugeriram que se o rapaz não frequentasse os Alcoólicos Anônimos só restaria ao casal frequentar o Al-Anon. "Parecia não haver outra solução", comentou Jack.

Na literatura dos Alcoólicos Anônimos, o alcoolismo é definido como "uma doença progressiva que pode se tornar incurável".

Membros da entidade se descrevem como "em recuperação", o que significa abstinência e adesão para sempre dos 12 passos do Grande Livro, publicado quatro anos após a fundação da organização, em 1935. O primeiro deles é a obrigação de admitir a própria impotência perante o álcool.

Os métodos do centro causam polêmica nos setores envolvidos na recuperação de viciados. David Rotenberg, dos Centros de Tratamento Caron sem fins lucrativos, que reabilitam dependentes de drogas e álcool, é contra métodos que dispensem a abstinência.

"A maioria dos viciados em drogas e álcool adoraria tomar apenas dois drinques e até tenta fazer isso, mas os resultados são péssimos", afirmou ele.

Na realidade, a maioria dos estudantes que bebem demais não se torna dependente de álcool, disse Stanton Peele, psicólogo do Brooklyn que estuda o uso de substâncias há décadas e reprova o método do Alcoólicos Anônimos.

Os psicólogos do centro são categóricos: quando se trata de diminuir a ansiedade e aliviar a depressão, as substâncias tendem a funcionar em curto prazo.

"Os jovens não são loucos por usá-las", disse Wilkens. "Elas têm um efeito de certa forma encorajador. Entender isso permite trabalhar estrategicamente para apoiar e encorajar outros comportamentos, saudáveis."

A visão de Wilkens reacendeu a esperança de Wendy. Seu filho havia abandonado os estudos, e o casal buscava opções de tratamento. Ligado todas as noites e sentindo extrema ansiedade, o rapaz bebia demais para conseguir dormir e só saía da cama às 17h.

Atualmente, o filho de Wendy e Jack recebe ajuda no centro para tratar sua depressão e ansiedade. E parece ter reduzido muito o consumo de álcool.

Ellie, uma editora de Nova York, que prefere não divulgar seu sobrenome, espera o mesmo para a filha de 23 anos, que trabalha, mas bebe demais aos fins de semana. "Minha filha diz que não teria vida social se parasse de beber."

Ellie e seu marido começaram a ter sessões com um terapeuta no centro. "Minha filha não se resume a um rótulo ou a um diagnóstico", disse Ellie. "A garota não é um problema a ser resolvido, e merece ser amada e orientada para ter uma vida melhor."


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